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Ouvi, se talvez o pudermos explicar, pelo que deve correr
o nosso amor, ou em que deve repousar.
Três coisas há que podem ser amadas bem ou mal, isto é,
Deus, o próximo e o mundo.
Deus está acima de nós, o próximo está junto a nós, e o
mundo está abaixo de nós.
Ordenai, portanto, a caridade. Se corre, que corra bem;
se repousa, que repouse bem. O desejo corre, o gozo repousa. Por este
motivo o gozo é uniforme, porque sempre está em um só, nem pode
variar pela vicissitude; o desejo, porém, recebe a mutabilidade do
movimento e, portanto, não se contém em um só, mas apresenta várias
espécies.
Toda corrida é ou daquilo que é, ou com ele ou para ele.
Como, portanto, deve correr o nosso desejo?
Existem três coisas, Deus, o próximo e o mundo. Deus pode
ter três coisas na corrida de nosso desejo, o próximo pode ter duas e
o mundo apenas uma. Deste modo pode haver caridade ordenada no
desejo.
O amor pode correr ordenadamente pelo desejo de Deus, com
Deus e a Deus. Corre pelo desejo de Deus, quando dEle recebe de onde
o ame. Corre com Deus, quando em nada contradiz à sua vontade. Corre
a Deus quando apetece nEle repousar. Estas são as três coisas que
pertencem a Deus.
Já duas são do próximo. A caridade pode correr pelo
desejo do próximo e com o próximo, mas não o pode ao próximo. Corre
pelo desejo do próximo quando se alegra de sua salvação e de seu
aproveitamento. Corre com o próximo quando na via de Deus o deseja
como companheiro de caminho e como sócio em seu encontro. Mas não
pode correr ao próximo, para que constitua no homem a sua esperança e
confiança. Estas são as coisas que pertencem ao próximo; isto é, dele
e com ele, mas não a ele.
Uma só coisa pertence ao mundo, que é correr recebendo
dele; não com ele, nem a ele. O desejo, de fato, corre recebendo do
mundo quando este, examinado como obra de Deus, pela admiração e pelo
louvor nos converte mais ardentemente a Deus. O desejo correria com o
mundo se o mundo, por causa da mutabilidade das coisas temporais, nos
conformasse a si pelo desânimo na adversidade e pela elevação na
prosperidade, e deste modo a ele nos tornássemos semelhantes. O
desejo correria ao mundo se quisesse sempre repousar em seus
prazeres.
Ordenai, portanto, a caridade, para que ela corra pelo
desejo de Deus, com Deus e para Deus; pelo desejo do próximo, com o
próximo mas não ao próximo; recebendo do mundo, mas não com ele e nem
para ele, para que assim somente em Deus repouse pelo gozo.
Esta é a ordenada caridade, e fora dela tudo o que se faz
não é caridade ordenada, mas cobiça desordenada.
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