GENEALOGIA ESPIRITUAL DE
HUGO DE SÃO VITOR E
SANTO TOMÁS DE AQUINO.




1. Os Padres Alexandrinos.

Eusébio de Cesaréia, o primeiro historiador da Igreja, narra que, estando São Pedro e São Marcos em Roma, os romanos,

"não satisfeitos com o ensinamento
não escrito da pregação divina
(que lhes ministrava S. Pedro),
importunaram a Marcos,
companheiro de Pedro,
com todo gênero de exortações,
para que lhes deixasse um memorial escrito
da doutrina que de viva voz lhes havia
sido transmitida.
Converteram-se, desta maneira,
em causa do texto
chamado Evangelho de São Marcos.
O Apóstolo,
quando soube sobre o que havia sido feito,
alegrou-se pela boa vontade daquelas pessoas
e aprovou o escrito
para ser lido nas Igrejas".

Hist. Eccl., II, 15

Na sua História Eclesiástica, Eusébio narra também que foi este mesmo São Marcos o primeiro a ser enviado ao Egito para pregar o Evangelho, vindo ali a morrer mártir na qualidade de primeiro patriarca de Alexandria:

"Este Marcos",

diz ainda Eusébio de Cesaréia,

"dizem que foi o primeiro
a ter sido enviado ao Egito
e que ali pregou o Evangelho que ele mesmo
havia escrito e fundou igrejas,
começando pela própria Igreja de Alexandria.
Surgiu ali, logo de início,
uma multidão de crentes,
homens e mulheres,
com um ascetismo ardente
e conforme à sabedoria".

H.E., II, 16

"Correndo o ano oitavo do império de Nero,
o primeiro que,
depois de Marcos o Evangelista,
recebeu em sucessão o governo
da Igreja de Alexandria
foi Aniano",

H.E., II, 24

segundo outras fontes, um sapateiro que havia sido o primeiro convertido de São Marcos quando de sua chegada ao Egito.

Os egípcios eram um povo profundamente religioso em que a semente do Evangelho encontrou um terreno fértil. No final do século segundo o Cristianismo já estava bem estabelecido no Egito. Ali o próprio São Marcos teria sido o fundador daquela que viria a ser conhecida posteriormente como a escola catequética de Alexandria.

Criada inicialmente para a instrução dos recém convertidos, no final do século segundo a direção da escola foi confiada a um filósofo convertido ao Cristianismo chamado Panteno, o qual, retirando-se posteriormente para pregar o Evangelho na Índia, confiou-a a outro filósofo convertido chamado Clemente. Clemente de Alexandria, sucessor de Panteno, foi por sua vez sucedido por Orígenes, jovem cristão filho de mártires, profundo conhecedor das Sagradas Escrituras e também estudioso da Filosofia Grega, o qual levou a escola, que sobreviveu até por volta dos anos 400, ao seu maior brilho.

Sob a direção de Panteno, Clemente e Orígenes, a escola catequética de Alexandria tornou-se um notável centro de ensino, de estudo e de espiritualidade cristã, na mesma época em que, nas areias escaldantes do sul do Egito iniciava-se, por obra de Santo Antão, a vida monástica na Igreja.

Com Orígenes a escola de Alexandria alcançou o auge de sua atividade. Sua coragem em ensinar o Evangelho num dos períodos mais intensos das perseguições romanas não teve limites; muitos de seus alunos deram a vida pelo Evangelho e alguns são hoje venerados pela Igreja como santos. A profundidade e o amor que tinha pelas Escrituras atraíram-lhe alunos de várias partes do Império Romano. Cita-se haver escrito ou ditado cerca de 6000 obras, todas em grego, a maior parte delas comentários às Escrituras, das quais se perderam a maioria. Das muitas que mesmo assim se conservaram, uma parte considerável deve-se à obra, aparentemente fortuita, de tradução para o latim que dois monges ocidentais, então residindo na Palestina, Rufino no Monte das Oliveiras e São Jerônimo, o tradutor da Vulgata, residente em Belém, empreenderam de alguns dos textos de Orígenes.

É muito evidente que os Padres Alexandrinos, homens que haviam chegado ao Cristianismo provenientes da Filosofia Grega, habituados ao estudo de obras de profundo conteúdo, ficaram particularmente impressionados pela profundidade ainda maior que puderam encontrar nas Sagradas Escrituras. Era claro para eles que Deus não havia revelado as Escrituras apenas como um documento ou uma fonte de informações históricas, mas principalmente como um alimento espiritual destinado a preparar não só os homens que buscam a Deus, como também os já cristãos, para mais profundamente acolherem o mistério de Cristo. Para os Padres Alexandrinos, de fato, as Sagradas Escrituras eram um mistério de Deus num sentido que lembra em muito o próprio mistério da Encarnação. Para eles, se Deus se tivesse feito livro em vez de se fazer carne, este livro teriam sido as Escrituras, e são aqueles que aprendem a acolher deste modo a Palavra Escrita de Deus que se tornam capazes de acolher mais plenamente a sua Palavra Viva.

Orígenes foi, na História da Igreja, o primeiro grande comentador das Escrituras. A partir dele praticamente todos os demais santos padres, de um modo ou de outro, seguiram os caminhos por ele apontados neste assunto.

