|
Nos escritos de Aristóteles e de Santo Tomás de Aquino define-se a alma
como sendo
"A forma substancial do corpo físico
que tem potência à vida".
|
Muitas vezes diz-se também, abreviadamente, apenas que a alma é a forma substancial do
corpo, subentendendo-se nestas palavras o restante da definição.
Condensada na aparente simplicidade destas palavras esconde-se uma das
apreensões mais elaboradas da história do pensamento humano. Neste trabalho,
considerando não apenas a importância que esta proposição possui tanto na filosofia grega
como na tradição cristã que a assimilou, mas também que ela é o produto de uma concepção
da natureza e da realidade extraordinariamente sofisticada, procuraremos introduzir uma
explicação ao seu significado que nos servirá também como uma introdução à cosmologia
grega da qual ela depende.
Temos visto e ouvido falar com freqüência de muitas pessoas que se
dedicam ao estudo das obras de Aristóteles e de Santo Tomás e que manifestam uma
dificuldade intransponível para entender o que precisamente se pretende dizer quando se
afirma que a alma é a forma substancial do corpo. Estas pessoas também não conseguem
compreender por que motivo Santo Tomás em sua época foi tão intransigente ao sustentar
que no homem só pode haver uma única forma substancial que seria a sua alma, e não várias,
como diversos de seus contemporâneos pretendiam ao afirmarem que o homem teria uma
alma vegetativa, outra sensível e ainda uma outra racional ou intelectiva, todas estas
constituindo como que um sistema de várias formas superpostas. Enquanto que para uns a
definição da alma como forma substancial, com as conseqüências que daí derivam, são tão
claras que parecem pertencer ao conjunto das coisas óbvias, como parecia ser o caso do
próprio S. Tomás, outros há que passam anos a fio tentando identificar qual seria
concretamente a realidade à qual se referem estas expressões sem chegarem a nenhuma
conclusão.
Nossa opinião é que isto ocorre não apenas pelo grau de abstração que o
entendimento desta definição exige, mas também pelo fato, já apontado, de que ela só faz
sentido dentro de uma concepção da natureza e do real muito mais sofisticada do que aquela
geralmente possuída pelo homem moderno. A visão que hoje quase todas as pessoas que
passaram por um curso superior possuem da natureza é basicamente a proveniente de seus
estudos de Física, Química e Biologia modernas. Estas disciplinas possuem em comum o
fato de serem todas elas ciências baseadas no método experimental. O método experimental
é recurso excelente para elaborar-se previsões sobre o comportamento dos corpos naturais
tais como qual a carga que uma pilastra poderia suportar sem se romper, qual a velocidade
que um foguete deveria ter para que um satélite possa ser colocado em órbita da Terra, ou
qual a dosagem com que um medicamento deveria ser administrado para que possa curar
uma determinada doença. Se, porém, o que se pretende investigar não é mais o
comportamento, mas a própria essência da natureza, este mesmo método se revela muito
pobre. A natureza é uma realidade muito mais profunda do que a que o método experimental
é capaz de revelar e uma concepção da mesma que se baseasse exclusivamente nas
evidências que um método como este pode oferecer é necessariamente uma concepção
primitiva. As dificuldades aparentemente intransponíveis dos que, apesar dos anos, não
conseguem chegar a uma conclusão sobre o que significa a alma ser forma substancial do
corpo decorrem em grande parte da tentativa de enquadrar esta formulação, pertencente a
uma cosmologia mais sofisticada, dentro das categorias de uma outra cosmologia mais
pobre.
|