Capítulo 19. Da maneira de salmodiar.

Cremos estar em toda parte a presença divina e que

"os olhos do Senhor vêem em todo lugar
os bons e os maus".

Pr. 15, 3

Creiamos nisso principalmente e sem dúvida alguma quando estamos presentes ao ofício divino. Lembremo-nos, pois, sempre, do que diz o Profeta:

"Servi ao Senhor no temor".

Salmo 2, 11

E também :

"Salmodiai sabiamente".

Salmo 46, 8

E ainda:

"Cantar-vos-ei em face dos anjos".

Salmo 137, 1

Consideremos, pois, de que maneira cumpre estar na presença da divindade e de seus anjos; e tal seja a nossa presença na salmodia, que nossa mente concorde com nossa voz.

Capítulo 20. Da reverência na oração.

Se queremos sugerir algo aos homens poderosos, não ousamos fazê-lo a não ser com humildade e reverência; quanto mais não se deverá empregar toda humildade e pureza de devoção para suplicar ao Senhor Deus de todas as coisas? E saibamos que seremos ouvidos não com o muito falar, mas com a pureza do coração e a compunção das lágrimas. Por isso a oração deve ser breve e pura, a não ser que, porventura, venha a prolongar-se por um afeto de inspiração da graça divina. Em comunidade, porém, que a oração seja abreviada e, dado o sinal pelo superior, levantem-se todos ao mesmo tempo.

Capítulo 27. Como o abade deve ser solícito
para com os excomungados.

Cuide o abade com toda a solicitude dos irmãos que caírem em faltas, porque

"não é para os sãos
que o médico é necessário,
mas para os que estão doentes".

Mt. 9, 12

Por isso, como sábio médico, deve usar de todos os meios, enviar `simpectas', isto é, irmãos mais velhos e sábios que, em particular, consolem o irmão flutuante e o induzam a uma humilde satisfação, o consolem

"para que não seja absorvido
por demasiada tristeza",

II Cor. 2, 7

mas, como diz ainda o Apóstolo,

"confirme-se a caridade para com ele",

II Cor. 2, 8

e rezem todos por ele.

O Abade deve pois empregar extraordinária solicitude e deve empenhar-se com toda a sagacidade e indústria, para que não perca alguma das ovelhas a si confiadas. Reconhecerá, pois, ter recebido a cura das almas enfermas e não a tirania sobre as sãs; tema a ameaça do Profeta, através da qual Deus nos diz:

"O que víeis gordo assumíeis
e o que era fraco lançáveis fora".

Ez. 34, 3-4

Imite o pio exemplo do bom pastor que, deixando as noventa e nove ovelhas nos montes, saiu a procurar uma única ovelha que desgarrara, de cuja fraqueza a tal ponto se compadeceu que se dignou colocá-la em seus sagrados ombros e assim trazê-la de novo ao aprisco.

Capítulo 33. Se os monges devem possuir
alguma coisa de próprio.

Especialmente este vício deve ser cortado do mosteiro pela raiz; ninguém ouse dar ou receber alguma coisa sem ordem do Abade, nem ter nada de próprio, nada absolutamente, nem livro, nem tabuinhas, nem estilete, absolutamente nada, já que não lhes é lícito ter a seu arbítrio nem o corpo nem a vontade; porém todas as coisas necessárias devem esperar do pai do mosteiro, e não seja lícito a ninguém possuir o que o Abade não tiver dado ou permitido. Seja tudo comum a todos, como está escrito, nem diga nem tenha alguém a presunção de achar que alguma coisa lhe pertence. Se for surpreendido alguém a deleitar-se com este péssimo vício, seja admoestado primeira e segunda vez e, se não se emendar, seja submetido à correção.

Capítulo 37. Dos velhos a das crianças.

Ainda que a própria natureza humana seja levada à misericórdia para com estas idades, velhos e crianças, no entanto que a autoridade da Regra olhe também por eles. Considere-se sempre a fraqueza que lhes é própria, e não se mantenha para com eles o rigor da Regra no que diz respeito aos alimentos; haja sim, em relação a eles, uma pia consideração e tenham antecipadas as horas regulares.