No seu livro sobre o Evangelho de São Mateus, comentando a parábola de Jesus segundo a qual o Reino de Deus é semelhante ao homem que encontrou um tesouro escondido num campo, Orígenes diz que este campo são as Sagradas Escrituras, que o tesouro escondido são seus sentidos mais profundos e, mais principalmente, o próprio mistério de Cristo.

No mesmo livro, comentando a parábola segundo a qual o Reino de Deus é semelhante a uma rede lançada ao mar em que são apanhados peixes bons e peixes maus, Orígenes também diz que esta rede nada mais é do que a própria Escritura, que aguardou o advento de Cristo para poder terminar de ser construída em todas as suas partes.

Principais obras dos Padres Alexandrinos:

A. Panteno (200 DC):

Não resta dele obra alguma.

B. Clemente de Alexandria (220 DC):

Livro das Tapeçarias

C. Orígenes (250 DC):

Cita-se haver escrito 6.000 obras, todas em grego. Grande parte das que se conservaram deveu-se à obra de tradução para o latim do monge Rufino, que residia no monte das Oliveiras, e do monge São Jerônimo, o tradutor da Vulgata, que residia em Belém.

Principais obras:

  • Hexapla, seis traduções das Escrituras dispostas em colunas paralelas.

  • Comentários e homilias sobre Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Josué, Juízes, Livro dos Reis, Jó, Salmos, Cântico dos Cânticos, Isaías, Jeremias, Ezequiel, S. Mateus, S. Lucas, S. João, Epístola a Romanos.

  • Tratados gerais: De Principiis, Tratado contra Celso.

Da Carta de Orígenes a São Gregório Taumaturgo, seu ex-aluno:

"Antes de tudo o mais, meu filho,
estude as Divinas Escrituras.
Digo estude-as,
porque é necessário estudá-las profundamente,
com espírito de fé e intenção de agradar a Deus.
Ao fazer isto, busque retamente
e com inabalável fé em Deus
o sentido mais profundo
que está presente na maioria das passagens
das Divinas Escrituras.
E não te contentes apenas
em bater e em buscar,
porque o que é mais necessário
para entender as cosas divinas é a oração,
e para nos animar a tanto foi que
o divino Salvador nos disse não apenas

`batei e vos será aberto'
e
`buscai e achareis',
mas também
`pedi e vos será dado'".

2. Santo Agostinho (400 DC).

A. Obras mais conhecidas:
  • As Confissões.
  • A Cidade de Deus.

B. Outras obras:

  • Muitíssimos Opúsculos.
  • Sermões diversos.
  • Comentários ao Gênesis.

C. Obras mais importantes:

  • Ennarrationes in Psalmos.
  • Comentário ao Evangelho de São João.
  • Tratado da Santíssima Trindade.

3. Dionísio Areopagita (500 DC).

Obras:
  • A Hierarquia Celeste.
  • A Hierarquia Eclesiástica.
  • Os Nomes Divinos.
  • A Teologia Mística.

4. Boécio (500 DC).

A. Obra mais conhecidas:
  • A Consolação da Filosofia.

B. Opúsculos Teológicos:

  • De Trinitate.
  • Se o Pai, o Filho e o Espírito Santo se predicam substancialmente da divindade.
  • Sobre a pessoa e as duas naturezas de Cristo.

5. Cassiodoro (550 DC).

Alto funcionário da administração ostrogoda em Ravena, com a finalidade de reeguer o estado deplorável da cristandade na Itália assolada pelos bárbaros, aos cinqüenta anos Cassiodoro incentivou o Papa a organizar em Roma uma escola inspirada no exemplo dos Padres Alexandrinos. A iniciativa, conforme mais tarde o atesta o próprio Cassiodoro, devido à conturbação dos tempos, não foi coroada de êxito. Em seguida Cassiodoro retira-se da vida pública e, ainda na Itália, escreve o De Anima, seu primeiro texto teológico. Transfere-se em seguida para Constantinopla, onde se dedicou por quase duas décadas ao estudo dos santos padres, e de um modo muito especial aos Comentários aos Salmos de Santo Agostinho. Retornando à Itália, organizou o mosteiro de Vivarium, para cujos monges escreveu as Instituitiones Divinarum Litterarum, tentando sistematizar a pedagogia sacra implícita no trabalho dos Padres Alexandrinos.

Obras Principais, em ordem cronológica:

  • As Várias,
    coleção de documentos sobre a dominação ostrogótica na Itália (535-540 DC).
  • De Anima (540 DC).
  • Comentário aos Salmos (540-560 DC).
  • De Institutione Divinarum Litterarum (570 DC).

