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Pedro Betancur nasceu em 21 de março de 1626, em Chasna de
Villaflor, de Tenerife, nas Ilhas Canárias. Seus pais foram
D. Amador Gonzáles da Rosa e Betancur e Ana Garcia,
pertencentes a família nobre. Amador era descendente de um cavaleiro
francês chamado João Betancur, a quem a Rainha Dona Catarina,
mãe do Rei João II, vice-regente dos Reinos de Castela, havia
concedido o domínio das Ilhas Canárias, honrando-o com o título
de Rei por ter sido aquele que tinha descoberto e conquistado essas
ilhas. Foi batizado com o nome de Pedro, no dia 21 de março de
1626. Sua certidão de nascimento ainda se encontra na folha 13
do livro II dos batismos da igreja paroquial de São Pedro
Apóstolo de Villaflor, diocese e província de Tenerife, e aparece
assim, literalmente:
"Em vinte um de março de mil seiscentos e vinte e seis, eu, P.
Pereira, batizei com óleo e crisma Pedro, filho de Amador
Gonzáles e Ana Garcia; foram padrinhos Pedro Nicolas e Ana
Fabiana; firmei-o eu, P. Pereira".
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Há uma nota à margem que
diz:
"Este é o Irmão Pedro de São José Betancur, que morreu
na Guatemala com fama de santidade". [1]
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A partir disso, surgiu uma crença, bastante difundida, de que Frei
Pedro se chamasse "Pedro de São José" desde o seu nascimento e
que teria sido batizado com esse nome em honra do Santo Patriarca,
por ter nascido precisamente em 19 de março. Essa crença,
porém, é desmentida pelos dados contidos na certidão de nascimento.
Em vez disso, o nome de "São José" foi assumido depois de seu
ingresso na vida religiosa: não possuindo outro nome além de Pedro e
sendo costume entre os religiosos usar dois, pediu a Frei Payo
Henrique de Ribeira, então Bispo da Guatemala, que fosse
permitido acrescentar a seu nome o de São José, em honra do esposo
da Virgem Maria, pelo qual tinha um culto especial. [2]
Confirmando esses dados, existe até hoje na Igreja de São Pedro
Apóstolo de Villaflor, diocese e província de Tenerife, uma
inscrição da época, na qual se afirma que Frei Pedro nasceu no dia
21 de março. [3]
O sobrenome era originariamente Bethencourt, de ascendência
normanda, e aparece escrito ainda assim no seu túmulo; contudo, como
aconteceu e ainda acontece à maior parte dos nomes estrangeiros
transplantados naquelas terras americanas, em pouco tempo foi se
"espanholizando" e, por esse motivo, o encontramos escrito de modos
diversos: Betancur, Betancurt, Bethancourt e Betancor. Também
Pedro sofreu essa espécie de metamorfose patronímica porque assinou
seu sobrenome de três modos diferentes: "Pedro de São José
Betancurt", no seu testamento; "Pedro de São José
Betancourt", em muitas de suas cartas; e "Pedro de Betancur",
no "Livreto das Memórias".
A história da família de Pedro remonta ao seu possível fundador,
que foi D. João de Bethencourt, barão de São Martin Gallard,
no Condado d'Eu, senhor de Bethencourt que, em 1401,
empreendeu e realizou a conquista das Ilhas Canárias. Mosén de
Braquemont, mais tarde marechal da França, havia obtido de
Henrique III de Castela a permissão de levar adiante a empresa e a
confiou a seu parente, João de Bethencourt. Em 1402,
Bethencourt estava perto de conseguir seu intento mas, vindo a
faltar-lhe os meios, recorreu a Henrique III que, negociando com
ele, impôs como condição que lhe fosse feita homenagem. Ao fim da
conquista em 1417, estando morto Henrique III, havia subido ao
trono Dona Catarina de Castela, que concedeu a João de
Bethencourt, como recompensa por seus serviços, o título de Rei
das Ilhas Canárias e o apelido de "O Grande". Bethencourt
construiu o primeiro castelo de Lanzarote e foi um excelente soberano.
