Questão Centésima Vigésima Quarta.

Pergunta-se também por que o Apóstolo faz uma distinção quando diz que

"Cristo foi entregue pelos nossos pecados,
e ressuscitou para a nossa justificação",

Rom. 4, 25

se tanto a paixão como a ressurreição tanto liberta dos pecados como justifica.

Solução.

Ainda que ambas sejam causa de ambos, não são, todavia, figura dos mesmos.



Questão Centésima Vigésima Sexta.

Diz o Apóstolo:

"A paciência produz a prova,
e a prova a esperança,
e a esperança não confunde,
porque a caridade de Deus está derramada
em nossos corações pelo Espírito Santo,
que nos foi dado".

Rom. 5, 3-5

Pergunta-se se a esperança, o que ela é e se pode ser possuída sem a caridade.

Solução.

Quanto à primeira questão, a esperança é uma expectativa certa dos bens futuros que difere da fé por ser a fé de coisas passadas, presentes e futuras, tanto de bens como de males, enquanto que a esperança é somente de coisas futuras e de bens.

Quanto à segunda, parece que a esperança não possa ser possuída sem a caridade porque sem boas obras e boa vontade, as quais não existem sem a caridade, esperar os bens futuros não é esperança, mas presunção, conforme diz Santo Agostinho. Também Santo Agostinho parece dizer o mesmo quando afirma que a esperança precede a caridade. Devemos dizer que uma é a esperança do perdão, outra é a esperança da glória; a primeira é possuída também pelos maus, a segunda talvez apenas pelos bons.



Questão Centésima Vigésima Sétima.

Diz o Apóstolo que

"a caridade de Deus está derramada
em nossos corações pelo Espírito Santo,
que nos foi dado".

Rom. 5, 5

Pergunta-se se é a mesma a caridade pela qual Deus nos ama e pela qual nós amamos a Deus.

Solução.

Há os que dizem que é a mesma, aos quais Santo Agostinho objeta explicando esta passagem e dizendo que nela o Apóstolo refere-se à caridade pela qual nós amamos a Deus, enquanto que em outra passagem, onde se diz:

"Deus é caridade",

I Jo. 4, 8

o Apóstolo refere-se à caridade pela qual Deus nos ama. Ora, tudo isto não o diria Santo Agostinho se se tratasse da mesma caridade.

Do mesmo modo, em outro lugar diz ainda Agostinho:

"Chamo de caridade
ao movimento da alma ao amor de Deus
por causa de si mesmo
e ao próximo por causa de Deus".

Ora, Deus não é movimento, portanto existe uma caridade que não é Deus.

Ademais, a caridade pode aumentar e diminuir, mas Deus não o pode; existe, portanto, uma caridade que não é Deus.

Parece dever sustentar-se firmemente, portanto, que o nome de caridade é usado de modo equívoco de Deus, quando se diz que Deus é caridade, e de uma certa virtude, quando se diz que certa virtude é a caridade, ou que a caridade de Deus foi derramada em nossos corações. O Apóstolo Paulo quase sempre designa por este nome à virtude, que não é Deus, mas procede de Deus, enquanto que o Apóstolo João por este mesmo nome designa o próprio Deus.

Parece contradizer esta conclusão o fato de mesmo Santo Agostinho afirmar que a caridade fraterna, pela qual nos amamos mutuamente, ser o próprio Deus. (Neste caso, não haveria diferença entre a caridade que é Deus e a caridade que é virtude, ambas sendo a mesma). (Poderia responder-se a isto) concedendo (a afirmação de Agostinho, explicando, porém), que Deus caridade nos faz amar um ao outro mediante a (virtude da) caridade, assim como nos faz crer mediante a (virtude da) fé. Conforme, de fato, o mesmo Agostinho, aquele de quem provém a fé é o mesmo de quem provém a caridade. (Com isto poder-se-ia condenar aqueles que sustentam a existência de duas caridades. Haveria, porém, outra dificuldade a ser respondida: se) Deus é, de fato, em nós a caridade (pela qual nos amamos um ao outro, como vimos ser afirmado por Agostinho), mas também existe em nós a caridade que é virtude, haveria então neste caso em nós não uma, mas duas caridades, e seria por meio de duas caridades e não de uma que amaríamos a Deus.

