XV

O Concílio de Nicéia




1.

Introdução.

No ano de 325 reuniu-se em Nicéia o primeiro Concílio Ecumênico da história para uma toma de posição da Igreja Universal frente à heresia Ariana. Embora dificuldades de ordem material tivessem impedido muitos de se apresentarem, foram convocados todos os bispos da Igreja, comparecendo no total cerca de trezentos, a maioria dos quais do Oriente, das regiões da Ásia Menor, Síria, Palestina e Egito, e alguns poucos do Ocidente. O Papa São Silvestre enviou em seu lugar dois sacerdotes como representantes.

Podemos agrupar os participantes do Concílio de Nicéia em quatro grupos, dois dos quais bastante minoritários:

  1. Os arianos declarados, pequeníssima minoria;

  2. um número muito grande de tradição origenista mais radical, aos quais se associavam vários outros participantes inseguros, hostis a qualquer fórmula nova e partidários do uso de uma terminologia estritamente bíblica;

  3. outro grande grupo dos que souberam denunciar claramente o perigo do Arianismo, entre os quais estava Alexandre de Alexandria juntamente com um de seus diáconos, de nome Atanásio, que viria a ser seu sucessor na sede episcopal e um dos mais intrépidos defensores das resoluções do Concílio;

  4. uma pequena minoria cuja tendência anti-ariana era tão acentuada a ponto de cair no erro oposto do Monarquianismo ou Sabelianismo.

Assim, configurou-se sem dificuldade uma vigorosa maioria que reprovou os êrros de Ário. Apenas dois bispos, amigos de Ário, recusaram-se a aceitar as decisões do Concílio e foram exilados juntamente com Ário.

2.

As resoluções do Concílio de Nicéia.

Nas atas do Concílio de Nicéia, assinadas por todos os bispos participantes, com exceção dos dois amigos de Ário, constou o texto da seguinte profissão de fé:

"Cremos em um só Deus,
Pai todo poderoso,
Criador de todas as coisas,
visíveis e invisíveis;

E em um só Senhor, Jesus Cristo,
Filho de Deus, gerado do Pai,
unigênito, isto é, da substância do Pai,
Deus de Deus, Luz da Luz,
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro,
gerado, não criado,
consubstancial do Pai,
por quem todas as coisas foram feitas
no céu e na terra,
o qual por causa de nós homens
e por causa de nossa salvação desceu,
se encarnou e se fêz homem,
padeceu e ressuscitou ao terceiro dia,
subiu aos céus
e virá para julgar os vivos e os mortos;

E no Espírito Santo.

Mas quantos àqueles que dizem:

`existiu quando não era'

e

`antes que nascesse não era'

e

`foi feito do nada',

ou àqueles que afirmam
que o Filho de Deus é uma hipóstase
ou substância diferente,
ou foi criado,
ou é sujeito à alteração e mudança,
a estes a Igreja Católica anematiza".

A seguir, vamos considerar a atitude teológica do Concílio, enquanto expressa principalmente neste Credo.

3.

A atitude teológica do Concílio de Nicéia, considerada negativamente.

Negativamente considerada, a atitude teológica do Concílio de Nicéia foi a condenação do Arianismo.

4.

Razões que animavam os Padres Conciliares na condenação do Arianismo.

Possuímos poucas ou nenhumas evidências de primeira mão e respeito das razões que animavam os padres conciliares na sua condenação do Arianismo.

Provavelmente compartilhavam a convicção do bispo Alexandre de que a Escritura e a Tradição atestavam a divindade e a imutabilidade do Verbo.