Capítulo 38. Do leitor semanário.

Às mesas dos irmãos não deve faltar a leitura; não deve ler aí quem quer que, por acaso, se apodere do livro, mas sim o que vai ler durante toda a semana, a começar do domingo. Depois da missa e da comunhão, peça a todos que orem por ele para que Deus afaste dele o espirito de soberba. No oratório, recitem todos, por três vezes, o seguinte versículo, iniciando-o o próprio leitor:

"Abri, Senhor, os meus lábios,
e minha boca anunciará vosso louvor";

Salmo 50, 17

e, tendo assim recebido a bênção, entre a ler. Faça-se o máximo silêncio, de modo que não se ouça nenhum cochicho ou voz, a não ser a do que está lendo. Quanto às coisas que são necessárias aos que estão comendo e bebendo, sirvam-se mutuamente os irmãos, de tal modo que ninguém precise pedir coisa alguma. Se, porém , se precisar de qualquer coisa, seja antes pedida por algum som ou sinal do que por palavra. Nem ouse alguém fazer alguma pergunta sobre a leitura, ou outro assunto qualquer, para que se não dê ocasião, a não ser que o superior, porventura, queira dizer, brevemente, alguma coisa, para edificação. O leitor semanário, antes de começar a ler, recebe o `misto', por causa da Comunhão e para que não aconteça ser-lhe pesado suportar o jejum; faça, porém, depois, a refeição com os semanários da cozinha e os serventes. Não leiam nem cantem os irmãos segundo a ordem da comunidade, mas façam-no aqueles que edificam os ouvintes.

Capitulo 48. Do trabalho manual cotidiano.

A ociosidade é inimiga da alma; por isso em certas horas devem ocupar-se os irmãos com o trabalho manual, e em outras horas com a leitura espiritual. Pela seguinte disposição, cremos poder ordenar os tempos dessas duas ocupações: isto é, que da Páscoa até o dia 14 de setembro, saindo os irmãos pela manhã, trabalhem da primeira hora até cerca da quarta, naquilo que for necessário. Da hora quarta até mais ou menos o princípio da hora sexta, entreguem-se à leitura. Depois da sexta, levantando-se da mesa, repousem em seus leitos com todo o silêncio; se acaso alguém quiser ler, leia para si, de modo que não incomode o outro. Celebre-se a Noa mais cedo, pelo fim da oitava hora, e de novo trabalhem no que for preciso fazer até a tarde. Se, porém, a necessidade do lugar ou a pobreza exigirem que se ocupem, pessoalmente, em colher os produtos da terra, não se entristeçam por isso, porque então são verdadeiros monges se vivem do trabalho de suas mãos, como também os nossos Pais e os Apóstolos. Tudo, porém, se faça comedidamente por causa dos fracos.

De 14 de setembro até o início da Quaresma, entreguem-se à leitura até o fim da hora segunda, no fim da qual se celebre a Terça; e até a hora nona trabalhem todos nos afazeres que lhe forem designados. Dado o primeiro sinal da hora nona, deixem todos os seus respectivos trabalhos e preparem-se para quando tocar o sinal. Depois da refeição, entreguem-se às suas leituras ou aos salmos.

Nos dias da Quaresma, porém, da manhã até o fim da hora terceira, entreguem-se às suas leituras e até o fim da décima hora trabalhem no que lhes for designado. Nesses dias de Quaresma, recebam todos respectivamente livros da biblioteca e leiam-nos pela ordem e por inteiro; esses livros são distribuídos no início da Quaresma. Antes de tudo, porém, designem-se um ou dois dos mais velhos, os quais circulem no mosteiro nas horas que os irmãos se entregam à leitura e verão se não há, por acaso, algum irmão tomado de acédia, que se entrega ao ócio ou às conversas, não está aplicado à leitura e não somente é inútil a si próprio como também distrai os outros. Se um tal for encontrado, o que não aconteça, seja castigado primeira e segunda vez; se não se emendar, seja submetido à correção regular de tal modo que os demais temam. Que um irmão não se junte a outro em horas inconvenientes.