De nenhum destes argumentos, (porém), pode-se concluir haver duas caridades. Assim como o Sol nos ilumina, assim também os raios do Sol nos iluminam. Portanto, há duas coisas que nos iluminam. Não se segue, porém, que isto ocorra distinta e separadamente. De fato, o Sol nos ilumina pelos seus raios, e Deus nos ilumina ou ilustra pela caridade virtude.



Questão Centésima Quadragésima Terceira.

São os pecados atuais procedentes do pecado de Adão? Assim parece a alguns, porque pelo aguilhão da concupiscência somos inclinados ao pecado.

Solução.

Esta inclinação não é causa eficiente do pecado, ainda que seja causa sem a qual não se cometeriam, como querem alguns. Não é, porém, causa necessária, porque não existiu no demônio nem no primeiro homem antes da queda e, todavia, mesmo sem ela houve neles pecado. Ela não foi, de fato, causa do pecado, mas o pecado foi causa dela.



Questão Centésima Quadragésima Sexta.

Pergunta-se por que se imputam aos pósteros (apenas) o pecado dos primeiros pais, e não os dos pais (mais) próximos.

Solução.

Porque aquele pecado nos espoliou. Os demais pecados dos outros nos encontraram como já nus e espoliados, e não puderam tirar mais nada de nós. O pecado original, conforme já foi dito, somente nos priva de uma certa justiça original.



Questão Centésima Quinquagésima.

Pergunta-se se Cristo, obedecendo a Deus Pai, mereceu algo. Alguns querem provar que nada mereceu, nem segundo a humanidade, nem segundo a divindade. Deus, dizem, não pode receber algo de alguém; nem também alguém pode adquirir primeiro um débito para que Deus faça aquilo que Ele faz. Nada, portanto, pode ser merecido. Semelhantemente, na medida em que Cristo é homem, é bom e ama, e não pode não ser bom nem não amar; se, portanto, é bom e ama necessariamente, como pode merecer algo?

Solução.

Merecer possui uma dupla significação. Dizemos, de fato, alguém merecer quando pela boa obra se torna digno de algo de que antes não era digno; segundo esta significação parece-nos que Cristo não mereceu nada, nem segundo a divindade, nem segundo a humanidade, mesmo em sua própria morte. Diz-se também alguém merecer quando faz algum bem que seja digno de remuneração, segundo o que também Deus pode ser dito merecer, concedendo-nos benefícios pelos quais somos obrigados a louvá-lo eternamente e Cristo, segundo a humanidade, mereceu para nós em sua paixão que fôssemos introduzidos na vida eterna. Antes disso já havia merecido muito para nós; mas a paixão não foi somente preciosa, mas também o preço do mundo.



Questão Centésima Quinquagésima Oitava.

Diz o Apóstolo que

"Nosso homem velho foi crucificado
juntamente com Cristo".

Rom. 6, 6

Pergunta-se se o homem velho e o homem exterior são o mesmo, e se também são o mesmo o homem novo e o homem interior.

Solução.

Não são o mesmo, porque chama-se homem exterior o que nós temos em comum com os animais, e chama-se homem interior o que nós temos em comum com os anjos. O homem velho, porém, pertence a ambos; de fato, não somente o homem exterior, mas também o homem interior é velho pela culpa, e é deste homem velho que o Apóstolo trata no presente capítulo.



Questão Centésima Octogésima Quarta.

Diz o Apóstolo:

"Nós sabemos que a lei é espiritual;
eu, porém, sou carnal,
vendido ao pecado.
Não faço o bem que quero,
mas faço o mal que odeio.
Porque o querer encontra-se
ao meu alcance,
mas não acho o meio de realizá-lo
perfeitamente".

Rom. 7, 14-18

Pergunta-se o que se deve dizer que seja este querer que o Apóstolo diz estar ao seu alcance.

Solução.

Nada mais do que o afeto natural da alma, que está na alma pela criação, e pela qual a alma deseja naturalmente o bem. Este afeto, porém, sempre carece de efeito, a não ser que seja auxiliado pela graça de Deus.