Do Prólogo ao De Anima:

"Já gozando do término
da obra empreendida em doze volumes,
(isto é, as Várias),
tendo chegado ao porto da calma onde,
ainda que não louvado,
certamente cheguei libertado,
questionamos sobre a essência da alma,
pois muita inépcia seria ignorar como estranha
justamente a alma pela qual conhecemos
todas as demais coisas.
Deveria ela ser-nos conhecidíssima,
pois está sempre junto a nós,
e mais se torna presente quanto mais
sutilmente dela tratamos.
Ademais, se recebemos dos sábios
o preceito de nos conhecermos a nós mesmos,
como poderemos ser sábios
se nos constituirmos em mistério para nós mesmos?
Desejamos compreender a altura do éter,
a medida da terra, as chuvas e as nuvens,
as tempestades de granizo,
os tremores de terra, a natureza dos ventos,
a profundidade do mar, o poder medicinal das ervas,
os quatro elementos de que são constituídos os corpos,
e devemos tolerar que devamos desconhecer
nossa própria alma,
à qual foi concedido soberanamente
considerar tantas e tão grandes coisas?
Não buscamos, entretanto,
pretexto para discussões,
mas desejamos modestissimamente
conhecer estas coisas tão profundas".

Do De Institutione Divinarum Litterarum:

"Sabendo como cresce, com grande impulso,
o estudo das letras profanas,
de tal modo que grande parte dos homens
crê poder, através dele,
alcançar a prudência da carne,
fui invadido de uma grandíssima dor
ao constatar a ausência de mestres públicos
para as Sagradas Escrituras
enquanto pululam as celebridades dos autores profanos.
Procurei então,
junto com o beatíssimo Papa Agapito,
que a cidade de Roma recebesse professores
de uma escola cristã,
de onde as almas pudessem receber a salvação eterna
e os cristãos pudessem se entregar
a uma casta e puríssima
consideração das coisas da fé,
assim como outrora houve por muito tempo
na cidade de Alexandria,
e também recentemente na cidade de Nísibe dos sírios,
por parte dos hebreus.

As guerras, porém,
e as turbulências que se têm produzido
nas regiões da Itália fizeram com que
meus desejos não pudessem se realizar,
pois as coisas da paz não têm lugar
em tempos agitados.
A caridade divina obrigou-me, pois,
por este motivo, a escrever-vos este livro
que vos fizesse as vezes de um mestre de iniciação.

Por isso, amados irmãos,
aproximemo-nos sem vacilar das Sagradas Escrituras
pelas exposições dos santos padres,
como por uma escada de visão.
Que mereçamos,
aproveitados pelos seus ensinamentos,
chegar efetivamente à contemplação do Senhor.
Esta talvez seja a escada de Jacó
pela qual os anjos subiam e desciam,
e feliz será aquela alma a quem Deus conceder
formar-se na intimidade deste caminho;
mais feliz ainda será aquele
que nele souber indagar pela inteligência da vida,
aquele que,
sabendo despojar-se dos pensamentos humanos,
souber revestir-se do discurso divino".

6. Hugo de São Vitor (1096-1141 DC).

Por volta do ano 1100 Guilherme de Champeaux, professor de Teologia na escola anexa à Catedral de Notre Dame, abandonou o mundo para dedicar-se inteiramente à contemplação, junto à capelinha semi abandonada de São Vitor nos arredores de Paris. Procurado mais tarde por pessoas desejosas de orientação espiritual, surgiu ali o mosteiro de São Vitor, sob a orientação deste sacerdote que, além de asceta, havia sido notável teólogo. Na fundação do mosteiro de São Vitor inevitavelmente haveria de existir uma escola de Teologia como parte integrante de sua espiritualidade. A direção e a organização iniciais da escola de Teologia anexa ao Mosteiro de São Vitor foram confiadas com grande acerto a Hugo de São Vitor, que para tanto parece ter retomado, aprofundando-os, os princípios deixados por Cassiodoro em suas Instituitiones. Neste sentido Hugo utilizou-se da Ciência Sagrada como parte integrante de uma forma de ascese que, conduzindo em primeiro lugar à contemplação, respondesse também profundamente ao preceito de ensinar deixado por Cristo como sendo a prova de amor que Ele deseja de nós.

Assim, é digna de nota a observação que o Didascalicon, um texto de pedagogia da Ciência Sagrada, possivelmente a obra inicial de Hugo de São Vitor, tenha retomado e aprofundado a última importante de Cassiodoro.

Hugo de São Vitor afirma que as Sagradas Escrituras são um texto propositalmente escrito de modo a, suposta a prática da virtude, favorecer a contemplação, e que o objetivo da Ciência Sagrada seria o de permitir o acesso do estudante às Escrituras como alimento contínuo de vida interior, uma concepção praticamente idêntica à exposta na Constituição Dei Verbum do Concílio Vaticano II.

Seguindo os princípios traçados no Didascalicon, para que em São Vitor pudesse ser cumprido um programa como este, nesta obra Hugo demonstrou a necessidade que havia de se elaborar a estrutura essencial do que viria a ser posteriormente a Summa Theologiae. Alguns anos mais tarde foi o próprio Hugo de São Vitor que, sob o título `De Sacramentis Fidei Christianae', ou `Os Mistérios da Fé Cristã', escreveu aquela que foi a primeira Summa Theologiae da tradição cristã.

Obras Principais, em grupos:

  • Didascalicon

  • De Sacramentis Fidei Christianae

  • Outros textos:

    • Numerosos opúsculos:

      • Opúsculo sobre o Modo de Aprender
      • De Verbo Dei
      • Livro das Miscelâneas
      • A Ciência da Alma de Cristo
      • Os sete dons do Espírito Santo
      • etc., etc..

