VIII

A Santíssima Trindade
em Hipólito e Tertuliano.




1.

Hipólito e Tertuliano.

Hipólito e Tertuliano situam-se quanto à Santíssima Trindade mais ou menos na mesma linha dos apologistas e Irineu. Ambos pertencem ao início do século III, sendo Hipólito de Roma e Tertuliano do norte da África.

Assim como no caso de Irineu, a chave para a sua doutrina é abordá-la simultaneamente de duas direções opostas, considerando Deus

  • Enquanto Ele existe em Seu ser eterno;

  • enquanto Ele se revela no processo da Criação e da Redenção.

Embora sigam a linha dos apologistas e de Irineu, sua doutrina é mais explícita do que a destes (em geral), (e, em particular, nos) seguintes pontos:

  • (Provavelmente por causa da tendência da Igreja Ocidental), (da qual faziam parte), (de acentuar a unidade da divindade), Hipólito e Tertuliano procuram tornar mais explícito como a Trindade revelada na economia não é incompatível com a unidade essencial de Deus.

  • Ao descreverem o Pai, o Filho e o Espírito Santo, usam o termo `Pessoa' (`Prosopon', no caso de Hipólito, um dos últimos escritores de língua grega no Ocidente; `Persona', no caso de Tertuliano). O termo `Pessoa' é aplicado por Hipólito ao Pai e ao Filho; e por Tertuliano ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Porém aplicam-lhes o termo `Pessoa' somente enquanto manifestados na ordem da Revelação. O termo `Pessoa' só mais tarde começou a ser aplicado ao Filho e ao Espírito Santo enquanto imanentes no ser eterno de Deus.

  • Nos escritos de Tertuliano surge pela primeira vez a expressão `Trindade'. Em uma passagem da obra Adversus Praxean, ele afirma que o Espírito Santo também é uma "Pessoa", de modo que a Divindade é uma "Trindade".

2.

Deus antes da Economia (Revelação, Criação e Redenção).

Tanto Hipólito como Tertuliano tinham a concepção de Deus existindo em total solidão desde toda a eternidade, tendo, porém, de modo imanente e em unidade indivisível consigo mesmo, sua razão ou Verbo.

A. Hipólito.

Hipólito afirma que o Verbo de Deus e sua Sabedoria são distintos, sendo de fato o Filho e o Espírito Santo enquanto imanentes. Sempre houve uma pluralidade em Deus, pois,

"embora sozinho,
Ele era múltiplo,
pois Ele não estava
sem o seu Verbo
e sua Sabedoria".

B. Tertuliano.

Tertuliano é mais explícito:

"Antes de todas as coisas,
Deus estava sozinho,
sendo Ele seu próprio universo.
Ele estava sozinho, entretanto,
no sentido em que não havia
nada de externo e Ele,
pois mesmo então Ele não estava
realmente sozinho,
já que Ele tinha consigo
aquela Razão
que Ele possuía em Si mesmo,
isto é, Sua própria Razão".

Em outra passagem ele tenta explicar, mais claramente que os seus antecessores, o ser-outro ou a individualidade desta razão imanente ou Verbo. Ele explica que a racionalidade ou o discurso, por meio do qual o homem cogita e faz planos é, de uma certa maneira, um "outro" e um "segundo" no homem, e assim é com o Verbo divino, com o qual Deus raciocina desde toda a eternidade e que constitui "um segundo para consigo".

Referências:
Hipólito : Refut. 10,33,1;
Idem : Contra Noetus 10;
Tertuliano : Adv. Prax. 5.

3.

Deus, enquanto manifestado na economia.

O caráter ternário do ser intrínseco de Deus é manifestado, em segundo lugar, na Criação e na Redenção.

A. Hipólito.

Segundo Hipólito, quando Deus o quis, engendrou o seu verbo, usando-o para criar o universo, e sua Sabedoria para adorná-lo ou ordená-lo. Mais tarde, tendo em vista a salvação do mundo, Ele tornou o Verbo, até então invisível, visível na Encarnação. A partir daí, ao lado do Pai, o que no contexto dos seus escritos significa a Divindade em si mesmo, havia "um outro", uma segunda "Pessoa" (`Prosopon'), enquanto que o espírito completou a tríada. Entretanto, Hipólito reluta em designar o Verbo como Filho de maneira própria a não ser após a Encarnação.

Quanto à unidade divina, Hipólito insiste na unidade essencial de Deus, afirmando que

"quando falo de `um outro',
não me refiro a dois Deuses,
mas como se (este outro)
fosse luz da luz,
água de sua fonte,
um raio do Sol".

B. Tertuliano.

Seguindo os apologistas, Tertuliano data a "perfeita geração" do Verbo na sua extrapolação para a obra da Criação. Antes do momento da geração, não se poderia dizer que Deus tivesse um Filho num sentido estrito, enquanto que após a geração o termo Pai, que os teólogos anteriores utilizavam referindo-se a Deus como autor da realidade, passou a adquirir o significado especial de Pai do Filho. Enquanto assim gerado, o verbo ou Filho é uma "Pessoa" (`Persona') e "um segundo para com o Pai". Em terceiro lugar, existe o Espírito Santo, "representante" ou "força vigária" do Filho. O Espírito Santo procede do Pai por meio do Filho,

"a Pater per Filium",

sendo "um terceiro para com o Pai e o Filho". O Espírito Santo é também uma "Pessoa", de modo que a divindade é uma "Trindade". Os três são realmente distintos numericamente, sendo "passíveis de serem numerados", ou, na expressão original,

"numerum patiuntur".

Quanto à unidade divina, devido às críticas dos herejes modalistas, Tertuliano esforça-se por mostrar como a trindade revelada na economia não é incompatível com a unidade essencial de Deus. Embora três, as pessoas são manifestações de um único poder indivisível, observando que analogamente, no governo imperial, uma única e mesma soberania pode ser exercida por órgãos coordenados. Entre os três há uma distinção ou disposição, não uma separação, como pode ilustrar-se pelo exemplo do Sol e sua luz. O modo característico de Tertuliano de expressar este fato é a afirmação de que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são uma única substância: o Pai e o Filho são uma idêntica substância que não foi dividida, mas estendida. Quando o Salvador afirmou

"Eu e o pai somos um",

mostrou que os três são "uma única realidade", não "uma única Pessoa", existindo uma identidade de substância e não uma mera unidade numérica. O Filho é

"de uma única substância"

para com o Pai, e o Filho e o Espírito Santo são

"consortes da substância do Pai".

Referências:
Hipólito : Contra Noetus 7; 11; 14; 10; 8; 15;
Tertuliano: Adversus Prax. 7; 5; 4; 11; 3; 12; 2; 25; 3;
Idem : Adversus Hermog. 3;
Idem : De Praescr. 13;
Idem : De Pud. 21;
Idem :Apol. 21,12.