23.

Sobre a Alma, L.II, c.44.

O corpo é composto de quatro elementos, mas a alma não é elemento, nem é composta de elementos, criada do nada de um modo só conhecido pelo seu Criador. De todas as coisas que vê existirem em si, isto é, de todas as coisas visíveis em seu corpo, vê não ser nem poder ser nenhuma delas. Separe-se, portanto, e divida-se de tudo aquilo que vê haver de visível em si mesma, e se verá ser inteiramente invisível naquilo em que se vê, embora veja que não pode ver-se. Eleve-se, então, acima de si mesma, e contemple ao Deus invisível naquele que é o primeiro e o principal espelho na busca de Deus, aquele que com maior proximidade e afinidade foi feito à sua imagem e semelhança. Este é a própria razão e a mente que se utiliza da razão, feita à primeira semelhança de Deus, para que por si mesma possa encontrar àquele por quem foi feita e repousar docemente em seu amor e contemplação.

De fato, mais perfeitamente manifesta seu Criador aquilo que mais de perto se aproxima de sua semelhança, que é a própria criatura racional, feita de modo próprio e excelente à sua semelhança. A alma, portanto, tão mais prontamente conhece e ama o seu Criador, ao qual não vê, quando intelige ter sido feita à sua imagem.

A mente racional é aquela que, pensando a si própria, intelige e possui uma sua imagem originada de si mesma, imagem que é o seu verbo. O verbo de algo é o seu próprio conhecimento formado à sua semelhança a partir da MEMÓRIA. Deste modo manifesta-se claramente que a Suma Sabedoria, inteligindo ao dizer-se a si mesma, gera uma imagem sua, consubstancial a si própria, isto é, o seu Verbo. Já a mente racional, que não se pensa a si mesma sempre, assim como não se lembra sempre de si mesma, manifesta que ao se pensar, faz com que da MEMÓRIA nasça seu verbo. De onde fica evidente que, se sempre se pensasse, sempre nasceria da MEMÓRIA seu verbo. A suma Sabedoria, como sempre lembrando-se de si mesma, manifesta que de sua eterna MEMÓRIA nasce seu Verbo coeterno. Sendo eterna, a Suma Sabedoria lembra-se eternamente de si mesma, dilige-se eternamente e diz-se eternamente, sendo o mesmo para ela dizer-se e inteligir-se e, dizendo- se eternamente, faz com que eternamente o Verbo esteja junto de si.

A mente racional, portanto, sendo a única entre todas as criaturas que pode erguer-se à busca da suma Sabedoria, e a única que pode prosseguir ao seu encontro, deverá sempre aplicar-se à sua MEMÓRIA, inteligência e amor. Para isto foi feita, para que sempre viva, se sempre amar a suma vida, a suma sabedoria e a suma essência, à qual deve o seu próprio ser. Não poderá amá-la, porém, se dela não se lembrar e sem que se aplique a inteligi-la.

Cumpra, portanto, aquilo para o que foi feita, para que possa bem viver.