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O Apóstolo afirma:
"Os que observam a lei
serão justificados". |
Pergunta-se se o cumprimento da lei justifica, o que assim
parece pelo que o doutor da lei perguntou ao Senhor:
"O que devo fazer
para possuir a vida eterna?"
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E o Senhor lhe respondeu:
"O que está escrito?
Como lês?"
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E ele:
"Amarás o Senhor teu Deus
de todo o teu coração
de toda a tua alma,
de toda a tua mente,
e o próximo como a ti mesmo".
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E o Senhor lhe disse:
Eis que, portanto, o cumprimento do mandamento da lei confere
a vida eterna. De onde que se lê que a lei cumprida justifica
(Rom. 2, 13). Do mesmo modo, em outra passagem, quando o
jovem lhe disse:
"O que devo fazer
para possuir a vida eterna?"
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O Senhor lhe respondeu:
"Honra teu pai e tua mãe,
não mates,
não furtes,
não cometas adultério,
não digas falso testemunho,
não cobices a esposa de teu próximo,
nem as suas coisas".
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E o jovem lhe disse:
"Tudo isto
desde a minha juventude
observei".
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O Senhor, então,
"Pondo nele os olhos, o amou",
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o que não teria feito, se não tivesse sido justo pela
observação dos mandamentos divinos. Quanto ao que Jesus
acrescenta,
"Se queres ser perfeito,
vai, vende o que tens
e dá-o aos pobres;
e vem e segue-me", |
isto pertence à perfeição da justiça. Assim também diz o
Apóstolo Paulo:
"O mandamento da lei,
que era para a vida,
para mim foi para a morte".
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Diz também o venerável Beda:
"A lei, observada em seu tempo,
não somente conferia os bens temporais,
mas também os eternos,
de onde que é manifesto
que a lei cumprida justifica".
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Mas o Apóstolo assegura que a lei não conduziu ninguém à
perfeição, dizendo que
"O homem não se justifica
pelas obras da lei;
se a justiça se obtém pela lei,
então Cristo morreu em vão". |
Há também muitas outras passagens do Apóstolo onde ele
reafirma o mesmo. Por este motivo alguns dizem que aqueles
preceitos cujo cumprimento confere a justiça são os preceitos
do Evangelho, embora estejam escritos na lei. Quem os cumpre
se torna imediatamente um homem evangélico, não é mais um
homem da lei. Estes também dizem que aqueles preceitos que
são entendidos cumpridos na lei não justificam imediatamente,
mas apenas tornam o homem idôneo a receber a fé de Cristo,
somente pela qual recebe-se a salvação; dizem, de fato, que
aquele que se mostra exteriormente amar a Deus e ao próximo,
ainda que não ame interiormente com o coração, o quanto
depende da lei este homem observa a lei, pois a lei impera
sobre a mão, e não sobre a alma.
A esta solução pode-se contra argumentar que se
pelo cumprimento destes preceitos realizado apenas
exteriormente os homens se tornam dignos de receber a fé de
Cristo a fé não é conferida pela graça, mas pelos méritos.
Ademais, se os torna idôneos, como sabem que receberão? De
onde que estes não parecem resolver convenientemente a
questão colocada. Que perfeição maior, de fato, pode haver
que amar a Deus de todo coração, e ao próximo como a si
mesmo?
Por isso dizemos que o cumprimento dos mandamentos
mencionados justifica imediatamente; não o faz, todavia, a
lei que não é suficiente, mas enferma e sem a graça, para o
seu cumprimento, a qual nem confere, nem demonstra
abertamente a fé de Cristo, sem a qual não se cumprem os
preceitos da lei. A lei demonstra, efetivamente, a pátria,
mas não mostra o caminho pelo qual se deve ir, nem como, de
onde que diz o Apóstolo:
"O homem não se justifica
pelas obras da lei". |
Poderá, porém, alguém dizer que esta autoridade
manifestamente contradiz a nossa solução. Não são,
porventura, afirmações contrárias que a justiça proceda do
cumprimento dos preceitos legais, como acima dissemos, e que
ninguém seja justificado pelas obras da lei?
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