Também no domingo entreguem-se todos à leitura, menos aqueles que foram designados para os diversos ofícios. Se, entretanto, alguém for tão negligente ou relaxado que não queira ou não possa meditar ou ler, determine-se-lhe um trabalho que possa fazer, para que não fique à toa. Aos irmãos enfermos ou delicados designe-se um trabalho ou ofício de tal sorte que não fiquem ociosos nem sejam oprimidos ou afugentados pela violência do trabalho; a fraqueza desses deve ser levada em consideração pelo Abade.

Capitulo 49. Da observância da quaresma.

Se bem que a vida do monge deva ser, em todo tempo, uma observância de Quaresma, como, porém, esta força é de poucos, por isso aconselhamos os monges a guardarem, com toda a pureza, a sua vida nesses dias de Quaresma e também a apagarem, nesses santos dias, todas as negligências dos outros tempos. E isso será feito dignamente, se nos preservamos de todos os vícios e nos entregarmos à oração com lágrimas, à leitura, à compunção do coração e à abstinência. Acrescentemos, portanto, nesses dias, alguma coisa ao encargo habitual da nossa servidão: orações especiais, abstinências de comida e bebida; e assim ofereça cada um a Deus, de espontânea vontade, com a alegria do Espírito Santo, alguma coisa além da medida estabelecida para si. Isto é, subtraia ao seu corpo algo da comida, da bebida, do sono, da conversa, da escurrilidade e, na alegria do desejo espiritual, espere a Santa Páscoa. Entretanto, mesmo aquilo que cada um oferece, sugira-o ao seu Abade, e seja realizado com a oração e a vontade dele, pois o que é feito sem a permissão do pai espiritual será reputado como presunção e vã gloria e não como digno de recompensa. Portanto, tudo deve ser feito com a vontade do Abade.

Capitulo 50. Dos irmãos que trabalham
longe do oratório ou estão em viagem.

Os irmãos que se encontram em um trabalho tão distante que não podem acorrer na devida hora ao oratório e tendo o Abade ponderado que assim é, celebrem o Ofício Divino ali mesmo onde trabalham, dobrando os joelhos, com temor divino. Da mesma forma, os que são mandados em viagem não deixem passar as horas estabelecidas, mas celebrem-nas consigo mesmos como podem e não negligenciem cumprir com o encargo de sua servidão.

Capítulo 51. Dos irmãos que partem
para não muito longe.

Não presuma comer fora o irmão que é mandado a um afazer qualquer e que é esperado no mosteiro no mesmo dia, ainda que seja incessantemente convidado por qualquer pessoa; a não ser que, porventura, o Abade lhe tenha dado ordem para isso. Se proceder de outra forma, seja excomungado.

Capítulo 52. Do oratório do mosteiro.

Que o oratório seja o que o nome indica, nem se faça ou se guarde ali coisa alguma que lhe seja alheio. Terminado o Ofício Divino, saiam todos com sumo silêncio e tenha-se reverência para com Deus, de modo que, se acaso um irmão quiser rezar em particular, não seja impedido pela imoderação de outro. Se também outro, porventura, quiser rezar em silêncio, entre simplesmente e ore, não com voz clamorosa, mas com lágrimas e pureza de coração. Quem não procede desta maneira não tenha, pois, permissão de, terminado o Ofício Divino, permanecer no oratório, como foi dito, para que outro não venha a ser perturbado.

Capítulo 57. Dos artistas do mosteiro.

Se há artistas no mosteiro, que executem suas artes com toda humildade, se o Abade o permitir. E se algum dentre eles se ensoberbece em vista do conhecimento que tem de sua arte, pois parece-lhe que com isso alguma vantagem traz ao mosteiro, que seja esse tal afastado de sua arte e não volte a ela a não ser que, depois de se ter humilhado, o Abade, porventura, lhe ordene de novo. Se, dentre os trabalhos dos artistas, alguma coisa deve ser vendida, cuidem aqueles por cujas mãos devem passar essas coisas de não ousar cometer alguma fraude. Lembrem-se de Ananias e Safira, para que a mesma morte que estes mereceram no corpo não venham sofrer na alma aqueles e todos os que cometeram alguma fraude com os bens do mosteiro. Quanto aos próprios preços, que não se insinue o mal da avareza, mas venda-se sempre um pouco mais barato do que pode ser vendido pelos seculares, para que em tudo seja Deus glorificado.

