TEÓLOGOS IMPORTANTES DA
HISTÓRIA DO CRISTIANISMO




A Teologia, às vezes chamada de Ciência Sagrada, é o estudo de Deus e de tudo aquilo que diz respeito a Deus.

No prólogo à Summa Teológica, S. Tomás de Aquino afirma que a Teologia consiste no estudo de Deus considerado em si mesmo, do homem na medida em que se ordena a Deus, e do caminho pelo qual o homem pode alcançar a Deus, que é Cristo.

Também Hugo de S. Vitor, em Os Mistérios da Fé Cristã, diz que a Teologia é um estudo ordenado dos ensinamentos contidos nas Sagradas Escrituras, que consistem essencialmente na obra da restauração humana realizada por Cristo.

O estudo da Teologia, suposta sempre a humildade, sem a qual, segundo Hugo de S. Vitor, nenhum verdadeiro aprendizado é possível, quando acompanhado por uma vida de virtude, se realizado sobre as obras daqueles cujas vidas foram marcadas por uma santidade eminente e em cujos escritos nota-se, dentre os dons do Espírito Santo, uma clara influência do dom de entendimento, é um instrumento para uma compreensão mais profunda do Evangelho e para o crescimento das virtudes da fé, da esperança e da caridade, as chamadas virtudes teologais, através das quais a graça opera a santificação dos homens.

A Igreja, em seus dois mil anos de existência, foi riquíssima pelo número de teólogos que despontaram em seu meio, eminentes em santidade e sabedoria. Fazer uma lista de todos seria uma extensíssima tarefa, pelo que, a seguir, citaremos apenas alguns dentre os principais, os quais, pelo exemplo de suas vidas e pela pureza de seus ensinamentos merecem que nos sejam particularmente queridos, pois a familiaridade com os seus escritos nos permite compreender mais facilmente a profundidade dos ensinamentos de Jesus.

O estudo das obras dos teólogos aqui enumerados pressupõe, além da prática da vida cristã, um conhecimento razoável das Sagradas Escrituras e uma noção da História da Igreja. O das obras de Santo Tomás de Aquino, em particular, além destes requisitos, pressupõe também uma noção da História da Filosofia e o conhecimento dos seus Comentários a Aristóteles.

1. Santo Antão.

Santo Antão nasceu em uma pequena aldeia no interior do Egito, no ano 250 da era cristã. Aos vinte anos de idade, após a morte repentina de seus pais, vendeu a fazenda de que era herdeiro, distribuíu o dinheiro aos pobres e retirou-se durante algum tempo junto à cabana de um ancião que o ensinou como conduzir uma vida dedicada à oração. Mais tarde internou-se no deserto egípcio onde, em uma solidão praticamente ininterrompida, durante cerca de 35 anos seguidos viveu somente para orar. Depois disto, por volta dos seus 55 anos de idade, embora habitasse no deserto e em locais de difícil acesso, Antão começou a ser procurado por pessoas que a ele se dirigiam vindos de todas as partes do Império Romano; muitos que o procuravam depois que o encontravam não mais queriam retornar aos seus lugares de origem, e passaram a formar pequenas comunidades no deserto dedicadas à oração, as quais deram origem, na Igreja, à vida monástica. Não obstante a vida rigorosa que levava, S. Antão morreu no deserto do Egito em idade avançada aos 105 anos. Embora não tenha sido alguém que tenha se dedicado sistematicamente ao estudo, à escrita ou ao ensino, e não seja geralmente considerado, por isto mesmo, como um teólogo no sentido estrito do termo, deixou entretanto uma coleção de cartas que, aparentemente simples quando de uma primeira leitura, estão na realidade entre os escritos da tradição cristã em que mais profundamente transparece o conhecimento das coisas divinas.

2. Santo Agostinho.

Nasceu em 354 DC no norte da África e ainda jovem mudou-se para o norte da Itália, onde estudou a arte retórica e tornou-se professor da mesma. Graças à intervenção de Santo Ambrósio, bispo de Milão, converteu-se à vida cristã que, embora educado nela, há tanto tempo tinha abandonado. Voltou então para a sua terra natal onde tornou-se sacerdote e depois bispo, morrendo no ano 430 DC. Embora Santo Agostinho seja mais conhecido por ter escritoAs Confissões e A Cidade de Deus, entre seus livros merecem ser citados também o Comentário ao Evangelho de São João, escrito sob a forma de uma seqüência de sermões, as Enarrationes in Psalmos, nas quais ele comenta todos os salmos da Bíblia e, principalmente, a sua obra mais profunda, que é, sem dúvida alguma, o Tratado sobre a Santíssima Trindade.

