O ENSINO SECUNDÁRIO
NA PRIMEIRA REPÚBLICA

(A Educação no Brasil até 1930)

- Terceira Parte -



69.

Resta analisar agora a evolução do ensino secundário dentro do quadro anteriormente descrito, que é o principal tema deste trabalho. Conforme vimos, o movimento renovador dos anos 20 somente atingiu os governos estaduais, os quais, porém, não podiam reformar mais do que a rede primária.

70.

Conforme vimos também, durante o Império o único estabelecimento secundário que dava certificados de conclusão de curso com direito a ingresso no ensino superior era o Colégio Pedro II do Rio de Janeiro. As províncias, ao longo da história do Império, tentaram e conseguiram em boa parte aglutinar as aulas régias avulsas em Liceus Provinciais que deveriam constituir um curso secundário, mas como o certificado de conclusão não era necessário para a matrícula na faculdade, e sim os exames parcelados, tal sistema não prosperou. De modo geral o ensino secundário no Brasil era constituído de cursos onde os alunos visavam apenas a realização dos exames parcelados preparatórios feitos em geral nas próprias faculdades de ensino superior.

71.

Instituída a República e tendo Benjamin Constant ocupado a pasta de Ministro da Educação, Correios e Telégrafos durante o curto tempo em que tal cargo existiu, instituiu, antes mesmo da promulgação da nova constituição, a obrigatoriedade de se realizarem exames de madureza para receber um certificado equivalente à conclusão do curso secundário para poder-se ingressar na faculdade, abolindo, no lugar dos exames de madureza, os exames preparatórios parcelados. No dizer de Jorge Nagle,

“este exame de madureza seria propriamente
o instrumento com que o governo federal
esperava obter a melhoria de todo o ensino secundário”.

Porém com a entrada em vigor da Constituição Republicana, que atribuiu ao Congresso a incumbência de legislar e organizar o sistema de ensino federal, o Congresso foi votando decretos adiando sucessivamente o prazo da obrigatoriedade do exame de madureza e depois, durante um período de nove anos seguidos, votando uma série de

“decretos, regulamentos, portarias,
instruções e avisos
que modificaram substancialmente
o plano original de Benjamin Constant”

até torná-lo inoperante.

72.

Faria parte do plano de Benjamin Constant ademais, propor aos Liceus secundários estaduais que, se se conformassem ao mesmos regulamentos internos do Ginásio Nacional, o Colégio Pedro II do Império, o governo federal reconheceria o certificado de conclusão expedido pelos Liceus, equiparando estes estabelecimentos ao do Ginásio Nacional, dispensando com isto o aluno formado do exame de madureza e habilitando-o ao ingresso direto no ensino superior. Somente os estabelecimentos estaduais, porém, e não a iniciativa privada, poderia beneficiar-se desta regalia.

73.

Em 1901, uma década mais tarde, o Ministério da Educação, Correios e Telégrafos já estava extinto há muito tempo e a Educação havia passado à alçada das atribuições do Ministério da Justiça. O então ministro Epitássio Pessoa, considerando a inoperacionalidade da Reforma de Benjamin Constant devido às medidas tomadas pelo Congresso, elaborou uma segunda reforma re-instituindo o exame de madureza para comprovar os estudos secundários realizados e estendendo o previlégio da equiparação ao Ginásio Nacional para qualquer instituição de ensino secundário, fosse esta estadual, municipal ou particular. Embora mantendo o exame de madureza,

“com a importante tarefa de elevar o nível dos estudos”,

no entender de Jorge Nagle a intenção do Governo seria obter uma reforma no ensino secundário principalmente através do mecanismo de equiparação ao Ginásio Nacional.

74.