Capítulo 58. Da maneira de proceder
à recepção dos irmãos.

Apresentando-se alguém para a vida monástica, não se lhe conceda fácil ingresso mas, como diz o Apóstolo:

"Provai os espíritos, se são de Deus".

I Jo. 4, 1

Portanto, se aquele que vem perseverar batendo à porta e se depois de quatro ou cinco dias, sendo-lhe feitas injúrias e dificuldades para entrar, parece suportar pacientemente e persistir no seu pedido, conceda-se-lhe o ingresso, e permaneça alguns dias na cela dos hóspedes. Fique, depois, na cela dos noviços, onde esses se exercitam, comem e dormem. Seja designado para eles um dos mais velhos, que seja apto a obter o progresso das almas e que se dedique a eles com todo o interesse. Que haja solicitude em ver se procura verdadeiramente a Deus, se é solícito para com o Ofício Divino, a obediência e os opróbrios. Sejam-lhe dadas a conhecer, previamente, todas as coisas duras e ásperas pelas quais se vai a Deus. Se prometer a perseverança na sua estabilidade, depois de decorridos dois meses, leia-se-lhe por inteiro esta Regra e diga-se-lhe:

`Eis a lei sob a qual queres militar;
se podes observá-la entra;
mas se não podes, sai livremente'.

Se ainda ficar, seja então conduzido à referida cela de noviços e seja de novo provado, em toda paciência. Passados seis meses, leia- se-lhe a Regra, a fim que saiba para o que ingressa. Se ainda permanece, depois de quatro meses, releia-se-lhe a mesma Regra. E se, tendo deliberado consigo mesmo, prometer guardar todas as coisas e observar tudo quanto lhe for ordenado, seja então recebido na comunidade, sabendo estar estabelecido, pela lei da Regra, que a partir daquele dia não lhe é mais lícito sair do mosteiro, nem tirar o pescoço ao jugo da Regra, a qual lhe foi permitido recusar ou aceitar por tão demorada deliberação.

No oratório, diante de todos, prometa o que vai ser recebido a sua estabilidade, a conversão de seus costumes e a obediência, diante de Deus e de seus santos, a fim de que, se alguma vez proceder de outro modo, saiba que será condenado por aquele de quem zomba. Desta sua promessa faça uma petição no nome dos santos cujas relíquias aí estão e do Abade presente. Escreva tal petição com sua própria mão ou então, se não souber escrever, escreva outro rogado por ele e que o noviço faça um sinal e a coloque com sua própria mão no altar. Quando a tiver colocado, começe logo o seguinte versículo:

"Recebe-me, Senhor,
segundo a tua palavra e viverei,
e não permitas que eu seja confundido
da minha esperança".

Salmo 118, 116

Responda toda a comunidade este versículo, por três vezes, acresentando:

"Glória ao Pai".

Prosterna-se, então, o irmão noviço aos pés de cada um para que orem por ele, e já daquele dia em diante seja considerado na comunidade. Se possui quaisquer bens, ou os distribua antes aos pobres ou, por solene doação, os confira ao mosteiro, nada reservando para si de todas essas coisas: pois sabe que, deste dia em diante, nem sobre o próprio corpo terá poder. Portanto, seja logo no oratório despojado das roupas seculares com que está vestido, e seja vestido com as roupas do mosteiro. As vestes que despiu sejam colocadas na rouparia, onde devem ser conservadas para que, se algum dia, por persuasão do demônio, consentir em sair do mosteiro, que isto não aconteça, seja expulso, despido das roupas do mosteiro. Não lhe seja entregue porém, aquela sua petição que o Abade tirou de cima do altar, mas fique guardada no mosteiro.

Capítulo 61. Dos monges peregrinos
como devem ser recebidos.

