A HISTÓRIA DE CAIM E ABEL CONTADA ÀS CRIANÇAS (Gen. 4, 1-16)

39.

Não ouçam, pois, semelhantes histórias. Não. Quando forem aliviar o cansaço do estudo, já que a alma aprecia as histórias antigas, conta-as à criança, afastando-a dos jogos... Sim, estás criando um filósofo, e um atleta, e um cidadão do céu. Diga-lhe, portanto, e conte-lhe assim:

"Havia no início do mundo
dois filhos do mesmo pai,
dois irmãos".

Logo, após uma breve pausa, prossegue:

"Os dois tinham saído do mesmo ventre.
Um era maior, o outro menor.
E um era agricultor, o maior;
e o menor, era pastor.

O pastor levava seu rebanho nos vales e lagos."

E procura suavizar a narração, para que também a criança sinta gosto e sua alma não se canse.

"O agricultor semeava e plantava.
Uma vez, pois, decidiram os dois fazer um sacrifício a Deus.
E o pastor, pegando o melhor de seus rebanhos,
o ofereceu a Deus".

Não é melhor, muito melhor, contar estas coisas ao invés de tudo aquilo do carneiro de ouro e outros fantásticos prodígios? Logo anima-o (pois a narrativa também o leva consigo) sem acrescentar nenhuma mentira, mas partindo sempre das Escrituras. Portanto, como ofereceu a Deus o melhor, prontamente desceu fogo do céu e arrebatou tudo para o altar do alto. Assim não fez o irmão mais velho, mas guardando nos celeiros para si a melhor parte das suas colheitas, ofereceu a Deus o que valia menos. E Deus não se dignou nem olhar aquelas ofertas, mas virou seu rosto e as deixou no chão. E já dissemos que as outras havia aceitado para si. É o que acontece com os que mandam nos lugares: O dono honra um que lhe traz suas ofertas e permite que entre; o outro deixa do lado de fora. Exatamente dessa forma aconteceu nesse caso. Então, o que aconteceu depois? O irmão maior ficou ressentido, pensando ter sido desonrado e preterido, e estava triste. Então disse-lhe Deus:

"Por que estás triste?
Não sabias que fazias oferta a Deus?
Por que me ofendeste?
Tinhas alguma coisa contra mim?
Por que me ofereceste a parte que valia menos?"

Ou se preferes usar uma linguagem mais simples, dirás:

"Ele esteve quieto, não tendo o que refutar",

ou para dizer melhor ainda,

"se calou".

Depois disso, vendo seu irmão menor, lhe disse:

"Vamos andar no campo".

E lançando-se contra o irmão mais novo, o matou de forma traiçoeira. E imaginava que Deus não iria inteirar-se disso. Mas Deus se aproximou e lhe disse:

"Onde está o teu irmão?"

Ele respondeu:

"Não sei. Por acaso sou o guardião do meu irmão?"

Disse-lhe Deus:

"Eis que o sangue do teu irmão
está clamando por mim desde a terra".

Sentada a teu lado também deverá estar a mãe, enquanto se forma assim a alma da criança com essas histórias, para que ela também colabore e elogie as coisas que vão sendo ditas.

"O que aconteceu, pois, em seguida?
Ao que foi assassinado Deus admitiu no céu,
e lá em cima está mesmo depois de morto."

E é assim, com estas histórias, que a criança recebe a doutrina da ressurreição. Porque se nos mitos ou nas histórias se narram prodígios como: "Ela se tornou - dizem - semideusa", e a criança acredita (realmente não sabe o que é semideusa, mas imagina que é algo acima da natureza humana e fica admirada quando ouve isso), com mais razão quando ouve falar da ressurreição e que a alma do irmão mais novo subiu ao céu.

"O menor, portanto, Deus levou imediatamente ao céu;
mas o outro, o que o havia assassinado,
viveu ainda muitos anos sofrendo muitos males,
entre temores e tremores,
e sobre ele caíram mil calamidades
e castigos todos os dias".

E ressalta energicamente este castigo, não de passagem, que ouviu de Deus:

"Com temor e tremor residirás sobre a terra".

Certamente a criança não sabe o que é isso. Pois tu lhe dirás:

"Da mesma forma que tu estás diante do mestre muito angustiado,
temendo e tremendo se alguma vez te tem que açoitar,
assim sempre viveu aquele assassino por ter ofendido a Deus".