Questão Centésima Octogésima Oitava.

Diz o Apóstolo:

"Não há agora nenhuma condenação
para os que estão em Jesus Cristo,
os quais não andam segundo a carne,
porque a lei do espírito da vida
em Jesus Cristo
me livrou da lei do pecado e da morte,
para que a justificação da lei
fosse cumprida em nós,
que não andamos segundo a carne,
mas segundo o espírito".

Rom. 8, 2-4

Pergunta-se o que o Apóstolo quer dizer com justificação pela lei, se não há justiça pela lei.

Solução.

O Apóstolo chama de justificação da lei não aquela que a lei conferia, mas a que a lei preceituava e prometia, que em nós se cumpre pela graça de Cristo, que cumpriu plena e perfeitamente a lei e a nós concedeu a graça de cumpri-la, e aquilo que fizermos de menos Ele suprirá e responderá por nós.



Questão Centésima Octogésima Nona.

Diz o Apóstolo:

"Nós não andamos segundo a carne,
mas segundo o espírito.
Os que são segundo a carne,
gostam das coisas que são da carne;
mas os que são segundo o espírito,
gostam das coisas que são do espírito".

Rom. 8, 4-5

Pergunta-se se "andar segundo a carne", "ser segundo a carne" e "gostar das coisas que são da carne" são o mesmo.

Solução.

Não são o mesmo. Caminhar segundo a carne significa cumprir pela obra as coisas de que a carne tem concupiscência. Ser segundo a carne significa consentir às concupiscências, ou estar disposto ao que é carnal. Gostar das coisas que são da carne significa deleitar-se naquilo que a carne julga como sendo as maiores, ou não perceber as coisas que são de Deus. De fato, alguém pode ser dito carnal de dois modos, a saber, pela vida e pela doutrina, ou porque é indulgente para com a carne, ou porque restringe a potência divina às naturezas das coisas, isto é, crendo que Deus nada pode fazer que não seja visto na natureza das coisas.

Semelhantemente andar segundo o espírito significa cumprir segundo a obra as coisas que são do espírito. Ser segundo o espírito significa consentir ao espírito, ou ser disposto segundo as coisas espirituais. Gostar das coisas que são do espírito significa deleitar-se nas coisas espirituais. Segundo estas três coisas alguém é dito verdadeiramente espiritual.

Alguns também podem ser ditos espirituais pela inteligência; outros podem sê-lo pela vida, mas não pela inteligência; outros pela inteligência, sem que sejam pela vida; outros ainda de ambos os modos, ou por nenhum, etc..



Questão Centésima Nonagésima Primeira.

Diz o Apóstolo:

"Se, porém, Cristo está em vós,
o corpo na verdade está morto
por causa do pecado;
o espírito, porém,
vive por causa da justificação".

Rom. 8, 10

Ele também havia dito, logo antes:

"Vós, porém, não estais na carne,
mas no espírito,
se é que o Espírito de Deus
habita em vós.
Mas se alguém não tem o espírito de Cristo
este não é dele".

Rom. 8, 9

Pergunta-se o que significa Cristo estar em alguém, ou o Espírito de Cristo.

Solução.

Santo Agostinho diz que Cristo estar no homem significa a fé estar no coração.

Levanta-se, porém, uma dificuldade em relação a esta afirmação, pois neste caso onde quer que houvesse fé também ali estaria Cristo. Entretanto, pode haver fé no homem mau e, assim sendo, Cristo poderia estar no homem mau assim como também poderia estar o espírito de Cristo. De fato, Cristo ou o espírito de Cristo estar em alguém é o mesmo, mas o espírito de Cristo não está senão em quem está o amor.

(A esta dificuldade devemos responder dizendo que) nem todos em que há fé possuem, (para usar a linguagem de Santo Agostinho), a fé no coração. A fé só é dita estar no coração quando ela repousa e agrada ao coração, isto é, (para usar a linguagem de São Paulo), apenas quando ela opera pelo amor. Neste sentido. Cristo estar em alguém e a fé de Cristo estar em seu coração são o mesmo.