    • Comentários às Sagradas Escrituras:

      • Anotações sobre as Epístolas de S. Paulo
      • Comentário a Joel
      • Comentário às Lamentações de Jeremias
      • Comentário a Naum
      • Comentário ao Eclesiastes

    • Comentário à Hierarquia Celeste de Dionísio Areopagita

    • Textos Gerais sobre a Interpretação das Escrituras:

      • Sermones Centum
      • Simbologia de Ambos os Testamentos
      • Opúsculos diversos

    • Tratados diversos:

      • Tratado dos três dias
      • De Arca Noe
      • Summa Sententiarum

Do Didascalicon, frase inicial:

"Entre todas as coisas a serem buscadas,
a primeira é a Sabedoria,
em que consiste a forma do bem perfeito".

Do prólogo do De Sacramentis Fidei Christianae:

"O primeiro ensinamento do discurso sagrado
consiste na sua letra,
do que já tratamos num texto anterior.
Desejamos agora preparar uma introdução
ao seu segundo ensinamento,
que o encontramos em sua simbologia.
Para tanto é necessário estabelecer primeiramente
a alma no conhecimento dos mistérios da fé,
para que,
ao serem acrescentadas outras coisas
pelo estudo ou pela leitura,
persevere em sua firmeza.
Por isto reunimos nesta obra
uma summa de todos os mistérios da fé,
para que a alma,
firmando-se em coisas certas,
pudesse conformar-se e unir-se às mesmas
em sua intenção,
a fim de não ser tragada sem direção
e sem ordem pelos vários volumes
e lições das Sagradas Escrituras.

De tudo quanto temos a dizer, porém,
há uma primeira
que deve ser aprendida já desde o início.

Quem se aproxima das lições
das Sagradas Escrituras
com o desejo de aprender,
deve considerar primeiro
qual é o assunto de que tratam,
pois assim poderá alcançar mais facilmente
a verdade e a profundidade de suas sentenças.

A matéria de todas as Sagradas Escrituras
é a obra da restauração humana".

Do prólogo do Simbologia de Ambos os Testamentos:

"Quem quer que se entregue ao estudo da sabedoria
ou da ciência divina conhecerá o fruto de seu aprendizado
mais pela experiência
do que pelo documento ou conhecimento alheio.
Nela a alma possuirá
o bem da ocupação honesta,
o amparo da meditação,
o estímulo da oração
e a luz da suprema contemplação.
Ali será formada no exemplo da santidade,
será instruída no exercício da virtude
e se fundamentará no exercício da boa obra.
Ali, rejeitado o engano da falsidade,
expulsa a malícia da iniquidade,
será conduzida ao verdadeiro e ao perfeito
conhecimento da verdade
e amor da bondade.
Nela será fortalecida,
para não desanimar diante da adversidade;
será confirmada,
para não desviar-se na prosperidade,
aprenderá a recordar-se do passado
e a acautelar-se com o futuro.
Quem quer que, portanto,
recusar-se a apascentar-se
do manancial de alimento das Escrituras,
já iniciou a perder a vida da alma,
e dele poderá ser dito,
segundo o salmista:

`Sua alma recusou todo alimento,
e se aproximou das portas da morte'.

Salmo 106

Do Comentário ao Salmo Primeiro, no segundo livro das Miscelâneas:

"Bem aventurado o homem
que não se deixa levar pelo conselho dos ímpios
e não anda pelo caminho dos pecadores,
e não se senta na reunião dos maus".

Salmo 1, 1

Quando a alma se une a Deus pela contemplação,
permanece na pátria;
quando pelos seus pensamentos
se curva para o que é terreno e transitório,
segue da pátria para o exílio".

Do 84º Sermão, sobre Santo Agostinho:

"Ó minha alma,
bendize ao Senhor,
porque libertou Jerusalém, sua cidade.
Ditoso de mim,
se restar alguém de minha descendência
para ver o esplendor de Jerusalém".

Tobias 13, 19

Estas palavras que propusemos,
irmãos caríssimos,
foram tomadas de Tobias.
São as palavras pelas quais
ele louvou o Senhor depois de ter recebido
a luz de seus olhos.

Tobias designa corretissimamente
a assembléia dos santos doutores e prelados
os quais são,
verdadeiramente e de modo excelente,
o bem do Senhor,
não apenas porque vivendo santamente
conduzem os preceitos do Senhor ao seu efeito,
como também porque,
pelo ensino,
conduzem as almas que lhes foram confiadas
para a fé e as formam para o reto viver.

O bem aventurado Santo Agostinho,
cuja solenidade hoje celebramos,
foi membro eminente do número destes prelados e doutores,
por ter perfeitissimamente
ensinado seus discípulos e sua grei
e por tê-los, não menos perfeitamente,
instituído no serviço de Deus.
Também ele convidou merecidamente sua alma
ao louvor do Senhor,
não ignorando a luz do conhecimento do alto
que lhe tinha sido concedida.

Vejamos, caríssimos,
se somos da descendência
de nosso bem aventurado pai Agostinho.

