XVI

A Igreja após
o Concílio de Nicéia




1.

Colocação do problema.

Vimos no capítulo anterior que os participantes do Concílio de Nicéia podiam ser divididos em quatro grupos. Dois destes representavam posições extremas minoritárias, de um lado os arianos declarados, e de outro os tão excessivamente anti-arianos que na prática incidiam no erro oposto do monarquianismo ou sabelianismo. Estes dois grupos não teriam mais lugar na Igreja. O monarquianismo nunca teve chances na Igreja Oriental, e o Arianismo declarado tinha sido explicitamente condenado pelo Concílio.

Dos dois outros grupos majoritários, um era formado pelos que tinham uma consciência mais plena do erro ariano, entre os quais estava o bispo Alexandre e seu futuro sucessor Atanásio; o outro era formado pelos inseguros e pelos de tendência origenista mais radical.

Após o Concílio, alguns representantes do primeiro grupo começaram a definir o `homoousios' ou consubstancialidade do Pai e do Filho de uma tal maneira que fêz com que alguns do segundo grupo os acusassem de sabelianos; vendo isto, os do primeiro grupo interpretaram esta acusação como uma negação do `homoousios' e retrucaram acusando os segundos de arianos. Isto deu início a uma série de litígios sobre tendências e de acusações mútuas, e a literatura polêmica deste período, à primeira vista, dá a impressão de uma batalha entre sabelianos e arianos.

2.

O primeiro grupo.

De um lado estava o grupo liderado por Santo Atanásio, agora já bispo de Alexandria, pequeno em número, mas forte na consciência de que contavam com o apoio da Igreja Ocidental.

Eles eram defensores devotados do `homoousion' e percebiam que a identidade numérica da substância é conseqüência da doutrina de que o Pai e o Filho compartilham da mesma Divindade. Com uma ou duas exceções, estavam muito longe de serem sabelianos; mas, como tinham uma certa relutância em aceitar a fórmula "três hipóstases", pois julgavam que estava sendo usada pelo segundo grupo de uma maneira prejudicial para a unidade divina, esta relutância fazia o segundo grupo suspeitar de que eles ignoravam a distinção das pessoas na Divindade.

3.

O segundo grupo.

O segundo grupo era numericamente muito maior, abarcando a maior parte da Igreja Oriental. Uma pequena minoria eram realmente arianos, mas a maioria estava tão longe do arianismo quanto os seus oponentes do sabelianismo.

De perspectiva origenista, este segundo grupo tinha por natural pensar em termos de três hipóstases, e eram facilmente induzidos a acreditarem que a colocação do `homoousios' colocava a distinção das pessoas divinas em perigo.

Muitos dos que pertenciam a este grupo não eram verdadeiramente teólogos; eram conservadores que preferiam a tradicional falta de definição e tinham objeções à palavra chave do Concílio de Nicéia como um afastamento de uma terminologia puramente bíblica.

4.

Comentário de Sócrates.

Sócrates, que no início do século quinto escreveu uma História da Igreja, escreveu sobre este período:

"A situação era como a de uma batalha travada à noite,
porque ambos os lados pareciam estar no escuro
a respeito dos motivos que os levavam
a se acusarem mutuamente
de cometerem abusos.
Aqueles que tinham objeções para com o termo `homoousios'
imaginavam que os seus defensores
estavam propagando a doutrina de Sabélio.
Por outro lado, os defensores do `homoousios'
concluíam que os seus oponentes
estavam introduzindo o politeísmo".

Referências:
Sócrates : História Eclesiástica 1,23.