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Caso o pregador se deixar levar pela ambição de aplausos
baratos, nem seus esforços, nem sua eloqüência lhe serão
vantajosos. Quem não puder suportar crítica, mesmo injustificada,
da parte da multidão, automaticamente relaxa em seus esforços,
deixando de aplicar-se na preparação das práticas. Por isso é
necessário que um bom pregador, antes de tudo, saiba desprezar os
aplausos da massa. Toda a sua eloqüência de nada vale, se apenas
procurar aplausos. Num exame mais profundo chega-se à conclusão de
que também o menos perito em eloqüência deverá desprezar os aplausos
da multidão, não menos do que o bom orador. Procurando a
admiração da massa, estará sujeito a muitos erros. Não sendo
capaz de igualar-se aos bons oradores, distinguindose na
eloqüência, procurará persegui-los insidiosamente com inveja e
críticas ridículas, para não mencionar coisas piores.
Esforçar-se-á até, pelo preço de sua vida, por diminuir a
glória deles, colocando-a abaixo de sua própria insignificância.
Além de tudo sentirá, por ocasião de suas pregações, uma
espécie de paralisia espiritual que não o deixa nem raciocinar com
lógica.
E o resultado? Sempre menos aplausos! Assim, para quem não
consegue desprezar encômios e louvores, já o fato de os aplausos
diminuírem é suficiente para desencorajá-lo e tirar-lhe toda a
vontade de trabalhar.
Também o agricultor, obrigado a lavrar a terra pedregosa sem
resultado compensador, perderá a vontade de trabalhar, se não
estiver sob a ameaça da fome iminente.
Ora, se quem dispuser do poder da palavra já necessita de contínuos
exercícios para conservar suas qualidades retóricas, o que direi de
quem só a custo consegue juntar algo de aproveitável? Caso alguém
dos súditos conseguir superá-lo na arte de falar, ele necessitará
de uma alma quase divina para não ser comida totalmente pela inveja e
para não perder-se inexoravelmente. Para que alguém de dignidade
mais elevada seja superado por alguém de dignidade inferior de tal modo
que este o tolere generosamente, não basta, na verdade, uma alma
comum como a minha. Para isso se precisa de uma alma diamantina. Se
aquele que o superar em glória for compreensivo e modesto, a desgraça
não será de todo insuportável. Se ele, porém, se apresentar
orgulhoso, presunçoso e cheio de ambição, levá-lo-á ao ponto de
desejar todos os dias a morte. Há de amargurar a sua vida
insultando-o em público, ridicularizando-o às escondidas,
usurpando grande parte de sua autoridade, e apresentando-se como
chefe. Em tudo isso ele se apresenta com a máxima segurança, pois
considera-se dono da palavra e, com isso, da estima da multidão.
Ou porventura não sabes como, nos dias de hoje, a arte de falar é
superestimada e como rapidamente se torna ídolo da multidão quem dela
souber fazer uso? Isso não vale só entre os pagãos. Também
dentro das nossas comunidades de fé.
Então pergunto: Como é que alguém suportará a vergonha de ver,
enquanto ele mesmo estiver falando, como todos se recolhem num
silêncio sepulcral, como se mostram vexados e ansiosos que termine a
prática como pelo término de um trabalho insano? Ao mesmo tempo que
ele observa como todos se mantêm atentos às palavras do outro; mesmo
depois de longo discurso não se mostram entediados, ficando até
descontentes ao notarem o orador finalizar e irritados caso não queira
falar! Talvez em tua experiência aches tratarse de coisas ridículas
e desprezíveis; no entanto, creias, são suficientes para paralisar
a força espiritual de quem não conseguiu desprender-se totalmente das
paixões humanas, revestindo-se da espiritualidade daqueles seres
incorpóreos que não conhecem inveja, nem ambição, nem outra
paixão qualquer.
Se existir um homem capaz de vencer esta fera, tão difícil de ser
caçada, isto é, a opinião da multidão, se conseguir
desprezá-la, cortar-lhe as numerosas cabeças, ou antes, nem
sequer deixar que elas cresçam, esse sim com toda facilidade
rejeitará também qualquer outra crítica, podendo repousar no porto
seguro. No entanto, não tendo conseguido desprender-se dela, terá
que enfrentar as lutas mais diversas, como inquietação contínua,
insegurança e todo esse exército de coisas desagradáveis que lhe
invadirão a alma. Para que, enfim, enumerar ainda todos os outros
aborrecimentos, que não poderá descrever nem compreender quem já
não tiver ocupado tal cargo?
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