O que significa dizer:
vejamos se somos seus imitadores
como o devemos ser.

Vejamos se,
contemplando o seu exemplo,
amamos a palavra de Deus,
estudando-a,
meditando-a,
escrevendo sobre ela,
ensinando-a,
conforme a graça que nos foi concedida.

Vejamos se imitamos a sua honestíssima religião,
vivendo santamente com todas as nossas forças.

Se tudo isto fazemos,
somos verdadeiramente sua descendência,
e verdadeiramente contemplaremos com ele
o esplendor da Jerusalém celeste.

E que para tanto se digne vir em nosso auxílio
Jesus Cristo, nosso Senhor,
que é Deus bendito,
pelos séculos dos séculos.

7. Ricardo de São Vitor (1170 DC).

A fama do Mosteiro de São Vitor em Paris, que havia atraído da Saxônia a Hugo de São Vitor, atraíu também da Escócia aquele que veio posteriormente a ser conhecido como Ricardo de São Vitor. Em Ricardo de São Vitor Hugo encontrou e formou um discípulo à sua altura; a obra teológica de Ricardo continua tão de perto a do próprio Hugo que pode-se considerar ambas praticamente como sendo uma só.

Obras Principais:

  • Benjamin Menor

    Comentando o sentido moral da história dos doze filhos de Jacó, mostra como pelo exercício das virtudes ocorre a preparação para a contemplação.

  • Benjamin Maior

    Comentando o sentido moral da construção da arca da aliança, descreve os diversos graus da contemplação.

  • Comentário ao Apocalipse

    Interpreta, linha a linha, todo o texto do Apocalipse.

  • De Trinitate

    Aprofundando as linhas gerais deixadas por Hugo de São Vitor no Tratado dos Três Dias, que é inspirado por sua vez no De Trinitate de Santo Agostinho, Ricardo procura, tanto quanto é possível, apresentar o significado do mistério da Santíssima Trindade e a sua relação para com a vida interior.

Do prólogo do De Trinitate:

"`O meu justo vive da fé'.

Esta sentença é ao mesmo tempo
apostólica e profética.
O Apóstolo diz o que o profeta prediz,
pois o justo vive da fé;
e se assim é, ou melhor,
porque assim é,
devemos nos elevar com freqüência
aos mistérios de nossa fé.
Sem a fé é impossível agradar a Deus.
Pois onde não há fé,
não pode haver esperança.
Onde não há esperança,
não pode haver caridade.
Pela fé somos promovidos à esperança,
e pela esperança progredimos à caridade.
Qual seja, porém,
o fruto da caridade,
pode-se ouvi-lo da própria boca da verdade:

`Se alguém me ama,
será amado pelo meu Pai,
e eu o amarei,
e me manifestarei a ele'.

Quão aplicados, pois,
não nos convém ser à fé,
da qual procede o fundamento de todo o bem
e através da qual se alcança o firmamento?

Se somos filhos de Sião,
levantemos aquela sublime escada da contemplação,
tomemos asas como de águia
pelas quais nos possamos destacar das coisas terrenas
e nos levantar às coisas celestes.
Pensemos nas coisas do alto,
não nas coisas da terra,
onde Cristo está sentado à direita de Deus;
para isto de fato Cristo nos enviou
o seu Espírito,
para que conduzisse o nosso espírito
de tal modo que para onde
o Cristo ascendeu com o corpo,
ascendamos nós pela mente".

8. Pedro Lombardo, posteriormente conhecido como o Mestre das Sentenças (1160 DC).

Hospedado no Mosteiro de São Vitor por recomendação de São Bernardo, Pedro Lombardo foi posteriormente arcebispo de Paris. Aperfeiçoando o texto do De Sacramentis Fidei Christianae de Hugo de São Vitor, elaborou os famosos Quatro Livros das Sentenças, uma obra de síntese que a partir dos anos 1200 tornou-se o principal livro texto dos estudos teológicos na Igreja Latina. A partir desta época o primeiro trabalho da maioria dos teólogos passou a consistir em um comentário aos Livros das Sentenças, o qual tendia a ampliar, em uma síntese mais vasta, as sínteses originais de Hugo de São Vitor e de Pedro Lombardo.

Obra Principal:

  • Os Quatro Livros das Sentenças

Do quarto Livro das Sentenças:

"Consideremos com diligência
no que consiste a diferença
entre a ciência e a sabedoria.

Santo Agostinho,
no décimo quarto do De Trinitate,
afirma que

`Os filósofos,
investigando sobre a sabedoria,
disseram que ela é a ciência
das coisas divinas e humanas'.

O Apóstolo, porém,
na primeira aos Coríntios,
afirma que

`A uns foi dada a palavra da sabedoria,
a outros a da ciência'.

Parece-nos, pois,
que a primeira definição deva ser dividida
de modo que o conhecimento das coisas divinas
seja propriamente chamado de sabedoria,
e o das coisas humanas
propriamente de ciência.

Santo Agostinho assinala a diferença
entre estas duas virtudes quando diz que
o santo Jó,
como que definindo cada uma delas,
diz que

`A sabedoria consiste na piedade;
a ciência, porém,
em abster-se do mal'.

