|
Há os que dizem que é a mesma, aos quais Santo
Agostinho objeta explicando esta passagem e dizendo que nela
o Apóstolo refere-se à caridade pela qual nós amamos a Deus,
enquanto que em outra passagem, onde se diz:
o Apóstolo refere-se à caridade pela qual Deus nos ama. Ora,
tudo isto não o diria Santo Agostinho se se tratasse da mesma
caridade.
Do mesmo modo, em outro lugar diz ainda Agostinho:
"Chamo de caridade
ao movimento da alma ao amor de Deus
por causa de si mesmo
e ao próximo por causa de Deus".
|
Ora, Deus não é movimento, portanto existe uma caridade que
não é Deus.
Ademais, a caridade pode aumentar e diminuir, mas
Deus não o pode; existe, portanto, uma caridade que não é
Deus.
Parece dever sustentar-se firmemente, portanto,
que o nome de caridade é usado de modo equívoco de Deus,
quando se diz que Deus é caridade, e de uma certa virtude,
quando se diz que certa virtude é a caridade, ou que a
caridade de Deus foi derramada em nossos corações. O Apóstolo
Paulo quase sempre designa por este nome à virtude, que não é
Deus, mas procede de Deus, enquanto que o Apóstolo João por
este mesmo nome designa o próprio Deus.
Parece contradizer esta conclusão o fato de mesmo
Santo Agostinho afirmar que a caridade fraterna, pela qual
nos amamos mutuamente, ser o próprio Deus. (Neste caso, não
haveria diferença entre a caridade que é Deus e a caridade
que é virtude, ambas sendo a mesma). (Poderia responder-se a
isto) concedendo (a afirmação de Agostinho, explicando,
porém), que Deus caridade nos faz amar um ao outro mediante a
(virtude da) caridade, assim como nos faz crer mediante a
(virtude da) fé. Conforme, de fato, o mesmo Agostinho, aquele
de quem provém a fé é o mesmo de quem provém a caridade. (Com
isto poder-se-ia condenar aqueles que sustentam a existência
de duas caridades. Haveria, porém, outra dificuldade a ser
respondida: se) Deus é, de fato, em nós a caridade (pela qual
nos amamos um ao outro, como vimos ser afirmado por
Agostinho), mas também existe em nós a caridade que é
virtude, haveria então neste caso em nós não uma, mas duas
caridades, e seria por meio de duas caridades e não de uma
que amaríamos a Deus.
De nenhum destes argumentos, (porém), pode-se
concluir haver duas caridades. Assim como o Sol nos ilumina,
assim também os raios do Sol nos iluminam. Portanto, há duas
coisas que nos iluminam. Não se segue, porém, que isto ocorra
distinta e separadamente. De fato, o Sol nos ilumina pelos
seus raios, e Deus nos ilumina ou ilustra pela caridade
virtude.
|