3. Hugo de São Vítor.

Hugo de S. Vítor nasceu no ano de 1096 na Alemanha, que na época chamava-se Sacro Império Romano Germânico. Ainda jovem, sentindo-se chamado para a vida religiosa, foi aconselhado por seu tio que era bispo a mudar-se para Paris e ingressar no Mosteiro de São Vitor, pertencente à congregação recentemente fundada dos Cônegos Regulares de São Vitor, que hoje não existe mais.

Junto ao mosteiro de São Vítor havia uma escola de Teologia. Com o tempo, Hugo de S. Vítor tornou-se professor nesta escola e mais tarde também o seu diretor e principal organizador. Ali veio a falecer no ano de 1141. Em suas obras Hugo de S. Vitor mostrou como o estudo da ciência sagrada pode ser utilizado como instrumento para o desenvolvimento das virtudes e da vida espiritual. Deixou uma obra conhecida como Os Mistérios da Fé Cristã que foi o primeiro texto da Igreja Latina em que se tentou fazer uma síntese abrangente de toda a doutrina cristã; Os Mistérios da Fé Cristã foi, de fato, a primeira de todas as Summas Teológicas que começaram a aparecer em seguida, desta maneira preparando o caminho para o surgimento da importantíssima Summa Teologica de Santo Tomás de Aquino duzentos anos mais tarde. Hugo de São Vítor tinha um amor imenso pelo estudo das Sagradas Escrituras, tendo deixado de alguns dos livros da Bíblia comentários de raríssima beleza. Em um opúsculo intitulado Sobre o modo de Aprender e de Meditar Hugo de S. Vitor deixou definições notáveis sobre a contemplação, as quais desenvolveu, estendendo as concepções fundamentais do Tratado sobre a Santíssima Trindade de Santo Agostinho, no Sétimo Livro do Didascalicon, também conhecido como o Tratado dos Três Dias, do qual existe uma tradução portuguesa. A obra de Hugo de S. Vitor é bastante extensa, o que torna impossível comentá-la toda no pequeno espaço destas páginas.

4. Ricardo de São Vítor.

Ricardo de São Vítor nasceu na Escócia e, atraído pela fama do Mosteiro de São Vitor, em que na época ensinava Hugo, ainda jovem mudou-se para Paris onde foi admitido entre os vitorinos. Foi, assim, aluno de Hugo de S. Vitor, a quem admirava profundamente. Anos mais tarde, quando Hugo faleceu, Ricardo continuou sua obra com tanta fidelidade que o conjunto de ambas, a de Hugo e a de Ricardo, constituem na verdade como que uma só obra. Na Divina Comédia, quando descreve o Céu, Dante Alighieri cita Ricardo de S. Vitor e diz que, quando falou sobre a contemplação, Ricardo de S. Vitor foi "mais do que humano, verdadeiramente sobre humano".

A obra de Ricardo de São Vítor é, em extensão, aproximadamente um terço da de Hugo, mas é tão notável em perfeição quanto a do mestre. Entre seus livros cita-se um tratado de uma beleza indescritível Sobre a Santíssima Trindade, que é, de certa forma, um aprofundamento do Tratado dos Três Dias de Hugo. Ricardo escreveu também um livro, conhecido como Benjamim Menor, em que faz um comentário alegórico à vida dos filhos de Jacó tal como é narrada pelas Sagradas Escrituras no livro de Gênesis, no qual descreve o crescimento das virtudes como preparação à vida contemplativa, e sua continuação, o Benjamim Maior, outro comentário alegórico à descrição contida no livro de Êxodo sobre o modo como deveria ser construída a Arca da Aliança, em que nos mostra seis estágios no desenvolvimento da vida contemplativa. Ricardo de S. Vitor deixou também aquele que talvez seja o mais belo comentário ao Apocalipse escrito pela tradição cristã.