Jó 28

O próprio Agostinho, porém,
diz que a piedade consiste no culto de Deus,
palavra que se origina do grego
e que significa o conhecimento
e o amor daquele que é sempre
e que permanece incomutavelmente,
que é Deus;
abster-se do mal, porém,
significa viver honestamente
em meio a uma nação depravada.

O mesmo Agostinho,
distinguindo mais abertamente
entre ambas estas coisas diz que

`A contemplação das coisas eternas
difere da ação pela qual usamos corretamente
das coisas temporais;
a primeira é atribuída à sabedoria,
a segunda à ciência'.

A diferença, portanto,
consiste em que a contemplação
pertence à sabedoria,
enquanto que a ação à ciência.
Eis abertamente demonstrado
no que diferem os dons do Espírito Santo
de sabedoria e de ciência.

Deve-se notar, porém,
que a ciência que é dita dom do Espírito Santo
é também diferente da ciência
que existe de modo natural na alma humana.

A que se enumera entre os dons do Espírito Santo
é uma virtude infundida pela graça na alma do fiel
para que ele possa retamente viver por meio dela.
A outra, embora também seja proveniente de Deus,
pode ser naturalmente possuída pelo homem
pelo próprio benefício da criação.

Quanto à sabedoria
que é o sétimo dos dons do Espírito Santo,
esta não é o próprio Deus.

É uma sabedoria de homem,
a qual, todavia,
é segundo Deus,
e é o seu verdadeiro
e principal culto.

Se a mente do homem se torna capaz
de cultuar a Deus por seu intermédio,
o homem se torna sábio,
não pela própria luz de Deus,
mas por uma participação
daquela que é a maior de todas as luzes".

9. Filósofos Gregos.

Entre a época de Pedro Lombardo e de Santo Tomás de Aquino os textos dos filósofos gregos, principalmente os de Aristóteles, foram redescobertos pelos sábios cristãos. É importante notar, porém, a este respeito, que a filosofia grega muito pouco se parece com a atividade acadêmica das atuais Faculdades de Filosofia. Os iniciadores da filosofia grega, os filósofos Tales de Mileto e Pitágoras de Samos, haviam sido ex-alunos dos sacerdotes dos templos egípcios. Ao retornarem ao mundo grego, estes homens desencadearam a filosofia grega quando ensinaram os seus discípulos a abandonarem completamente quaisquer objetivos mundanos para, através da prática da virtude, do estudo e da contemplação da natureza, empreenderem a busca da sabedoria. Platão, seguido logo após por Aristóteles, foi o primeiro filósofo a elaborar, na cidade de Atenas, uma escola de filosofia visivelmente inspirada no modelo das escolas pitagóricas.

Principais filósofos gregos:

  • Tales de Mileto (550 AC).

  • Pitágoras (500 AC).

  • Platão (400 AC).

    • Diálogos diversos
    • A República

  • Aristóteles (350 AC).

    • Tratados de Lógica:

      • Das Categorias
      • Da Interpretação
      • Primeiros Analíticos
      • Segundos Analíticos

    • Física
    • De Anima
    • Metafísica
    • Ética a Nicômaco
    • Política

  • Plotino (250 DC).

    • As Eneadas.

Do Diálogo de Platão `A República':

GLAUCO: Sócrates, o que é um filósofo?

SÓCRATES: "Será preciso, para entendê-lo,
recordar-te ou que te recordes tu mesmo
que aquele de quem dissemos
que ama alguma coisa deve,
para que a expressão seja correta,
amar não apenas uma parte do objeto amado,
mas a sua totalidade.
Assim também não podemos dizer
que o filósofo é aquele que ama a sabedoria
apenas em parte, mas na sua totalidade.
Aquele que, com as melhores disposições,
saboreia todo gênero de ensinamento,
aquele que está sempre pronto
para aprender sem mostrar-se nunca cansado,
a este chamaremos com justiça de filósofo".

GLAUCO: "Mas Sócrates, se nos ativermos
ao que dizes, irás encontrar
uma verdadeira multidão destas criaturas.

Tais me parecem ser
os aficcionados por espetáculos,
que também se comprazem no saber.
Há também os que gostam
das apresentações do teatro e da música,
um gênero de pessoas muito estranho
para ser contado entre os filósofos,
que com certeza nunca compareceriam de boa vontade
a estes discursos com que nós nos entretemos.
Estes mesmos, entretanto,
como se tivessem alugado suas orelhas,
correm de um lado para outro
para ouvirtodos os coros
das festas dionisíacas,
sem perder nenhum,
seja que se apresentem em outra cidade
ou mesmo em alguma aldeia.

A todos estes
e a outros aprendizes deste gênero,
até mesmo os das artes mais mesquinhas,
deveremos chamar de filósofos?"

SÓCRATES: "Não, certamente estes não são filósofos;
são apenas pessoas semelhantes aos filósofos.

Os verdadeiros filósofos são aqueles
que gostam de contemplar a verdade.

O bom e o justo, e todas as idéias,
tomadas em si mesmas,
são, cada uma delas,
uma coisa distinta.