A reforma de Epitássio Pessoa porém não conseguiu também entrar em vigor, porque o Congresso Nacional novamente adiou sucessivamente por quase uma década a entrada em vigor da obrigatoriedade dos exames de madureza, além de votar novas disposições legais que, acumulando-se, vieram a anular muitos dos dispositivos da reforma. O dispositivo da equiparação foi realizado, mas a fiscalização era burlada de tal maneira que os melhores estabelecimentos de ensino apresentavam como uma de suas qualidade o fato de seus cursos não serem equiparados. Segundo José Antônio Tobias, uma década mais tarde o ministro da Justiça responsável pela educação diria:

“o ensino desceu até onde podia descer:
não se fazia mais questão de aprender nem de ensinar,
porque só duas preocupações existiam:
a dos pais querendo que os filhos completassem
o curso secundário no menor espaço de tempo possível,
e a dos ginásios na ambição mercantil,
estabelecendo-se duas fórmulas:
bacharel o quanto antes, dinheiro o quanto mais”.

75.

Foi assim que 10 anos após a Reforma Epitássio Pessoa surgiu a terceira reforma proposta pelo Ministro Ridávia Correia. Promulgada em 1911, consistiu em revogar formalmente a Reforma de Epitássio Pessoa, eliminando o exame de madureza e a equiparação dos estabelecimentos de ensino secundário ao Ginásio Nacional. Mas com ela, em vez de se retornar ao estado em que a educação estava quando a República a recebeu do Império, voltou-se ainda mais atrás porque, segundo José Antônio Tobias, com ela o Estado resolveu retirar toda e qualquer interferência sua no setor educacional, estabelecendo um ensino totalmente livre, julgando que assim o ensino poderia desenvolver-se de acordo com as necessidades imediatas do Brasil. Neste sentido, além de revogar o exame de madureza e a equiparação das instituições educacionais com o Ginásio Nacional, foi abolido não só o reconhecimento oficial dos certificados de conclusão dos cursos secundários das escolas equiparadas, como também foram abolidos até os certificados de conclusão do próprio Ginásio Nacional, que já vinham sendo expedidos há quase um século com direito a ingresso imediato nos cursos superiores. Foi extinto, desta maneira, do ponto de vista legal, o ensino secundário no Brasil. Ademais, foram também extintos os já problemáticos exames preparatórios parcelados que, embora fossem feitos em geral junto às faculdades, não eram, pelo menos do ponto de vista jurídico, um exame de admissão, mas constituíam uma espécie de atestado de estudos secundários. Daí para a frente não era mais necessário comprovar estudos secundários, e esta forma de ensino entrava em regime da mais ampla autonomia, existindo apenas um exame de admissão ao ensino superior pela faculdade interessada em receber o aluno.

76.

Curiosamente a Reforma Rivadávia Correia que acabamos de comentar, intitulada Lei Orgânica do Ensino Superior e Fundamental de 5 de abril de 1911, ao contrário das demais, não teve dificuldades para ser implantada, entrando imediatamente em vigor sem entraves por parte do Congresso Nacional. O resultado colhido desta liberdade geral, entretanto, em vez do desenvolvimento gradual do ensino secundário segundo as necessidades brasileiras, conforme se esperava, foi o caos geral da educação. Quatro anos depois a terceira reforma teria que ser novamente reformada.

77.

A quarta reforma veio em 1915, de autoria do Ministro da Justiça Carlos Maximiliano. Segundo ela,

  • Ficavam restaurados os certificados de conclusão do curso secundário expedidos pelo Ginásio Nacional, reconhecidos pelo Governo Federal;

  • Ficava re-instituída a possibilidade de equiparação de outros estabelecimentos de ensino ao Ginásio Nacional, desde que se tratassem de estabelecimentos públicos estaduais;

  • Ficavam re-instituídos os exames preparatórios parcelados, pelos quais os estudantes não matriculados em escolas oficiais poderiam obter certificados de estudos secundários reconhecidos pela União;

  • Da reforma anterior apenas foi mantida a eliminação dos previlégios escolares, pois além de possuir um certificado de conclusão reconhecido pela União ou um certificado de aprovação nos exames preparatórios, para entrar no curso superior o aluno teria que prestar também um exame vestibular.

78.

