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Na obra De Trinitate S. Agostinho empreende um
trabalho de introspecção para, através do conhecimento da alma
humana, tentar obter algum vislumbre da realidade da Trindade.
Vamos nos reportar aqui apenas a algumas observações contidas
nesta obra relacionadas com o tema da natureza da inteligência.
No livro VIII do De Trinitate Agostinho diz que é
muito difícil para as pessoas entenderem como é possível que na
Trindade o Pai e o Filho juntos não sejam maiores do que o
Espírito Santo, se ambos isoladamente são iguais a ele. A
doutrina da Santíssima Trindade diz que em Deus há uma só
natureza e três pessoas. O Pai é Deus, o Filho é Deus e o
Espírito Santo é Deus; todavia não são três deuses, mas sim um só
Deus, e que duas das três pessoas divinas juntas não são maiores
do que uma só. Achamos isto impossível porque ao pensar nestas
coisas nossa imaginação representa entidades corporais; em vez
disso, deveríamos perceber que Deus é verdade, e se conseguirmos
apreender o que é verdade, os enunciados sobre a Trindade
começariam a se tornar mais plausíveis. Agostinho porém quer nos
fazer perceber que quando ele nos fala de apreender a verdade não
está se referindo ao apreender o enunciado da verdade, mas a
evidência dela, justamente aquilo pelo qual ela se nos manifesta
como verdade. Deus é verdade assim entendida, tornada pessoa e
multiplicada ao infinito, e neste sentido, diz ele, Deus também é
luz. E é aquela faculdade que nos torna capazes de apreender isto
que se chama inteligência.
"Na Santíssima Trindade",
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diz Santo Agostinho,
"duas ou três pessoas não são maiores do que uma delas,
afirmação inintelegível para a nossa experiência carnal
que somente compreende as realidades criadas.
Mas na essência da verdade, que é Deus,
ser maior equivale a ser mais verdadeiro.
Por conseguinte, onde a grandeza é a mesma verdade,
o Pai e o Filho juntos não superam em verdade
o Pai e o Filho sozinhos;
logo os dois juntos não são maiores
do que um só deles em particular.
Nos corpos é possível que este ouro e aquele outro ouro
sejam igualmente verdadeiros,
e um ainda assim ser maior do que o outro,
porque neste caso não é a mesma coisa
a magnitude e a verdade.
O mesmo acontece com a alma humana,
onde a grandeza do espírito não se mede
pela verdade da alma;
e a essência do ouro ou da alma humana
não é a essência da verdade,
como ocorre com a Santíssima Trindade,
um só Deus, grande, verdadeiro, veraz e verdade.
Se, porém, tentarmos pensar nestas coisas,
o quanto nos é permitido e nos é concedido,
não pensemos em nenhum contato no espaço e em lugares,
como se as pessoas da Trindade fossem três corpos.
Temos que afastar de nosso espírito qualquer imagem
onde três sejam maiores do que um
e um menor do que dois,
isto é, temos que nos desfazer em nossa representação
de todo elemento corpóreo.
Deus não é o céu, nem a terra,
nem algo semelhante ao céu ou à terra,
nem algo parecido ao que vemos no céu.
Aumenta em tua imaginação milhares de vezes,
se te for possível, a luz do Sol,
em volume e em claridade resplandecente:
nem ainda isto seria Deus.
Imagina os anjos, espíritos puros,
reunidos todos em um só ser, e seu número,
milhares de milhares.
Nem sequer ainda isto seria Deus,
e mesmo ainda imaginando tais espíritos sem formas corporais,
coisa muito difícil para o pensamento carnal.
Então veja, se podes, ó alma humana,
sobrecarregada de um corpo corruptível
e esgotada com tantos e tantos pensamentos terrenos;
compreende, alma, se podes,
em que sentido Deus é verdade.
Está escrito, na carta de São João:
"Deus é luz".
Mas não creias que é esta luz
que contemplamos com os olhos,
mas aquela luz que o coração intui
quando ouve dizer:
"Deus é verdade".
Permanece, se puderes,
naquela claridade inicial deste rápido fulgor da verdade,
naquela serenidade que brilhou num primeiro instante
na tua alma quando ouviste a palavra verdade.
Se isto, porém, não te for possível,
voltarás a cair nos pensamentos terrenos
que em ti são habituais.
E qual é o peso que te arrasta,
ó alma, desde esta altura,
senão a viscosidade de teus sórdidos desejos
e os erros de tua peregrinação?"
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