XIV

O Arianismo




1.

Introdução.

Até a época em que surgiu o Arianismo, as heresias não eram coisa nova na Igreja. Quando apareciam, anteriormente, os bispos, como guardiães do depósito da fé, as condenavam e preveniam os fiéis; e os inovadores, ao serem expulsos da Igreja, não conseguiam, após sua condenação, manter sua posição na Igreja ou suas posições heréticas.

Com o Arianismo, porém, deu-se uma transformação a este respeito. No ano 318 Ário, presbítero da Igreja de Alexandria, começou a propagar suas idéias a respeito da natureza do Verbo. Segundo elas, o Verbo não seria Deus mas apenas uma criatura. O bispo de Alexandria, Alexandre, chamou-o à ordem e chegou a reunir um concílio local com cerca de cem bispos do Egito e da Líbia que condenaram os erros de Ário e o excomungaram junto com um grupo de cinco presbíteros, seis diáconos e dois bispos, seus partidários.

Ário, porém, não aceitou a condenação e procurou apoio exterior, na Palestina, e com o apoio conseguido iniciou uma verdadeira guerra de acaloradas controvérsias. O Oriente cristão acabou por transformar-se em toda a parte num cenário de conflitos e disputas.

2.

A doutrina do Arianismo. I. A natureza de Deus.

A doutrina ariana parte da afirmação da absoluta unidade e transcendência de Deus, fonte inoriginada de toda a realidade.

Sendo único, transcendente e indivisível, o ser ou essência (`ousia') da Divindade não pode ser compartilhado ou comunicado, pois Deus conceder Sua Substância a algum outro ser, não importa quão elevado, significaria ser Ele divisível e sujeito à mudança, o que é inconcebível. Além disso, se qualquer outro ser participasse da natureza divina em um sentido próprio, haveria uma dualidade de seres divinos, enquanto que a divindade é, por definição, única.

3.

A doutrina do Arianismo. II. A natureza do Verbo.

Como o mundo contingente não podia suportar o impacto direto da ação do Pai, este usou o Filho ou Verbo como um seu órgão de criação e atividade cósmica.

Em relação à natureza deste Verbo, Ário colocou o seguinte:

A.

O Verbo é uma criatura.

B.

Como criatura, o Verbo teve um início.

De fato, acerca do Verbo Ário afirmou que

"embora nascido fora do tempo,
antes de sua geração Ele não existia".

A posição segundo a qual o Verbo seria co-eterno com o Pai parecia para Ário que implicaria na existência de

"dois princípios auto existentes",

o que significaria a destruição do monoteísmo.

C.

O Filho não tem comunhão nem conhecimento direto de seu Pai.

Embora o Filho seja o Verbo e a Sabedoria de Deus, Ele é distinto daquele Verbo e daquela Sabedoria que pertencem à própria essência de Deus. O Filho é uma criatura pura e simples, e somente possui estes títulos porque Ele participa no Verbo e Sabedoria essenciais.

D.

O Filho é sujeito à mudança e até ao pecado.

Um dos arianos, em uma conferência, surpreendido por uma questão súbita, admitiu que o Filho poderia ter caído como o demônio caíu, e isto era o que eles em seus corações acreditavam. Sua doutrina oficial, entretanto, foi uma modificação desta afirmação no sentido de que, enquanto a natureza do Filho em princípio estaria sujeita ao pecado, Deus em sua previdência previu que Ele permaneceria virtuoso por sua própria e firme resolução.

Referências:
Santo Atanásio : Contra Arianos 2,24; 1,5; 2,37;
Idem : De Decret. 8;
Idem : Epistola ad Alex. in op. De Synodis.
Alexandre : Epistola Encyc. 10.

4.

Em que sentido o Verbo pode ser chamado Deus ou Filho de Deus.

Perante estas colocações, poderia perguntar-se em que sentido, segundo os Arianos, o Verbo poderia ser chamado Deus, ou mesmo Filho de Deus.

Suas respostas seriam que estes, de fato, seriam apenas títulos de cortesia.