XIII

As Colocações Trinitárias
desde Orígenes
até o Concílio de Nicéia




1.

Introdução.

Orígenes morreu mártir em 253 e a controvérsia entre o papa e o bispo Dionísio de Alexandria deu-se logo após, em torno do ano 260.

No começo do século seguinte, em Alexandria, durante o episcopado de Alexandre, iria irromper a heresia Ariana, pregada inicialmente por Ário, presbítero da Igreja de Alexandria. Apesar de um sínodo local, presidido pelo bispo Alexandre, ter condenado as posições de Ário, a heresia estendeu-se a tal ponto que tornou-se necessária a convocação do primeiro Concílio Ecumênico da história, realizado no ano 325 em Nicéia, onde a Igreja em conjunto começou a tomar posições oficiais sobre a questão.

O propósito deste capítulo é comentar as posições existentes entre os cristãos sobre a Trindade no período histórico intermediário entre estes dois acontecimentos.

2.

Primeiro aspecto das colocações trinitárias antes do Concílio de Nicéia.

Num primeiro aspecto, nesta época o que parece mais ter sido objeto de consideração para os cristãos não foi a Trindade enquanto tal, mas o Verbo em sua relação para com a Divindade, se Ele era plenamente divino ou se na verdade era uma criatura.

3.

Segundo aspecto: duas tendências na abordagem da posição do Verbo na Divindade.

Na Igreja Ocidental o problema era colocado numa ótica onde se percebia a influência do monarquianismo. Os teólogos do ocidente procuravam enfatizar a unidade divina sentindo mais profundamente o caráter misterioso das distinções dentro da Divindade.

Na Igreja Oriental, a influência dominante era a proveniente de Orígenes. Os orientais não tinham tantas dificuldades em descrever a distinção das pessoas dentro da Trindade; ao mesmo tempo, porém, havia uma divisão entre eles quanto ao modo de explicarem como esta distinção de pessoas não contradizia a unidade divina. De modo geral, antes do aparecimento do Arianismo, havia na Igreja Oriental duas posições derivadas de Orígenes: uma, mas moderada, insistia claramente na unidade existente entre as pessoas divinas e colocava que o Filho não era uma criatura; outra, mais radical, acentuou demasiadamente a tendência subordinacionista de Orígenes. Veremos a seguir as posições de alguns representantes destas tendências.

O Arianismo representou, mais tarde, uma posição muito mais radical que a dos origenistas mais extremos, praticamente impossível de vir a tornar-se aceita no Oriente, muito menos no Ocidente. A grande propaganda que teve esta heresia, entretanto, acabou por obrigar a Igreja universal a tomar uma posição oficial em Nicéia.

4.

Um representante do origenismo moderado: Alexandre, bispo de Alexandria.

Coube a Alexandre, bispo de Alexandria de 313 a 328, advertir primeiramente ao presbítero Ário,seu subordinado, para depois convocar um sínodo local com o fim de condenar as suas teorias. Das primeiras cartas que ele escreveu em crítica às doutrinas de Ário depreende-se um origenismo moderado.

Alexandre era acusado por Ário justamente por insistir na unidade da Tríade, apesar dele manifestamente conceber o Verbo como "Pessoa" (`hipóstase'), ou "Natureza" (em grego `fisis', sendo que em seus escritos esta palavra tem um sentido equivalente ao de `hipóstase', isto é, embora literalmente signifique `essência', é usada como `ser individual'). Esta "Pessoa" ou "Natureza" é distinta do Pai.

Em uma perspectiva claramente origenista, Alexandre descreve o verbo como a única natureza que media entre Deus e a criação. Mas Ele próprio não é uma criatura, sendo derivada do ser do Pai. Além disso, o Filho, enquanto Filho, é co-eterno com o Pai, e para explicar a sua co- eternidade, Alexandre faz pleno uso da concepção origenista da geração eterna.

Referências:
Alexandre de Alexandria : Epistola Enciclica, citada na História Eclesiástica de Sócrates 1,6;
Idem : Epistola ad Alex. Byz., citada na História Eclesiástica de Teodoreto 1,4.

5.

Um representante do origenismo radical: Eusébio de Cesaréia.

Quando completou quase trinta anos de ensino catequético em Alexandria, Orígenes mudou-se para cesaréia na Palestina, onde fundou, em 232, uma nova escola. Em pouco tempo organizou-se aí uma notável biblioteca cristã que se desenvolveu consideravelmente graças ao sucessor na direção da escola, o presbítero Pânfilo. Eusébio de Cesaréia, o autor da famosa História da Igreja, e depois bispo dessa cidade, estudou sob a orientação de Pânfilo na escola fundada por Orígenes. Através desta escola, a tradição de Alexandria estendeu-se também aos grandes padres da Capadócia de que falaremos adiante, a saber, São Basílio, São Gregório Nazianzeno e São Gregório de Nissa. São Gregório de Nazianzo, quando jovem e antes de receber o Batismo, chegou a freqüentar a escola de Cesaréia da Palestina. Ao contrário destes padres, porém, Eusébio levou a um extremo as posições de Orígenes.

Segundo Eusébio, só o Pai é auto existente e sem princípio, causa de todas as coisas. O Verbo, uma hipóstase gerada do Pai antes de todas as eras, é seu intermediário para a Criação e governo do Universo, pois a ordem contingente não poderia ter um contato direto com o Ser absoluto. O Verbo difere de todas as criaturas, e é por causa dEle trazer em si mesmo a imagem da Divindade inefável que o chamamos de Deus. O Filho, porém, não é co-eterno com o Pai, pois, já que somente o Pai é não gerado, diz Eusébio de Cesaréia,

"devemos admitir que o Pai é anterior
e pré-existe ao Filho".

Eusébio também corrige a venerável analogia da luz e seu brilho, apontando que o brilho existe simultaneamente com a luz, enquanto que o Pai precede o Filho. Além disso, Eusébio abandona a posição de Orígenes segundo a qual o Pai e o Filho participam da mesma essência ou substância, convencido de que tal doutrina implica em uma divisão da Divindade que é, na realidade, indivisível, e levaria à posição absurda da existência de dois seres não gerados.

Quanto à unidade do Filho com o Pai, de que fala o Evangelho de São João ao Cristo afirmar que

"Eu e o Pai somos um",

Jo. 10, 30

esta, segundo Eusébio de Cesaréia, consiste simplesmente no compartilhamento de uma glória idêntica; e Eusébio ainda acrescenta que os santos também podem desfrutar do mesmo tipo de comunhão com o Pai.

Referências:
Eusébio de Cesaréia : De Ecles. Theol. 2,6; 1,13,1; 3,19;
Idem : Demonst. Evang. 4,1,145; 4,6,1-6; 5,1,14-20; 4,2,1; 4,3,5;
Idem : Contra Marcellum 1,1,2;
Idem : Epistola ad Caes. 5.