Se chegar algum monge peregrino de longínquas províncias e quiser habitar no mosteiro como hóspede, e mostra-se contente com o costume que encontrou neste lugar e, porventura, não perturba o mosteiro com suas exigências supérfluas, mas simplesmente está contente com que encontra, seja recebido por quanto tempo quiser. Se repreende ou faz ver alguma coisa, razoavelmente e com a humildade da caridade, trate o Abade prudentemente deste caso, pois talvez por causa disto Deus o tenha enviado. Mas, se depois quiser firmar sua estabilidade, não se rejeite tal desejo, máxime porque se pôde conhecer sua vida durante o tempo da hospedagem.

Mas se durante o tempo da hospedagem for julgado exigente em coisas supérfluas ou vicioso, não somente não deve ser associado ao corpo do mosteiro, como também lhe seja dito honestamente que se vá embora, para que também outros não se viciem com a sua miséria. Mas, se não for tal que mereça ser expulso, não somente se pedir para aderir à comunidade, seja ele não só recebido como também persuadido a ficar, para que outros sejam instruídos pelo seu exemplo e porque em todo o lugar se serve a um só Senhor, milita-se sob um só Rei. E se o Abade o julgar que o merece, seja-lhe lícito estabelecê-lo em um lugar um pouco mais alto. Não só para um monge, mas também para os já referidos ordenados sacerdotes e clérigos, pode o Abade estabelecer um lugar mais elevado que aquele em que ingressam, se achar ser digna de tal a vida deles. Cuide, porém, o Abade que nunca receba, para ficar, monge de outro mosteiro conhecido, sem o consentimento do respectivo Abade ou carta de recomendação, porque está escrito:

"Aquilo que não queres que te seja feito,
não o farás a outrem".

Mt. 7, 12

Capítulo 64. Da ordenação do abade.

Na ordenação do Abade considere-se sempre a seguinte norma: seja constituído aquele que tiver sido eleito por toda a comunidade concorde no temor de Deus, ou então por uma parte, de conselho mais são, ainda que pequena. Aquele que deve ser ordenado seja eleito pelo mérito da vida e pela doutrina da sabedoria, ainda que seja o último na ordem da comunidade. E se toda a comunidade eleger, em conselho comum, o que não aconteça, uma pessoa conivente com seus vícios e estes vícios chegarem de algum modo ao conhecimento do bispo da diocese a que pertence o lugar, ou se tornarem evidentes para os abades ou cristãos vizinhos, não permitam que prevaleça o consenso dos maus, mas constituam para a casa de Deus um dispensador digno, sabendo que por isto receberão a boa recompensa, se o fizerem castamente e com zelo divino; mas se, pelo contrário negligenciam, cometerão pecado.

Pense sempre o Abade ordenado no ônus que recebeu e a quem deverá prestar contas da sua administração, e saiba convir-lhe mais servir do que presidir. Deve ser, pois, douto na lei divina para que saiba e tenha de onde tirar as coisas novas e antigas; deve ser casto, sóbrio, misericordioso e fazer prevalecer sempre a misericórdia sobre o julgamento, para que obtenha o mesmo para si. Odeie os vícios, ame os irmãos. Na própria correção proceda prudentemente e não com demasia para que, enquanto quer raspar demais a ferrugem, não se quebre o vaso. Suspeite sempre da própria fragilidade e lembre-se que não deve esmagar o caniço já rachado. Com isso não dizemos que permita que os vícios sejam nutridos, mas que os ampute prudentemente e com caridade, conforme vê que convém a cada um, como já dissemos; e se esforce por ser mais amado que temido. Não seja turbulento nem inquieto, não seja excessivo nem obstinado, nem ciumento, nem muito desconfiado, pois nunca terá descanso; seja prudente e refletido nas suas ordens, e quer seja de Deus, quer do século o trabalho que ordenar, faça-o com discernimento e equilíbrio, lembrando-se da discrição do santo Jacó, quando diz:

"Se fizer meus rebanhos trabalhar andando demais,
morrerão todos num só dia".