Por esta época a rede de ensino secundário consistia do Ginásio Nacional, mantido pelo Governo Federal no Rio de Janeiro e por um ginásio modelo equiparado mantido em cada capital de Estado pelos governos estaduais, embora alguns estados não os possuíssem. A iniciativa particular portanto, segundo Nagle, assumiu na prática a responsabilidade de ministrar o ensino secundário, os alunos obtendo seus certificados mediante aprovação nos exames preparatórios parcelados realizados junto a estabelecimentos de ensino oficial. A escassez de estabelecimentos define, segundo Nagle, o caráter altamente seletivo do ensino secundário. A intenção não era fornecer esta modalidade de ensino à massa da população do Brasil, mas apenas preparar aquelas poucas pessoas que iriam cursar os estabelecimentos de nível superior. Taxas, selos e contribuições concorriam para que as escolas secundárias, públicas e particulares, além de reduzidas em números, fossem pagas e, mais do que isso, caras.

79.

A última reforma do ensino secundário ocorrida na Primeira República deu-se em 1925 por iniciativa do Ministro João Luís Alves.

O objetivo desta reforma era acabar com o instituto dos exames preparatórias parcelados e iniciar a implantação generalizada do curso secundário seriado e com freqüência obrigatória. Para tanto decidiu-se que:

  • Continuaria existindo o Ginásio Nacional e o instituto da equiparação ao Ginásio Nacional apenas para os estabelecimentos de ensino secundário estaduais;

  • Quanto aos exames preparatórios parcelados, estes eram abolidos e no seu lugar instituir-se-ia a obrigatoriedade de um curso ginasial de seis anos de duração, seriado e de freqüência obrigatória.

De acordo com o Ministro da Justiça, esta remodelação

“teve como principal intuito
uma seriação mais racional das matérias
e ensinar com programas e horários convenientes”.

Para tanto a lei especificava que

“não será permitido o acesso a um ano qualquer
sem a aprovação nas matérias do ano anterior,
quer nas que forem de simples promoção
de um ano para outro,
quer nas que constituírem provas
de conclusão das diversas séries.
Não será facultado, em caso algum,
prestar provas finais de mais de uma série em cada ano”.

Ademais, a freqüência às aulas se tornando obrigatório, o número de faltas importaria no impedimento do aluno para prestar exames.

80.

Ao pretender eliminar os exames preparatórios parcelados e instituir a obrigatoriedade do ensino secundário seriado a Reforma João Luís Alves buscava ressaltar o aspecto formativo do ensino secundário, embora pouco se tenha feito no sentido de uma disseminação mais ampla deste tipo de ensino para a população em geral. Mas mesmo este aspecto foi subseqüentemente neutralizado por uma série de medidas tomadas pelo Congresso Nacional. Segundo Jorge Nagle, o aspecto mais importante desta reforma, a passagem dos estudos fragmentários para os seriados, marcou época não por ter obtido os resultados desejados, conforme veremos em seguida, mas por ter representado um elo importante na série de reformas por que passou depois a escola secundária no Brasil, apontando na direção que após a Primeira República iria ser definitivamente seguida.

81.

O primeiro problema da Reforma João Luís Alves estava já dentro do próprio texto da lei que a promulgou. Embora instituísse um ensino secundário de seis anos, onde no sexto ano estavam incluídas matérias como Literatura Brasileira, Literatura das Línguas Latinas, História da Filosofia e da Sociologia, o artigo 54 prescrevia que seria suficiente o certificado de aprovação final do quinto ano para a prestação de exame vestibular para matrícula em qualquer curso superior. Com isto aconteceu que no ensino secundário o sexto ano nunca era cursado, porque os alunos o viam simplesmente como uma passagem para o curso superior.

82.

