22.

Sobre a Alma, L.II, c.35.

A alma tem em si a imagem ou semelhança do Deus onipotente. Mas também tem a imagem da Santíssima Trindade, primeiro porque, assim como Deus é, vive e conhece, assim também a alma, ao seu modo, é, vive e conhece.

Há também nela uma outra trindade, por ter sido criada à imagem da perfeita e Suma Trindade, que há no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Embora seja uma só em sua natureza, a alma possui em si três potências, a inteligência, a vontade e a MEMÓRIA, o que é significado no Evangelho, embora com outras palavras, quando diz:

"Amarás Senhor teu Deus
com todo o teu coração,
com toda a tua alma,
e com toda a tua memte",

Mat. 12, 17

isto é, com toda a tua inteligência, com toda a tua vontade e com toda a tua MEMÓRIA. Porque assim como do Pai é gerado o Filho, e do Pai e do Filho procede o Espírito Santo, assim da inteligência se gera a vontade, e de ambas estas coisas procede a MEMÓRIA, assim como poderá ser facilmente apreendido por qualquer sábio. Nenhuma alma poderá ser perfeita sem estas três coisas, nem nenhuma destas, no que diz respeito ao seu hábito, permanecerá íntegra sem as outras duas. E assim como Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo não são três deuses, mas um só Deus e três pessoas, assim também a alma é inteligência, a alma é vontade, a alma é MEMÓRIA; não são, todavia, três almas em um só corpo, mas uma só alma e três virtudes. E nestas três coisas a imagem divina produz admiravelmente em sua natureza o nosso homem interior porque, como que pelas forças mais excelentes da alma, é-nos ordenado que amemos o Criador para que, na medida em que é intelegido, seja amado e, na medida em que é amado, sempre o tenhamos na MEMÓRIA. Não é suficiente a sua inteligência, se não se produz o seu amor na vontade. E nem estas duas são suficientes se não se lhes acrescenta a MEMÓRIA, pela qual Deus permanece sempre na mente que intelige e ama, de tal modo que assim como não pode haver nenhum momento em que o homem não se utilize ou frua da bondade e da misericórdia de Deus, assim também não possa haver nenhum momento em que não o tenha presente na MEMÓRIA. E é por isso que me parece acertado dizer que o nosso homem interior é imagem de Deus.