A HISTÓRIA DE ESAÚ E JACÓ CONTADA ÀS CRIANÇAS

43.

Quando a história anterior estiver bem gravada na alma da criança, poderás contar outra, por exemplo, a de outros dois irmãos, e começarás assim:

"Havia também outros dois irmãos,
um maior e outro menor;
o maior era caçador; o menor era caseiro".

Esta história é mais interessante do que a outra, por conter mais peripécias e pelos irmãos serem mais velhos.

"Estes dois irmãos também eram gêmeos e,
quando nasceram, a mãe amava mais o menor, e o pai o maior.
Um passava a maior parte do tempo fora de casa, nos campos,
enquanto o menor ficava em casa.
E ocorreu que o pai, já velho, disse ao filho que ele mais amava:

'Vês, filho, que já estou velho;
portanto, vai e me traga uma caça.
Isto é, vê se caças uma gazela ou uma lebre,
e me trazes e asses para mim,
e depois de comer, te darei minha benção'.

Mas para o menor não disse nada disso.
Como a mãe ouvira o pai falar daquela forma,
chamou o irmão menor, e lhe disse:

'Filho, como teu pai mandou a teu irmão que lhe traga caça,
a fim de abençoá-lo depois que tiver comido, escuta-me:
Vai agora até o rebanho e pega uns cabritos bonitos e gordos
e traze-os para mim, e eu os prepararei como sei que teu pai gosta.
Tu os apresentarás, a fim de que,
depois que ele tiver comido, te bendiga'.

Importa saber que o pai havia perdido a vista com a velhice.
Assim, portanto, o irmão menor trouxe os cabritos,
a mãe os assou, colocou seus pedaços bons numa travessa,
e a deu para o filho e este a apresentou ao pai.
Antes a mãe o havia vestido com peles de cabra,
para que não fosse descoberto,
pois não tinha pêlos, e seu irmão era peludo.
Era preciso dissimular e que o pai não percebesse.
Preparado dessa forma, a mãe o despachou.
E o pai, imaginando que fosse realmente o mais velho,
acabando de comer, lhe deu a benção.
Logo, após dar a benção, chegou o maior com a caça e,
vendo o que tinha acontecido, gritou e começou a chorar" .

44.

Olha quantos bens se extraem disso. E não conta a história inteira. Repara quanto proveito pode ser tirado do que foi contado. Em primeiro lugar, as crianças admirarão seus pais, vendo que assim disputam estes dois irmãos pela benção do seu, e preferirão mil vezes ser açoitados ao invés de ouvir uma maldição de seus pais. Porque se uma fábula qualquer lhes interessa e a têm como digna de fé, como não interessá-los o que realmente é verdade, e quanto maior temor não lhes infundirá? Aqui perceberão que devem desprezar o ventre; pois deves contar-lhes que

"ao maior não valeu de nada sua primogenitura,
pois por sua intemperança do ventre
vendeu seu privilégio de primogênito".

45.

Logo, quando assimilar bem o descrito, numa outra noite lhe dirás:

"Então conta-me a história daqueles dois irmãos".

E começará a contar-te a história de Caim e Abel: mas lhe replicarás dizendo:

"Não, não é esta a que pergunto,
mas a dos outros dois irmãos,
que disputavam entre si a benção do pai".

E dá-lhe os sinais pois, ainda não deves atribuir-lhes os nomes. E como não contaste a história inteira, continua teu relato dizendo:

"Ouça, pois, o que aconteceu então.
Também este tentava matar seu irmão,
como o da outra história,
e esperava a morte de seu pai.
Como a mãe ficou sabendo, e temia,
providenciou que o irmão menor fugisse.

Logo vem a grande filosofia que certamente supera a capacidade da criança, mas que, se soubermos manejar bem o relato, pode também, com condescendência, ser apresentada à tenra inteligência infantil. Portanto, lhe diremos assim:

"O irmão perseguido se pôs a caminho e chegou a um lugar,
sem a companhia de ninguém, sem escravo,
sem provedor, nem pajem, nem qualquer pessoa deste mundo.
Estando ali, fez oração e disse:

'Senhor, dá-me pão e roupa e salva-me'.

Logo, dito isso, a própria tristeza o fez dormir.
E viu uma escada que chegava da terra ao céu
e os anjos de Deus que subiam e desciam,
e viu o próprio Deus que estava em cima na extremidade,
e disse:

'Abençoa-me'.

E o abençoou e o chamou de Israel" .