Questão Ducentésima Vigésima Primeira.

Diz o Apóstolo:

"Os que ele conheceu na sua presciência,
também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho,
para que ele seja o primogênito
entre muitos irmãos".

Rom. 8, 29

Pergunta-se por que o Filho é dito imagem do Pai.

Solução.

Porque é muitíssimo semelhante a Ele, e porque é da mesma essência.



Questão Ducentésima Vigésima Segunda.

Mas, se o Espírito Santo é igualmente semelhante ao Pai, já que é da mesma substância, por que o Filho e não o Espírito Santo é dito imagem do Pai?

Solução.

Porque a imagem mais pertence à propriedade da geração do que da processão. As coisas que são geradas, de fato, costumam ser mais semelhantes do que as que procedem.



Questão Ducentésima Vigésima Terceira.

Pergunta-se se não há duas imagens no Filho, porque é imagem incriada na medida em que é Deus, e é imagem criada na medida em que é homem.

Solução.

Não por isso são duas imagens, porque em Cristo a imagem incriada e a imagem criada não são duas imagens, mas uma só. Assim como ele é Filho de Deus e filho do homem e, todavia, não são dois filhos, mas um só Filho de Deus e filho do homem.



Questão Ducentésima Vigésima Sétima.

Diz o Apóstolo:

"Que diremos, pois,
à vista destas coisas?
Quem acusará os escolhidos de Deus?
Quem os condenará?
Jesus Cristo é o que morreu,
e ainda mais o que ressuscitou,
o que está à direita de Deus,
e quem também intercede por nós".

Rom. 8, 32-34

Pergunta-se como Cristo intercede por nós, se pela voz, ou apenas pela mente e pelo desejo, ou por algum outro modo.

Solução.

Cristo interceder por nós significa pelos méritos de sua obediência exibida a Deus Pai em sua humanidade, reconciliar-nos a nós, que o adoramos pela fé e pelo amor.



Questão Ducentésima Vigésima Oitava.

Pergunta-se se os santos, cujo patrocínio postulamos, intercedem por nós, e como.

Solução.

Os santos intercederem por nós não é outra coisa senão Deus, pelos seus méritos, remunerar os bons afetos que temos para com eles e, por isso, não importa se eles nos ouvem ou não nos ouvem.



Questão Ducentésima Trigésima Segunda.

Diz o Apóstolo:

"Em verdade, eu mesmo desejava ser
separado de Cristo,
por amor de meus irmãos,
que são do mesmo sangue que eu
segundo a carne,
que são israelitas,
dos quais é a adoção de filhos,
a glória, a aliança, a lei, o culto,
as promessas, os patriarcas
e dos quais é descendente Cristo
segundo a carne".

Rom. 9, 3-5

Pergunta-se como o Apóstolo desejava ser separado de Cristo, se segundo a glória ou segundo a justiça. Pois, se segundo a glória, parece então mais ter amado os irmãos do que a Deus, o que de nenhum modo deve-se fazer. Se segundo a justiça, isto não pode ser feito sem pecado e sem ofensa a Deus, o que não pode ser desejado racionalmente por ninguém.

Solução.

Não desejou ser separado de Cristo nem de um nem de outro modo, mas mostrou, com estas palavras o admirável afeto que tinha para com os judeus, pelo mesmo gênero de linguagem que usou Moisés quando disse:

"Risque-me do livro da vida,
ou perdoa-lhes esta culpa".

Ex. 32, 31-2

Pode-se também dizer que ambos, tanto Moisés como o Apóstolo, antepuseram em seu desejo e em sua escolha a salvação de tão grande multidão à sua própria salvação, mas não por isto pospuseram o amor de Deus. Ao contrário, preferiram a glória e a honra de Deus à própria salvação, querendo antes que a glória de Deus fosse engrandecida por tantos que se salvariam do que fosse diminuída por um só que se salvasse, e esta perfeição excede toda perfeição, porque não é possível cogitar em outra maior.