Ademais, diz Nagle, do ponto de vista dos estudantes e de suas famílias, não havia clima para deixar de se pensar no secundário como mecanismo de ascensão social. Por isso muitas normas de 1925 foram imediatamente combatidas e sob forte pressão, o Governo Federal foi obrigado a recuar. O Congresso Nacional elaborou e acolheu normas com o objetivo de retornar na prática à situação criada pela reforma anterior. Dentre as havidas, Nagle cita que:

  • Em 1927 o Congresso Nacional permitiu a realização de exames preparatórios parcelados para aquele ano letivo;

  • Em 1928 foi novamente permitida a realização dos mesmos exames preparatórios parcelados, permitindo-se que qualquer pessoa que tivesse sido aprovada em um só exame até o ano letivo de 1924, pudesse requerer quantos outros quisesse em 1928.

83.

Em 1926 o problema do ensino secundário foi duramente analisado pelo inquérito promovido por Fernando de Azevedo publicado no “Estado de São Paulo”, e o foi novamente em 1929 pelo IIIº Congresso da ABE. Algumas passagens das entrevistas realizadas por Fernando de Azevedo no seu inquérito, ao mesmo tempo em que pela linguagem coloquial oferecem uma idéia mais viva do que na época se pensava a respeito da situação do ensino secundário, podem servir também de conclusão para este trabalho.

84.

A última parte do inquérito de 1926 referia-se ao ensino secundário e superior. Após uma introdução de Fernando de Azevedo, oito personalidades famosas do meio educacional da época são entrevistadas, às quais foram submetidas 12 perguntas, as mesmas para todos os participantes. A primeira pergunta, de cujas respostas extraímos as passagens abaixo era, segundo a opinião de cada entrevistado, a respeito da causa do insucesso quase completo das repitidas reformas que tinham reorganizado o ensino secundário durante a República. Após os depoimentos, Fernando Azevedo ainda redige duas conclusões finais.

85.

Tem então a palavra Fernando de Azevedo:

“É verdade que está na consciência de todos haverem falhado,
em parte ou na sua integridade,
as sucessivas reformas por que tem passado
o ensino secundário na República.
Não é preciso perder tempo
em repetir provas desta afirmação,
aceita unanimemente,
de que até hoje não se planejou uma só reforma
que não trouxesse,
com os seus melhores propósitos,
o germe de uma pronta reação.
Este fato que acompanha periodicamente
todas as reformas federais
é tão indiscutível
que os governos que se sucedem
são os primeiros a reconhecê-lo e a proclamá-lo,
apelando, e com razão, para novas reformas.

É estranho que, entre nós,
as crises mais agudas do ensino
venham imediatamente após as reformas
que deveriam ser antes instrumentos de equilíbrio
propostos com o fim de colocar a legislação trabalhada
cada vez mais em harmonia com as necessidades do meio.

As causas de terem falhado as reformas
provém de um vício fundamental:
toda reforma é, substantivamente,
um problema político,
no sentido mais alto do termo,
e, adjetivamente, um problema técnico.
Mas a face técnica do problema
é sempre relegada a um plano secundário.

A Reforma João Luís Alves de 13 de janeiro de 1925,
com três edições que lhe introduziram
alterações substanciais,
teve um objetivo fundamental,
declarado e repetido,
a moralização do ensino,
a que se ordenavam suas medidas principais.
Ora, em um país em que se eleva
à categoria de ideal supremo e inspirador
de uma reforma de ensino
a sua moralização,
ou o ensino se degradou a tão baixo nível
que foi preciso antes de tudo re-erguê-lo
à condição fundamental de dignidade,
ou a nossa cultura desceu tanto
que perdemos a capacidade
da visão científica e geral do árduo problema
e a coragem de enfrentá-lo
em seus aspectos dominantes.
A moralização do ensino não pode ser objetivo,
porque é a base,
a condição essencial de todas as reformas.

A chave do problema do ensino secundário
está na fixação preliminar
da finalidade que deve ter.

Entre nós não há problema de ensino
que tenha custado tanto a encontrar a solução exata
como o do ensino secundário.
À mercê de todas as espécies de experiências,
não houve ainda lei que,
arrancando-o da situação a que desceu,
o elevasse às alturas
de um verdadeiro aparelho de educação,
interiço e eficiente,
com claro espírito de finalidade.
Por mais duro que possa parecer,
é ainda verdade que o nosso ensino secundário
é dos mais defeituosos, incompletos e improdutivos
que possam existir”.