Quando, porém,
cada uma delas se mistura com as ações dos homens,
com os corpos e entre elas próprias,
passamos a vê-las sob uma multidão de aparências.

Por isto devemos distinguir,
por um lado, entre os aficcionados
pelos espetáculos e pelas artes e os homens de ação,
e pelo outro,
aqueles de quem ainda agora falávamos,
os únicos que corretamente podemos chamar de filósofos.
Os amigos das audições e dos espetáculos
gostam de belas vozes, cores e formas
e de todas as coisas elaboradas com estes elementos,
porém as suas mentes são incapazes
de ver e saborear a natureza do belo em si mesmo.
Raros são aqueles que têm a capacidade de apreciar
a natureza do belo em si mesmo.

Aquele que pode ver apenas as coisas belas,
mas não a beleza em si mesma,
que tampouco é capaz, se alguém lhe guia,
de segui-lo até o conhecimento dela,
este vive em sonhos.

Que outra coisa é sonhar,
seja dormindo, seja com os olhos abertos,
senão tomar a cópia pelo objeto real?"

Do Tratado de Política de Aristóteles:

"Empreenderemos aqui a tarefa de procurar,
entre as sociedades políticas,
a melhor para os homens,
os quais têm, aliás,
todos os meios de viver
segundo a sua vontade.

Devemos, pois, examinar não só
as diversas formas de governo em vigor
nas cidades que passam por ser regidas por boas leis,
mas ainda as que foram imaginadas pelos filósofos
e que parecem sabiamente combinadas.

Quando se quer inquirir,
com o devido cuidado,
qual é o melhor governo,
forçosamente deve-se começar
por expor o gênero de vida
que se há de preferir a todos os demais.

Como julgamos ter falado bastante,
nos nossos livros de Ética,
sobre o gênero de vida perfeita,
agora só nos resta fazer
a aplicação dos nossos princípios.

Ninguém contestaria
que os bens que se podem fruir,
dividindo-se de fato de uma só maneira
em bens exteriores,
bens do corpo e bens da alma,
o homem verdadeiramente feliz
deve reuní-los a todos.

Indubitavelmente todos estão de acordo
sobre as coisas que acabamos de dizer;
mas já não há entendimento
sobre a questão da quantidade e do excesso.

Por pouca virtude que se tenha,
sempre se acredita tê-la bastante;
mas em questão de riqueza,
bens, poder, glória
e todas as outras coisas deste gênero,
os homens não sabem impor
um limite aos seus desejos.

No entanto dir-lhes-emos
que neste caso a observação dos fatos
facilmente demonstra que a felicidade da vida
encontra-se antes entre aqueles
que cultivam até à excelência
a pureza dos costumes
e a força da inteligência,
mas que sabem moderar-se
na aquisição dos bens exteriores,
que entre os que adquiriram em superabundância
esses bens desprezando os bens da alma.

Convenhamos, pois,
que para o homem não existe maior felicidade
que a virtude e a inteligência,
e que, ao mesmo tempo,
por isso ele deve regular a sua conduta.

Disso temos por fiador ao próprio Deus,
cuja felicidade não depende
de nenhum bem exterior,
mas de si próprio,
da sua essência,
e da sua infinita perfeição.

Não levemos mais longe
estas idéias preliminares,
pois não podemos lhes dar
todo o desenvolvimento que elas comportam;
pertencem a um outro estudo.

Concluamos somente que a vida perfeita,
para o cidadão em particular
e para a cidade em geral,
é aquela que acrescenta à virtude
os bens exteriores para poder fazer
o que a virtude ordena".

10. Santo Tomás de Aquino (1225-1275 DC).

Tal como muitos outros teólogos de sua época, Santo Tomás de Aquino principiou escrevendo um vastíssimo Comentário aos Quatro Livros das Sentenças de Pedro Lombardo, obra que, embora ainda dependesse do texto do Mestre das Sentenças, já continha a arquitetura da futura Summa Theologiae.

Entre os trinta anos, quando escreveu o Comentário às Sentenças, e os cinqüenta, quando terminava a Summa, Santo Tomás ocupou-se em comentar quase todos os livros das Sagradas Escrituras, o melhor da obra de Boécio e de Dionísio Areopagita, e praticamente toda a obra de Aristóteles.

Preparou-se, ademais, quase como se estivesse ensaiando, para a redação da Summa Theologiae através de dois monumentais trabalhos, semelhantes ao espírito do Comentário aos Livros das Sentenças, mas já totalmente independentes do texto de Pedro Lombardo. Foram estes, na linha da análise, as diversas Quaestiones Disputatae, provavelmente os textos mais complexos de Santo Tomás de Aquino, e, na linha da síntese, a Summa contra Gentiles.

Tudo isto, unido a uma vida espiritual de grande intensidade, convergiu, no final da vida de Tomás de Aquino, para a elaboração da Summa Theologiae, sua principal obra.