Mais tarde Santo Atanásio iria desdobrar, em seus tratados anti-arianos, as seguintes considerações, que provavelmente podem ter tido peso no Concílio:

  1. Primeiro, o Arianismo destruía a doutrina cristã de Deus, colocando que a tríade divina não é eterna e virtualmente re- introduzindo o politeísmo;

  2. Segundo, o Arianismo tornava sem sentido os costumes litúrgicos e estabelecidos na Igreja de batizar em nome do Filho assim como do Pai, assim como a prática de dirigir orações ao Filho;

  3. Terceiro, e talvez esta fosse para Santo Atanásio a mais importante, o Arianismo destruía a idéia cristã da Redenção em Cristo, já que somente se o mediador fosse ele próprio divino o homem poderia ter reestabelecido a comunhão com Deus.

Referências:
Santo Atanásio : Contra Arianos 1,17; 1,20; 3,15; 2,41; 2,67; 2,70.
Idem : Ep. ad Episc. Aeg. et Lib. 4.

5.

A atitude teológica do Concílio de Nicéia, positivamente considerada.

Mais difícil é considerar o ensino positivo do Concílio de Nicéia. O texto do Credo fornece algumas sugestões, afirmando que enquanto gerado o "Filho" é "da substância do Pai" e "consubstancial ao Pai" (`homoousios').

A dificuldade aqui está em que o termo "consubstancial" pode ser interpretado de duas maneiras. De um primeiro modo, pode significar que o Pai e o Filho possuem uma substância idêntica em seu gênero sem especificar se se trata de uma só ou de duas substâncias. De um segundo modo, "consubstancial" pode significar que o Pai e o Filho possuem uma só e mesma substância.

Antes do Concílio, o termo "consubstancial" (`homoousios') tinha sido empregado por Orígenes no sentido de identidade genérica. Mais tarde, após o Concílio, é fora de questão que a teologia católica passou a empregar o termo `homoousios' no sentido de `uma só substância'. Cabe agora perguntar qual dos dois significados os padres conciliares de Nicéia tiveram a intenção de dar ao termo.

Não há dúvida que, enquanto aplicado à divindade, o termo `homoousios' é suscetível deste segundo significado e, em última análise, exige tal significado. Como os teólogos posteriores perceberam, já que a natureza divina é imaterial e indivisível, segue-se que as Pessoas da Divindade que a compartilham devem ter, ou ser, uma única e idêntica substância. Mas a questão é se esta era a idéia proeminente nas mentes dos padres conciliares, ou pelo menos do grupo a cuja influência se deve o Credo de Nicéia.

A grande maioria dos estudiosos tem respondido afirmativamente sem hesitar, colocando que a doutrina da identidade numérica da substância foi o ensinamento específico do Concílio de Nicéia. Entretanto, temos as razões mais fortes possíveis para duvidar desta afirmação.

A principal destas razões é a história do próprio termo `homoousios', pois anteriormente ao Concílio de Nicéia tanto no seu uso secular como no teológico sempre significou, de modo primário, a identidade genérica. Em vista disso é paradoxal supor que os padres de Nicéia repentinamente começassem a empregar o que era uma palavra bastante familiar em um sentido inteiramente novo e inesperado.

Além disso, o grande debate anterior ao Concílio, no que todas as fontes concordam, não era a unidade da Divindade enquanto tal, mas a co-eternidade do Filho com o Pai, que os arianos negavam, e Sua plena divindade em contraste com a condição de criatura que os arianos lhe atribuíam.

A inferência razoável é que, ao escolherem o terno `homoousios', os padres conciliares pretenderam enfatizar, formal e explicitamente, sua convicção de que o Filho era plenamente Deus, no sentido de compartilhar a mesma natureza divina que o Seu Pai. A teologia do Concílio, portanto, se este argumento for sólido, teve um objetivo bem mais limitado do que algumas vezes foi suposto. Se do ponto de vista negativo inequivocamente o Concílio condenou o Arianismo, do ponto de vista positivo satisfez-se em afirmar a plena divindade do Filho e a Sua igualdade com o Pai, de cujo ser Ele derivou e cuja natureza conseqüentemente partilhou. O Concílio não tentou abordar o problema estritamente relacionado da unidade divina, embora a discussão agora estava inevitavelmente próxima.