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SEGUNDA PERGUNTA:
Então Deus não seria inerente em duas substâncias, mas em duas pessoas, certo?
RESPOSTA:
O que é simples de se entender na relação da criatura se torna sutilíssimo na relação divina. A parte da Summa Theologiae que trata
deste assunto, são as Quaestiones 27 a 44 da Primeira Parte, são muito mais difíceis do que qualquer outra coisa que S. Tomás escreveu,
e foi uma conquista de muitos séculos de meditação de muitos santos.
O que acontece é que em Deus as relações são reais, mas não são acidentes. São a sua própria essência, que não é composta de matéria e forma,
e nem sequer é apenas forma. Porque forma supõe determinação, portanto supõe limite. Uma coisa possui tal forma porque não é tal outra coisa,
porque ela se distingue das demais pela sua forma, portanto forma significa finitude. Portanto, se Deus é infinito, não pode ser forma. Na sua essência, porém,
possui a realidade da relação, e esta realidade da relação em Deus não pode diferir da sua própria essência. Sabemos isto, que em Deus existe
a realidade da relação, porque isto é dado da revelação. A revelação diz que em Deus existe paternidade e filiação.
A revelação também diz que Deus é inteligente, apesar de que isso poderia ser provado, ao contrário da existência da realidade da relação em Deus,
que só é conhecido pela revelação. Mas Deus possui a realidade da inteligência sem possuir o acidente da inteligência. Em Deus há inteligência mas
sua inteligência não é um acidente que lhe é acrescentado. Deus possui a perfeição da inteligência sem possuir alguma coisa a mais que o faça inteligente.
Se não fosse assim, e se Deus fosse inteligente porque possuisse alguma faculdade especial que o tornasse inteligente, ele já não seria Deus.
O verdadeiro Deus seria aquele que lhe tivesse dado esta inteligência. Então, se Deus é inteligente, não é porque ele tenha uma inteligência anexa,
mas porque Ele é a sua propria inteligência. A essência de Deus tem a perfeição da inteligência e ela é esta própria inteligência.
Por este motivo, pode-se dizer que Deus também é sua vontade, porque sua essência possui a perfeição da vontade. Por isso pode-se dizer que
Deus intelige e quer, mas não tem uma faculdade da vontade nem outra faculdade da inteligência. Sua essência é o mesmo que a sua inteligência,
e ambas estas coisas são o mesmo que a sua vontade. Todas estas coisas que nós conhecemos de modo finito em nós mesmos, quando levadas ao infinito,
são em Deus uma só coisa e a mesma coisa.
E neste sentido deve-se dizer que se em Deus nos é revelado existir a realidade da relação, Deus também é relação. Mas se em Deus existe a
realidade da relação, assim como existe a realidade da inteligência e da vontade, isto significa que Ele realmente intelige e quer, mas estes próprios
atos de querer e inteligir nem sequer são atos no sentido de que emergiram de uma potência prévia. Seu ato de inteligir é sua essência, seu ato de
querer é sua essência, sua essencia é seu existir e tudo isto que em nós é separado, em Deus é uma só realidade, dotada de uma perfeição levada ao infinito.
Portanto, se em Deus nos é revelado existir a realidade da relação, a relação em Deus só pode ser a mesma coisa que sua vontade, sua inteligência,
sua essência e sua existência. E também, portanto, se apesar de que tudo isto em Deus é a mesma coisa, se tudo isto é também real, significa que Deus
realmente intelige, Deus realmente quer, realmente existe e realmente é.
E também significa que se em Deus sua essência é também relação, em Deus deve haver duas pessoas, porque senão não haveria a realidade da relação.
Portanto, em Deus é a própria realidade da relação o que constitui as pessoas. Entre o pai e o filho humanos, é a diferença das pessoas que está na base da relação.
Só existe relação de paternidade e filiação entre homens porque havia antes pessoas diferentes.
Mas ao contrário do que acontece no mundo criado, onde não pode haver relação se antes não há uma diversidade de pessoas, isto é, não pode haver
uma relação se antes não há duas substâncias, em Deus é a relação que exige a diversidade de pessoas. E trata-se de uma diversidade de pessoas,
mas não de coisas. Isto porque em Deus a pessoa é a propria relação, mas esta relação é uma perfeição da própria essência divina, que é única.
A relação constitui as pessoas sem multiplicar a sua essência. A essência em Deus é o seu único existir. Em Deus a relação não é consequência de uma diferença de existências.
Assim como Deus intelige sem ter o acidente da inteligência, o que não poderia acontecer em nós, e assim como Deus quer sem ter o acidente da vontade,
o que também não poderia acontecer em nós, o seu querer não é algo diferente do seu inteligir nem do seu existir, o que também não poderia acontecer em nós.
Se isto parece dificil de entender é porque é dificil mesmo. Mas com o tempo e a oração vai se tornando claro como o meio dia, e muito belo, belissimo.
Pense para perceber isto no seguinte. O amor é uma relação entre duas pessoas. Nos animais, apesar de não serem propriamente pessoas, já se pode
observar que se amam tanto mais perfeitamente quanto mais perfeitos forem. Um canário ama mais do que uma formiga, um cachorro ama mais do que um canário, e um pinguim talvez ame muito mais que um cachorro. Mas ninguém consegue amar mais divinamente do que o homem, porque o homem é o único animal dotado de espírito, que é o que o faz ser pessoa no sentido estrito. Os homens podem amar mais do que qualquer outro animal porque são pessoas, isto é, criaturas espirituais. É só quando o homem se rebaixa à animalidade, o que hoje acontece com extraordinária frequência, que não pode mais experimentar a verdadeira natureza do amor.
Mas então pense que, se em Deus a pessoa é constituida de um modo tão transcendente que é preciso quase que uma vida de estudo só para se ter
a primeira pálida idéia do que constituiria a pessoa em Deus, o quanto de amor não será capaz dentro de si a Santíssima Trindade? É uma concepção de amor
que abre uma porta para um cenário literalmente infinito no sentido mais pleno do termo. Estamos falando da própria felicidade divina.
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