2. A. Piolanti: A Natureza dos Efeitos da Eucaristia. |
Os efeitos da Eucaristia são substancialmente comuns a todos os sacramentos. É, portanto, legítimo perguntar em que sentido podem ser atribuídos de modo especial a este sacramento. Este problema se colocou claramente no pensamento cristão apenas no século XVI. O Cardeal Mendoza, falecido em 1566, de quem até hoje ignorava-se a sua genuína doutrina, foi quem o resolveu pela primeira vez. A Eucaristia, diz ele, diversamente dos demais sacramentos, produz um efeito especial, que dura também após o desaparecimento das espécies, e é constituído pela participação na alma e no corpo do fiel das perfeições de que estava ornamentada a humanidade de Jesus Cristo em virtude da união hipostática. Este carisma especial, que deve ser identificado com a graça sacramental, é
Estas colocações, bem entendidas, não poderiam ter recebido senão o consenso geral. No entanto, tendo sido expostas de modo bastante prolixo e com expressões ambíguas, como a de "união natural" e, mais ainda, em uma obra que nunca foi publicada, mas que todos em sua época presumiram conhecer, deu margem a discussões que duraram dois séculos e na qual entraram teólogos de clara fama, como Luiz de León, Diego de Tapia e Tomassin, a favor; Suarez, Vasquez e os Salmaticences, em forte oposição; e os Cardeais Cienfuegos e Belluga, com amplificações exageradas. As explicações de Mendoza, substancialmente verdadeiras, não são todavia completas porque não elucidam o modo como este dom cristífico da Eucaristia produz uma união mais perfeita entre a cabeça e os membros do Corpo Místico e um maior direito à ressurreição do corpo. Quer nos parecer que esta lacuna possa ser preenchida considerando o dom cristífico, que deve ser identificado com a graça sacramental própria da Eucaristia, sobre o fundo geral da economia sacramental e à luz do pensamento de Santo Tomás de Aquino, o qual, mesmo que não tenha redigido uma síntese a este respeito, colocou, porém, os seus princípios e espalhou em muitas passagens de sua obra preciosos elementos. A economia sacramental é assim ordenada: o Batismo e a Crisma foram instituídos para iniciar a vida sobrenatural; a penitência e a extrema unção para devolvê-la depois do pecado; a ordem e o matrimônio para estendê-la a outros, e a Eucaristia para levá-la à sua perfeição. Os Santos Padres, de fato, nos apresentam a Eucaristia como o último complemento e Santo Tomás de Aquino como a consumação da vida espiritual (Summa Theologiae III Q.73 a.3). Como tal deve completar todo o organismo espiritual no seu ser, que é a graça santificante; nas suas faculdades, que são as virtudes infusas e os dons do Espírito Santo; na sua atividade, que é a graça atual; e nos seus frutos, que são as boas obras. A Eucaristia, conforme se depreende de um conjunto de documentos dogmáticos e teológicos, produz uma graça habitual mais abundante:
A Eucaristia aumenta a caridade ao seu máximo grau:
Estimula, pela graça atual, o fervor, conforme a doutrina comum claramente expressa pelo Doutor Angélico:
Ensina também Tomás de Aquino que o fervor da caridade, pela sua natureza, destrói os pecados veniais, perdoa a pena temporal, preserva os pecados futuros diminuindo e acalmando os ardores da concupiscência e revelando as insídias do demônio. Deste conjunto de dons sobrenaturais emanam, portanto, como conseqüência natural, mais numerosas e mais perfeitas as obras meritórias da vida eterna. Já que tais efeitos, que no seu conjunto são verdadeiramente um "dom cristífico", constituem, como é fácil de se entender, a plena incorporação a Cristo, a mais perfeita união entre os fiéis, o mais alto direito à glorificação da alma e do corpo, cada um dos fiéis, assim como a Igreja inteira, alcançam o cimo da perfeição espiritual e a maturidade para a visão beatífica. Depois da Eucaristia não resta senão a glória. Um ponto apenas resta ser esclarecido, isto é, de que maneira a Eucaristia pode dizer-se causa especial da ressurreição do corpo. Tanto mendoza como Contenson, este falecido em 1674, supuseram que o dom cristífico fosse como um gérmen físico divinamente conservado nos restos mortais e que, no momento estabelecido por Deus, como uma brasa debaixo da cinza, reacenderia a vida onde reinava a morte. Já os Salmaticences pensam que a graça sacramental da Eucaristia, inerente à alma, se tornará, no dia do Juízo, instrumento nas mãos de Deus para vivificar os corpos. M. de la Taille nos apresenta, porém, a doutrina mais comum e mais segura: a Eucaristia, comunicando à alma o máximo dom sobrenatural, seria causa indireta de uma ressurreição mais gloriosa. De fato, a alma possui uma ordenação transcendental ao corpo, e esta tendência deverá ter sua realização no fim dos tempos, quando Deus reunir os corpos às respectivas almas. Naquele momento a alma, aperfeiçoada pela Eucaristia, comunicará, por uma certa redundância, o seu esplendor ao corpo. Deste modo é fácil entender que o corpo daqueles que tiverem recebido da Eucaristia graça mais perfeita e mais abundante brilhará com uma luz especial entre os demais corpos gloriosos. |