XVIII

Os Oponentes de Santo Atanásio




1.

Colocação do problema.

(O compilador deste trabalho teve a intenção de, por meio dele, trazer à luz aquilo que lhe pareceu ser de utilidade para a compreensão da doutrina sobre a Santíssima Trindade considerada em si mesmo e de introdução aos textos mais profundos e fundamentais da tradição cristã posterior ao século terceiro que tratam a respeito deste mesmo tema. Omitimos, portanto, quase todo o estudo sobre as doutrinas dos oponentes de Santo Atanásio e do Concílio de Nicéia, com exceção de uma única corrente que, na perspectiva deste trabalho, apresenta grande interesse além do histórico).

Dos oponentes de Santo Atanásio, alguns podem ser descritos como tendo optado pela indefinição, ocasionalmente caindo na ambigüidade. Outros defenderam uma posição praticamente ariana. (O compilador deste trabalho julgou dispersivo o detalhamento das colocações destas correntes, juntamente com os seus muitos matizes; em vista das finalidades do texto presente, houve por bem apenas citá-las genericamente).

(Bastante diverso, porém, é o caso de) uma destas correntes, posteriormente chamada de Semi-Arianismo, da qual nos ocuparemos um pouco mais demoradamente.

2.

O Semi Arianismo.

Um das correntes de oposição à doutrina do Concílio de Nicéia e de Santo Atanásio foi o chamado Semi- Arianismo.

Uma parte dos semi-arianos eram pessoas que inicialmente tinham sido fiéis às definições do Concílio, mas que acabaram se separando dos nicenos por suspeitarem de alguns dos defensores do Concílio e pelo conseqüente desagrado para com o termo `homoousios', o qual, literalmente, significa `da mesma substância'. Em vez dele, passaram a fazer uso da expressão `homoeousios', a qual significa `de semelhante substância'.

Tais pessoas insinuavam que o Filho era "semelhante ao Pai em todas as coisas", e num sínodo realizado em Ancyra, publicaram um manifesto Homoeousiano. Este manifesto afirmava que Cristo não era uma criatura, mas o Filho do Pai, pois

"Criador e criatura são uma coisa,
Pai e Filho outra bem diferente";

e condenaram outras teses tipicamente arianas.

Por outro lado, na intenção de condenar também outras teses que lhes pareciam tendentes ao Sabelianismo, afirmaram que o Filho não era uma simples "energia" do Pai, mas

"uma substância (`ousia')
semelhante ao Pai".

Cabe aqui a observação que no seu modo de se expressarem, `ousia' está aqui sendo usada aproximando-se ao sentido de `Pessoa'. Porém a semelhança entre o Pai e o Filho não deve ser concebida como identidade, pois sendo uma outra `ousia', o Filho pode ser como o Pai, mas não idêntico com Ele. Assim, o manifesto fala de uma

"semelhança
de `ousia'
para com `ousia'",

e condena quem quer que defina o Filho como `homoousios' com o Pai.

3.

A conversão dos semi-arianos.

Grande parte dos semi-arianos ou `homoeouseanos' acabou se convertendo à aceitação do `homoousios', em grande parte devido aos esforços de Santo Hilário de Poitiers e de Santo Atanásio.

4.

Santo Hilário de Poitiers.

Devido à desorganização que Santo Hilário vinha causando ao movimento ariano na Gália, atual sul da França, no ano 356 os arianos franceses conseguiram obter o exílio de Hilário para o Oriente. Exilado na Ásia Menor, e pela primeira vez em contato com o debate teológico da Igreja Oriental, Hilário percebeu que a distância existente entre os `homoeouseanos' e os defensores do Concílio de Nicéia era extremamente pequena, e que não seria difícil estabelecer uma aproximação entre ambos.

Em um livro intitulado "De Synodis seu de Fide Orientalium" admitiu que o `homoousios', a menos que fosse salvaguardado por uma adequada distinção entre as Pessoas, levaria a uma interpretação sabeliana. Quanto ao termo `homoeousios', considerando-se que os seus defensores já enfatizavam corretamente a doutrina das três Pessoas, deveria ser interpretado no sentido de uma perfeita igualdade o que, estritamente falando, significaria a unidade da natureza.

Sua conclusão foi que, já que os Católicos, ou seja, os Nicenos, reconheciam a distinção das Pessoas, não poderiam negar o `homoeousios', enquanto que os `homoeouseanos', por outro lado, eram obrigados a reconhecer a unidade da substância se eles acreditavam seriamente na perfeita semelhança da substância.

Depois de passar três anos exilado na Ásia, a pedido dos arianos orientais, que o descreviam como "agitador do Oriente", foi-lhe permitido voltar à França. De regresso à pátria, Hilário articulou o desmoronamento definitivo do arianismo no Ocidente.

5.

Santo Atanásio e o Concílio de 362.

No ano 362 Santo Atanásio reuniu em Alexandria, em um Concílio local, nicenos e `homoeouseanos'.

Neste Concílio foi formalmente reconhecido que a fórmula "três hipóstases" seria considerada legítima desde que não trouxesse a conotação ariana de "hipóstases totalmente distintas, diferentes em substância uma da outra", mas que apenas expressasse a subsistência separada das três Pessoas na tríade consubstancial.

A fórmula oposta, "uma hipóstase", foi também aprovada, seus defensores tendo explicado que não tinham com ela intenções sabelianas, mas, identificando o termo `hipóstase' com `ousia', queriam apenas significar a unidade da natureza entre o Pai e o Filho.

Mediante este Concílio, que ainda chegou a chocar muitos no Ocidente, a união entre as duas partes estava virtualmente selada, e pode-se antever nele a fórmula que se tornou distintiva da Ortodoxia:

"Uma ousia, três hipóstases".

Referências:
Santo Atanásio : Tomus ad Antiochenos 6;
São Jerônimo : Epistola 15, ano 376, 4.