Gen. 33, 13

Assumindo esse e outros testemunhos da discrição, mãe das virtudes, equilibre tudo de tal modo que haja o que os fortes desejam e que os fracos não fujam; principalmente, conserve em tudo a presente Regra para que, depois de ter bem administrado, ouça do Senhor o que disse ao bom servo que distribuiu o trigo a seus conservos no devido tempo:

"Na verdade vos digo",

diz Ele,

"estabelece-o sobre todos os seus bens".

Capítulo 67. Dos irmãos mandados em viagem.

Os irmãos que vão partir em viagem recomendem-se às orações de todos os irmãos e do Abade; e sempre, na última oração do Ofício Divino, faça-se a comemoração de todos os ausentes. Os irmãos que voltam de viagem, no mesmo dia em que chegam, em todas as Horas canônicas, quando termina o Ofício Divino, prostrados no chão do oratório, peçam a todos a sua oração por causa dos excessos que, porventura, durante a viagem se tenham nele insinuado vendo ou ouvindo coisas más ou em conversas ociosas. E ninguém presuma relatar a outrem qualquer das coisas que tiver visto ou ouvido fora do mosteiro, pois é grande a destruição. E se alguém presumir fazê-lo, seja submetido ao castigo regular, e da mesma forma quem presumir sair dos claustros do mosteiro ou ir a qualquer lugar, ou fazer qualquer coisa, por menor que seja, sem ordem do Abade.

Capítulo 68. Se são ordenadas a um irmão
coisas impossíveis.

Se a algum irmão são ordenadas coisas pesadas ou impossíveis, que receba a ordem de quem manda com toda a mansidão e obediência. Se vê que o peso do ônus excede absolutamente a medida de suas forças, sugira paciente e oportunamente ao seu superior as causas de sua impossibilidade, não se enchendo de soberba nem resistindo ou contradizendo. Se, depois de sua sugestão, a ordem do superior permanecer em sua determinação, saiba o súdito ser-lhe isso conveniente e, confiando pela caridade no auxílio de Deus, obedeça.

Capítulo 69. No mosteiro não presuma
um defender outro.

Deve-se tomar precaução para que no mosteiro não presuma um monge defender outro, seja por que motivo for, ou como que protegê-lo, mesmo que ligados por qualquer laço de consangüinidade. De modo algum seja isso presumido pelos monges, pois por este meio pode originar-se gravíssima ocasião de escândalos. Se alguém tiver transgredido isso, seja mais severamente punido.

Capítulo 71. Sejam obedientes uns aos outros.

Não só ao abade deve ser tributado por todos o bem da obediência mas, da mesma forma, obedeçam também os irmãos uns aos outros, sabendo que por este caminho da obediência irão a Deus. Colocado pois, antes de tudo, o poder do Abade e dos superiores por ele constituídos, ao qual não permitimos que sejam antepostos poderes particulares, quanto ao mais, que todos os mais moços obedeçam aos respectivos irmãos mais velhos, com toda a caridade e solicitude. Se se encontrar algum com espírito de contenção, que seja castigado. Se algum irmão, por qualquer motivo, ainda que mínimo, for repreendido, de qualquer modo, pelo Abade ou por qualquer superior seu, ou se levemente sentir o ânimo de qualquer superior seu irado ou alterado contra si, ainda que pouco, logo, sem demora, permaneça prostrado em terra, a seus pés, fazendo satisfação, até que pela bênção esteja sanada aquela comoção. Se alguém não o quiser fazer, ou seja submetido a castigo corporal ou, se for contumaz, seja expulso do mosteiro.

Capítulo 72. Do bom zelo que os monges devem ter.

Assim como há um zelo mau, de amargura, que separa de Deus e conduz ao inferno, assim também há o zelo bom, que separa dos vícios e conduz a Deus e à vida eterna. Exerçam, portanto, os monges este zelo com amor ferventíssimo, isto é, antecipem-se uns aos outros em honra. Tolerem pacientissimamente suas fraquezas, quer do corpo quer do caráter; rivalizem em prestar mútua obediência; ninguém procure aquilo que julga útil para si mas, principalmente, o que o é para o outro; ponham em ação castamente a caridade fraterna; temam a Deus com amor; amem seu Abade com sincera e humilde caridade; nada absolutamente anteponham a Cristo, que nos conduza juntos para a vida eterna.