5. Santo Tomás de Aquino.

S. Tomás de Aquino nasceu na Itália, perto de Nápoles, em 1225, e morreu durante uma viagem, também na Itália, em 1275, depois de ter sido durante muitos anos professor na Universidade de Paris. Tomás foi padre da Ordem Dominicana, na época recém fundada por São Domingos, uma ordem nascida para se dedicar à oração, ao estudo e ao ensino da mensagem do Evangelho. Santo Tomás de Aquino foi, indiscutivelmente, e na opinião de toda a Igreja, o principal de todos os teólogos. Suas obras são tão sublimes que, poucos meses antes de morrer, estando em oração, o próprio crucifixo teria se movido e lhe perguntado:

-"Tomás, escreveste muito bem
a meu respeito.
Dize-me, o que queres
em recompensa?"

Ao que Tomás respondeu:

-"Nada, Senhor, senão o teu amor".

Santo Tomás de Aquino escreveu sobre praticamente todos os assuntos da Filosofia e Teologia. Tinha uma capacidade de concentração fora do comum, dormia pouquíssimo e passava praticamente todo o tempo orando, estudando, escrevendo ou ensinando. Muitas vezes, para ganhar tempo, em vez dele mesmo escrever, ditava a quatro pessoas diferentes quatro livros diversos ao mesmo tempo. Entre as suas obras mais notáveis de Filosofia estão o opúsculo intitulado De Ente et Essentia e uma série de extensos comentários a quase todos os livros de Aristóteles, o principal filósofo grego; entre as de Teologia estão a Summa contra Gentiles, obra verdadeiramente extraordinária que lhe serviu como preparação para poder escrever posteriormente seu trabalho mais importante, a Summa Teologica, uma síntese de toda a doutrina cristã que representa a culminância de um longo trabalho desenvolvido durante aproximadamente duzentos anos por uma série de sábios que teve como ponto de partida Os Mistérios da Fé Cristã de Hugo de São Vitor.

6. Santa Teresa de Ávila.

Santa Teresa nasceu na Espanha, em 1515, e morreu também na Espanha em 1538. Durante a sua juventude ingressou na Ordem Carmelita, mas seguiu as regras da comunidade de modo bastante displicente. Certo dia foi presenteada com um livro chamado "Terceiro Abecedário Espiritual", escrito por um sacerdote franciscano falecido então há pouco tempo. Neste livro, em 23 capítulos dispostos como as letras de um alfabeto, Teresa encontrou fartamente documentada a necessidade da oração e uma orientação concreta sobre como vivê-la. Decidiu-se então a seguir os conselhos do livro ainda que fosse a última coisa que fizesse em sua vida. Vinte anos mais tarde estava completamente transformada, e após si reformou a Ordem Carmelitana, iniciando o Carmelo Descalço. Santa Teresa deixou-nos meia dúzia de obras que tratam principalmente sobre o desenvolvimento da vida espiritual através da oração. Entre estas as principais são a sua autobiografia, em que descreve a transformação que ocorre na alma humana através da vida de oração, e o Castelo Interior, escrito poucos anos antes de sua morte e cerca de duas décadas depois de sua autobiografia. No Castelo Interior Teresa compara a alma humana a um castelo em que há uma seqüência de sete moradas, uma interior à outra; a maioria dos homens encontra-se do lado de fora deste castelo, mas na sétima e mais interior morada Deus espera o homem que, com o auxílio da graça, se dispuser a percorrê-las através da oração.

7. São João da Cruz.

São João da Cruz foi amigo e colega de Santa Teresa de Ávila na fundação do Carmelo Descalço. Como ela, nasceu também na Espanha, filho de pais muito pobres. Ainda jovem, e já órfão, para poder estudar teve que trabalhar como voluntário em um hospital. Ingressou depois na Ordem Carmelita e, ao estudar Teologia, começou a interessar-se por iniciativa própria pelo questão da natureza da contemplação. Já estava para abandonar o Carmelo e passar para a ordem mais austera dos cartuxos quando encontrou Santa Teresa que o convidou a participar da reforma carmelita. Depois da morte de Teresa, João da Cruz escreveu quatro livros notáveis para complementar a obra deixada por Santa Teresa, em que trata do processo da santificação do homem. Na primeira metade do século XX o P. Crisógono de Jesus Sacramentado escreveu uma excelente biografia sobre S. João da Cruz, quase tão importante quanto os próprios escritos de São João da Cruz para uma compreensão mais profunda de suas obras.