86.

Fala Rui Paula Souza:

“A causa fundamental do insucesso
das reformas do ensino secundário
não é uma, mas são várias.
Os moços, ansiosos por se atirarem à vida prática,
não vêem no curso secundário
senão uma mera e enfadonha formalidade a cumprir
para obterem exames que os habilitem
a galgar as faculdades
dispensadoras dos cobiçados diplomas.
Assim ainda,
não consideram seus estudos secundários
como instrumento natural da cultura de seus espíritos.
Este curso comporta matérias que precisam ser sabidas
para se passar nos exames.
Tratam, pois, de as adquirir
de qualquer maneira.
Ora, este estado de coisas
deturpa por completo
a finalidade do ensino secundário.
O ensino secundário é,
pela sua natureza, formativo,
e não aquisitivo".

87.

Fala Mário de Souza Lima:

“É fora de dúvida o terem falhado quase de todo
as inúmeras e sucessivas reformas do ensino secundário.
Todas as experiências se ensaiaram,
todos os processos de exame,
todos os programas de ensino,
todos os regimes escolares e,
ao cabo de tudo isso
os mesmos clamores sempre se levantaram,
apregoando a anarquia do ensino.

Ressalta à primeira vista
a falta de continuidade
entre as leis que se sucedem.
Fica-se verdadeiramente atordoado
no meio daquele montão de projetos e de leis
que se opõem e contradizem,
sucedendo-se com intervalos de poucos meses,
sem tempo para um estudo demorado
da legislação em vigor
e de suas conseqüências práticas.
Acrescenta-se a isto que,
antes mesmo da entrada em vigor,
começa o desvirtuamento da lei
graças à multidão de ofícios e avisos
em contradição com a sua letra e espírito,
como sucedeu com o Código de 1901
e a reforma Maximiliano.

Diante destes fatos,
cuja exatidão ninguém ousará contestar,
seria deveras para se admirar
que tivéssemos no ensino
o verdadeiro aparelho de educação
pelo qual aspiramos”.

88.

Fala Ovídio Pires de Campos:

"Uma das principais causas da crise
em que se debate o nosso ensino secundário
vem a ser, na minha opinião,
as sucessivas e nem sempre felizes reformas
com que os Governos da República
o sacodem de quando em quando.

Cada governo, ou cada presidência,
julga de bom tom administrativo
promover a reforma de nossa instrução pública,
que vai vivendo, assim,
em uma permanente instabilidade,
golpeado, aqui e ali,
por uma verdadeira e bem característica
obsessão reformista.
É um erro, um erro gravíssimo,
como está na consciência de todo mundo,
este suceder quase matemático
das reformas de quatro em quatro anos.

Nada mais razoável,
e de acordo com as leis
da evolução e do progresso,
que um certo regime de ensino venha a sofrer,
pela ação do tempo,
as devidas correções,
que acaso a sua prática e aplicação apontem.
Será, de quando em vez,
uma simples questão de retoque.
Mas o que se está habituado
a presenciar entre nós
não é bem isso,
porém coisa muito mais séria:
posta em execução uma dada reforma do ensino,
antes mesmo que se verifiquem seus resultados
através de uma experiência,
decreta-se uma outra que não raro
muda inteiramente a face das coisas,
quer dizer, que segue uma orientação
completamente diferente.

É comum, por este nosso mau vêzo,
passar-se da noite para o dia
a um regime diametralmente oposto:
hoje, na vigência de uma reforma,
vive-se na mais ampla liberdade de freqüência;
amanhã, vigorando outra,
leva-se ao máximo arrocho
a obrigatoriedade dessa mesma freqüência.

Daí naturalmente a anarquia e a desordem,
quando não são os protestos
das partes interessadas e mais afetadas,
a que se seguem, como corolários forçados,
os célebres avisos ministeriais interpretativos,
os quais, pela sua abundância,
passam muitas vezes a constituir uma nova reforma,
que fica subsistindo ao lado da outra.