Sucederam-no o filho Maciot, o neto Menando, Pedro Barba,
Fernando Pernazza (ou Peraza) e Diego de Herrera. Dessa nobre
família descendia, pois, Pedro de Bethencourt, isto é, Frei
Pedro de São José, o Santo da Guatemala. [4]
A família Bethencourt-Garcia teve cinco filhos, que foram Pedro,
Mateus, Paulo de Jesus, Catarina e Lucia. Desses, Mateus foi
para a América, provavelmente para o Equador, mas dele não se teve
nunca notícias certas; contudo, tem-se conhecimento, através de
velhos escritos, de que existiram no Equador duas pessoas,
provavelmente seus filhos, que foram: Jacinto, que se tornou médico
e cônego em Quito; e Pedro, que se fez sacerdote. E esses
afirmavam que eram parentes de Frei Pedro.
O outro irmão, Paulo de Jesus, se dirigiu ao território de
Orotava, perto de Tenerife, onde se dedicou a assistir os enfermos
do hospital local e morreu em idade avançada.
De suas irmãs, Catarina, a mais velha, se transferiu para
Garachico, região vizinha de sua terra natal, onde se casou e
morreu; Lucia, a mais nova, se tornou freira e morreu santamente.
Este sentimento de piedade e devoção, presente em toda a família,
era fruto, sem dúvida alguma, do ambiente religioso e austero do lar
paterno, visto que a história conta que o pai era um homem muito
piedoso: jejuava toda sexta-feira, mantendo-se apenas com um pedaço
de pão e alguns goles de água. E durante a Quaresma, prolongava o
jejum pela semana toda, comunicando-se naturalmente e alimentando-se
somente de sua enorme fé. Agradava-lhe isolar-se e passar períodos
em meditação. Morreu na Sexta-Feira Santa do ano de 1646,
precisamente às três horas da tarde.
Pedro herdou esse exemplo e o praticou por toda sua vida,
especialmente quando, já adulto, se dedicou plenamente a suas obras
de fé e caridade.
A infância de Pedro transcorreu no belo campo de Villaflor,
tranquilo e distante dos rumores mundanos. Era um menino modesto,
silencioso, às vezes um pouco solitário, mas de forte compleição
para os trabalhos do campo. Desde muito pequeno se interessava por
tudo que se referia a Deus, amava passar muitas horas na igreja e,
quando ia ao campo para pastorear as ovelhas do pai, se entretinha
cortando cruzes de madeira, que depois doava à igreja. A estória
conta que, em 1774, ainda se conservavam como relíquias algumas
dessas cruzes na igreja de Santo Amaro, em Chasna.
A família de Pedro não possuía grandes riquezas, era de estirpe
nobre, mas com poucos recursos. Seu pai era proprietário de terras e
de ovelhas, ao cuidado das quais se dedicava Pedro. A certa altura,
porém, achando-se o pai em dificuldade econômica, perdeu-as
injustamente para um vizinho usurário. Amador ficou muito triste,
mas aceitou com humildade a sentença do juiz de entregar seus haveres e
se pôs a rezar para a Virgem Maria, pedindo-lhe força. Depois,
dirigiu-se à casa do vizinho para informá-lo de que podia tomar
posse imediatamente daquilo que já lhe pertencia por direito.
Achava-se já a caminho quando encontrou o próprio vizinho e, em vez
de injuriá-lo ou de reclamar, sorriu-lhe e estendeu-lhe a mão.
Este, homem duro por excelência, se comoveu frente a esse gesto de
humildade e de força de ânimo, e lhe propôs restituir-lhe a
escritura sob a condição de que o filho Pedro entrasse a seu
serviço. Amador não queria aceitar, Pedro era ainda muito jovem,
tinha doze anos, e era seu desejo que estudasse. Disse a seu vizinho
que iria consultar sua esposa e efetivamente assim o fez, sem suspeitar
que Pedro, involuntariamente, tinha escutado a conversa por estar
meditando num canto próximo. Dali saiu imediatamente e apresentou aos
genitores sua resolução de aceitar a oferta, com o fim de poder
recuperar a pequena propriedade que lhes permitia sobreviver. Entrou,
em seguida, a serviço desse senhor e seus pais salvaram o que haviam
perdido.