8. Santo Afonso de Ligório.

Santo Afonso nasceu em Nápoles, no sul da Itália, em 1696, vindo a falecer em 1787. Jovem de muita piedade e inteligência, aos dezesseis anos já era advogado famoso das cortes italianas. Aos 27 anos, percebendo que, devido a uma inadvertência, quase havia cometido uma injustiça ao defender uma causa, abandonou definitivamente o exercício da advocacia e se tornou sacerdote. Fundou alguns anos depois a Congregação do Santíssimo Redentor e, sentindo a responsabilidade implicada no ensino da Teologia Moral aos futuros sacerdotes de sua congregação, passou a ensinar pessoalmente esta matéria aos seus seminaristas. Foi deste magistério que nasceram as suas obras mais importantes, os tratados de Teologia Moral, fundamentados em princípios de validade perene para todas as épocas. Escreveu também numerosas obras de piedade, a primeira das quais um livro sobre as Glórias de Maria, que lhe custou aproximadamente 20 anos de pesquisa, e um notável livro sobre a oração.

9. Pio XII.

Pio XII foi um dos mais importantes pontífices que a Igreja teve em sua história. Eleito pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial, governou a Igreja durante esta guerra e após o seu término, até 1958. Para os observadores pouco atentos sua vida parecia consistir apenas em uma carreira dedicada à diplomacia e à política do Vaticano. Foi, de fato, diplomata da Santa Sé e depois Secretário de Estado do Vaticano antes de ser elevado ao pontificado. Mas, depois de eleito, escreveu várias encíclicas que são na realidade notabilíssimos trabalhos de Teologia. Entre elas as mais importantes são a encíclica Mediator Dei sobre a liturgia e a natureza do sacrifício da missa e a encíclica Mystici Corpori Christi, sobre o mistério da Igreja, esta última sendo um aprofundamento de uma outra encíclica mais antiga, a Satis Cognitum, escrita em 1896 por Leão XIII, sobre o mesmo assunto. Não foi uma simples coincidência o fato de que, depois do término do pontificado de Pio XII, quando os papas João XXIII e Paulo VI, entre os anos de 1962 e 1965, convocaram e conduziram o Concílio Vaticano II, a liturgia, a missa e o mistério da Igreja estiveram entre os assuntos mais importantes de seus documentos.

Pio XII é uma personalidade recente. Antes de ser papa, visitou o Brasil e esteve no Rio de Janeiro, no alto do Corcovado. Ainda hoje, na sacristia da Basílica do Carmo, no bairro da Bela Vista, em São Paulo, conservam-se em uma vitrine os trajes que ele usou durante o seu pontificado.

10. São João Crisóstomo.

Na ordem cronológica, S. João Crisóstomo deveria ter sido colocado nesta apresentação depois de Santo Agostinho. De fato, ele nasceu na Síria por volta do ano 350 DC e morreu no ano 407 DC, exilado em uma longínqua cidade da margem oriental do Mar Negro, embora fosse o bispo legítimo da cidade de Constantinopla, então a capital do Império Romano.

Antes de ter sido bispo, João Crisóstomo foi padre, diácono e monge. Provavelmente João foi o escritor mais prolífico do primeiro milênio do Cristianismo, a maioria de seus escritos sendo cópias taquigrafadas dos muitíssimos sermões que ele fazia, nos quais ele comenta a maioria dos livros das Sagradas Escrituras. Dentre estes sermões suas obras mais famosas são a série de 90 Sermões sobre o Evangelho de São Mateus e a série dos 32 Sermões sobre a Epístola aos Romanos.

Mas ele merece ser citado nesta lista por ter sido uma das pessoas que mais profundamente entenderam a importância do preceito que Jesus deixou à Igreja de ensinar. No livro que São João Crisóstomo nos deixou intitulado Sobre o Sacerdócio, ele nos mostra claramente que para Jesus ensinar é a maior prova de amor, e no livro Contra os Adversários da Vida Monástica ele nos fala de modo especial sobre as conseqüências benéficas que adviriam se aqueles que ensinam tivessem consciência que mais do que a quaisquer outros é necessário ensinar às crianças.

"Se nós adotássemos este ponto de vista",

diz S. João Crisóstomo,

"e tratássemos antes de tudo o mais
de conduzir as crianças à virtude,
bem persuadidos de que isto é o importante
e que tudo o mais é acessório,
seriam tantos os bens que daí resultariam que,
se eu os tentasse descrever,
meus leitores pensariam
que eu não poderia estar falando sério;
mas eu tenho que lhes dizer que então
o gênero humano tocaria as próprias fronteiras
da natureza angélica".

São Paulo, junho de 1994.