E assim temos vivido estes últimos decênios,
acumulando erros sobre erros,
na doce ilusão
de que vamos melhorando
e aperfeiçoando nosso ensino
com essa pletora de leis e decretos”.

89.

Fala Reinaldo Porchat:

“A causa do insucesso das repetidas reformas
do ensino secundário
está no Congresso Nacional que,
sem orientação, sem sistema, sem uniformidade,
e sem mesmo visar o bem do ensino,
leva a fazer leis fragmentárias
para servir a interesses inferiores,
partidários e particulares,
perturbando e deturpando
os planos das reformas gerais.
O Congresso foge às responsabilidades
de elaborar uma Lei Geral de Ensino,
e delega sua competência ao Poder Executivo,
e os respectivos Ministros do Interior
operam as reformas
segundo as escolas que adotam.
Cada ministro tem seu plano,
sua orientação, seu ponto de vista novo.

Um simples exame das últimas reformas havidas
basta para mostrar como não é possível sucesso no ensino
em face de reformas tão repetidas e tão divergentes.

A de Carlos Maximiliano,
que consideram a melhor,
teve ainda contra si os golpes
vibrados pelo Congresso Nacional,
a alma mãe dos males do ensino,
que além de a deturpar com leis especiais
de proteção a amigos e correligionários,
não se pejou de afrontar o pudor da nação
aceitando a “lei da gripe”,
pela qual se concedeu aprovação em exames
a pessoas que nunca prestaram exames.
Essa vergonha,
com a qual se ofendeu a verdade
e se enganou aos governos estrangeiros
que acreditam na seriedade dos certificados de aprovação obtidos no Brasil,
ainda perdura para mostrar o que tem sido
a ação do Congresso na História do Ensino na República”.

90.

Finalmente, conclui Fernando de Azevedo:

“Se nesta última parte de nosso inquérito
há uma questão capital em cuja apreciação,
ao menos em seus aspectos gerais,
estão de acordo todas as opiniões,
esta é a do ensino secundário.
A ninguém pareceu
que este problema de importância básica,
na organização do sistema de educação nacional,
tivesse encontrado entre nós
uma solução satisfatória”.

“Reduzido até hoje
à função de cursos preparatórios,
produto de uma civilização de acampamento
que se habituou a medir as coisas
pelo seu grau de utilidade imediata,
o ensino secundário tem sido um joguête,
nas mãos do governo e dos legisladores que,
perdendo inteiramente a consciência de sua finalidade,
o transformaram num campo de experimentação
de todos os regimes a que se poderia submeter”.

91.

Com estas palavras finais de Fernando de Azevedo é chegado o momento também para nós de dar por encerrada esta nossa exposição sobre a situação do ensino secundário durante a Primeira República.

São Paulo, 08 de março de 1990.


REFERÊNCIAS MAIS DIRETAMENTE CITADAS

(1) HUGO DE SÃO VITOR, De modo discendi et meditandi, in Migne, Patrologia Latina, vol 176, 875-9.
(2) FERNANDO DE AZEVEDO, A Cultura Brasileira, Melhoramentos, 1971.
(3) JORGE NAGLE, Educação e Sociedade na Primeira República, EPU-MEC, 1976.
(4) NELSON PILETTI, Ensino de Segundo Grau: Educação Geral ou Profissionalização, EPU-EDUSP, 1988.
(5) JOSÉ ANTÔNIO TOBIAS, História da Educação Brasileira, Edições Juris Credi, São Paulo.
(6) FERNANDO DE AZEVEDO, A Educação na Encruzilhada, Melhoramentos, 1960.
(7) FERNANDO DE AZEVEDO, A Educação entre Dois Mundos, Melhoramentos, 1958.
(8) ANÍSIO TEIXEIRA, Bases para uma Programação da Educação Primária no Brasil, in RBPB.
(9) ANÍSIO TEIXEIRA, Educação para a Democracia, Companhia Editora Nacional, 1953.