Entre os inúmeros trabalhos que o vizinho lhe impôs, havia aquele de
ir ao campo para pastorear o rebanho. Pedro levava seu almoço numa
pequena bolsa e, como praticava o jejum pela manhã inteira, para
poder saber a hora em que poderia comer, já que o hábito do jejum
não o fazia sentir fome, fixava um raminho no solo, simulando um
relógio solar, e deduzia a hora através da inclinação da sombra.
Muitas vezes não se dava conta de que o tempo passava e, justamente
numa dessas ocasiões em que suas orações o haviam entretido mais que
o normal, ficou desorientado, não sabendo se podia se alimentar ou
não. Subitamente, apresentou-se um velho de barba longa, saindo do
meio de umas árvores próximas, e lhe sugeriu que podia comer, pois
tendo já passado o meio-dia, não interromperia o jejum. A seguir,
assim como tinha se apresentado, o velho desapareceu sem que Pedro
pudesse revê-lo.
Por vários anos, o jovem trabalhou desse modo. Tinha catorze anos
quando, certa manhã, encontrando-se no campo deitado sobre a relva,
ao lado das ovelhas, sentiu de repente que seu corpo se paralisava.
Tentou mover-se, mas não conseguiu. A seus gritos acorreram os
amigos, que o transportaram até a casa dos pais; estes, em
aflição, apressaram-se em dispensar-lhe cuidados simples, que não
produziram nenhum efeito. Passaram-se vários dias e seu estado se
agravava cada vez mais, a ponto fazer pensar que iria morrer,
considerando que a febre era altíssima e que nenhum remédio parecia
auxiliá-lo. Num momento de lucidez, ele pediu aos amigos que o
carregassem até a capela de Santo Amaro, distante algumas léguas;
assim fizeram mas, antes de chegarem, Pedro pediu que o pusessem no
chão, pois desejava tentar caminhar sozinho. Foi o que fizeram e
ele, com grande esforço, usando os pés, as mãos e os joelhos, foi
se arrastando metro após metro, invocando em voz alta a Santo Amaro
pela sua recuperação. Para o assombro de seus amigos, começou a
caminhar melhor e tendo chegado diante da porta da capela,
endireitou-se sobre os pés e pode entrar, caminhando normalmente.
Seus pais e os amigos que o acompanhavam não paravam de manifestar a
admiração maravilhosa frente a este fato verdadeiramente miraculoso.
Pedro confirmou que se tratava de milagre e que em gratidão iria
recitar para sempre um Pai Nosso e uma Ave Maria a Santo Amaro.
E assim fez, mesmo quando se dirigiu para a Guatemala muitos anos
depois, perseverando na oração prometida.
O tempo passava e já era um jovem de vinte e dois anos. Seu pai
havia morrido fazia pouco tempo. Naquela época, as lendas sobre a
América eram comuns e também ele sentia o apelo para dirigir-se às
novas terras, levando a mensagem de Cristo. Sua mãe, diante da
ameaça da separação do filho, pensou em fazê-lo casar-se, na
esperança de detê-lo. Entendeu-se, por isso, com um vizinho,
que tinha uma filha jovem, física e moralmente bela, e que
prazerosamente aceitou a ideia. Somente Pedro não se mostrava
disposto a aceitar. Amava sua mãe e teria desejado contentá-la,
ainda mais considerando que a jovem era boa e que seria,
indubitavelmente, uma magnífica esposa e mãe, mas ele sentia um
chamado superior que o impelia a recusar o matrimônio e a buscar terras
longínquas. Na sua indecisão, rezou, pedindo iluminação e se
sentiu movido a recorrer a uma tia que vivia numa região vizinha. Foi
visitá-la, explicando-lhe sua dificuldade e ela, mulher piedosa e
de grande sensibilidade humana, compreendeu a situação do sobrinho e
interveio para convencer sua irmã de que Pedro não era para o mundo e
que deveria deixá-lo ir para a América.
Postos de lado os projetos matrimoniais e seguindo sua inspiração
divina, Pedro deixou sua casa para embarcar; enquanto caminhava para
o porto de Santa Cruz de Tenerife, apareceu-lhe novamente aquele
velhinho que, um dia, tinha visto no campo quando pastoreava as
ovelhas. Esse lhe falou, encorajando-o a empreender a viagem...
Depois, desapareceu misteriosamente, tal como tinha aparecido, numa
curva da estrada, deixando Pedro com uma sensação de segurança e de
alegria.
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