Principais obras de Santo Tomás de Aquino:

  • Obras Iniciais (1255 DC):

    • Comentário ao Livro das Sentenças
    • De Ente et Essentia

  • Comentários às Sagradas Escrituras:

    • A Isaías
    • Ao Evangelho de Mateus
    • Ao Evangelho de João
    • A todas as Epístolas de São Paulo
    • Outros

  • Comentários a Aristóteles:

    • Comentários aos Livros de Lógica

      • Ao Livro da Interpretação
      • Ao Livro dos Segundos Analíticos

    • Comentário ao De Anima
    • Comentário à Física
    • Comentário à Metafísica
    • Comentário à Ética a Nicômaco
    • Comentário à Política
    • Outros

  • Comentários a Dionísio Areopagita:

    • Comentário ao Livro dos Nomes Divinos

  • Comentários a Boécio:

    • Comentário ao De Trinitate de Boécio

  • Aprofundamentos do Comentário aos Livros das Sentenças:

    Foram, para Santo Tomás de Aquino, como que uma preparação para futuramente vir a escrever a Summa Theologia.

    • Na linha da análise:

      • Quaestiones Disputatae

    • Na linha da síntese:

      • Summa contra Gentiles

  • Obra final e mais importante (1275 DC):

    • Summa Theologiae

  • Muitíssimos opúsculos.

Do opúsculo sobre o Preceito do Amor:

O amor que causa no homem a vida espiritual
e a iluminação do coração,
que produz a perfeita paz
e o conduz à felicidade da vida eterna
é inteiramente dom de Deus.

`Não fomos nós que amamos a Deus,
mas Ele que nos amou primeiro',

diz o Apóstolo João,
porque não por causa
de nós o amarmos primeiro
que Ele nos amou,
mas o próprio fato de o amarmos
é causado em nós pelo seu amor.
E é somente segundo a diferença deste amor
que será a diferença da bem aventurança celeste;
muitos houve que fizeram maiores jejuns do que os apóstolos,
mas estes na eterna glória superarão a todos os outros
por causa da excelência de seu amor.

Já que, portanto,
é o amor algo tão importante,
devemos trabalhar diligentemente para adquirí-lo e retê-lo.
Embora ninguém possa por si mesmo possuir o amor,
pois é dom inteiramente proveniente de Deus,
deve-se considerar, todavia,
que para possuí-lo requer-se a disposição de nossa parte.
Por isso devemos saber que duas coisas
são necessárias para adquirir a caridade.

A primeira é a escuta diligente da palavra de Deus,
o que é suficientemente manifesto pelo que ocorre entre nós.
Ouvindo, de fato, coisas boas de alguém,
somos acesos em seu amor.
Assim também, ouvindo as palavras de Deus,
somos acesos em seu amor:

"A tua palavra é um fogo ardente,
e o teu servo a amou".

Salmo 118, 140

E também:

`A palavra de Deus o inflamou'.

Salmo 104

Por esta causa aqueles dois discípulos,
ardendo do amor divino,
diziam:

"Porventura não ardia em nós o nosso coração,
enquanto nos falava pelo caminho
e nos explicava as Escrituras?".

Luc. 24

De onde que também
no décimo de Atos,
se lê que

`Pregando Pedro,
o Espírito Santo caiu
nos ouvintes da palavra divina'.

E o mesmo freqüentemente acontece nas pregações,
isto é, que os que se aproximam com o coração duro,
por causa da palavra da pregação,
são acesos ao amor divino.

A segunda é a contínua consideração dos bens recebidos:

"Aqueceu-se o meu coração
dentro de mim".

Salmo 38

Se, portanto, queres conseguir o amor divino,
meditarás os bens recebidos de Deus.
Demasiadamente duro seria, na verdade,
quem considerando os benefícios divinos que alcançou,
os perigos dos quais escapou,
e a bem aventurança que lhe é prometida por Deus,
que não se acendesse ao amor divino.

De onde que diz Santo Agostinho:

`Dura é a alma do homem que,
posto que não queira impedir o amor,
não queira pelo menos retribuir'.

E, de modo geral,
assim como os pensamentos maus
destróem a caridade,
assim os bons a adquirem,
a alimentam e a conservam,
de onde que nos é ordenado:

`Retirai os vossos maus pensamentos
dos meus olhos'.

Is. 1

E também:

`Os pensamentos perversos
separam de Deus'.

Sab. 1

Dos vários prólogos da Summa Theologiae:

"Aquele a quem incumbe o dever de ensinar
não deve instruir somente os adiantados,
mas também preocupar-se em auxiliar os principiantes,
conforme diz o Apóstolo na primeira aos Coríntios:

`Como crianças em Cristo,
dei-vos leite a beber,
e não somente carne'.

Deste modo, nossa intenção nesta obra
será oferecer tudo quanto pertence à religião cristã
de um modo que seja adequado à instrução dos principiantes.

Consideramos que os iniciantes nesta ciência
costumam ser impedidos em seu adiantamento
por diversos motivos.

Em parte isto se deve à multiplicação
das questões inúteis,
em parte à ordem com que são apresentadas,
e também em parte devido à freqüente repetição
que gera o tédio e a confusão na alma dos estudantes.

Para poupá-los destes e de outros inconvenientes,
buscamos, confiando no auxílio divino,
expor o que diz respeito à Ciência Sagrada
de modo breve e claro,
tanto quanto o permita a matéria.

O principal propósito da Ciência Sagrada
consiste em trazer o conhecimento de Deus,
não apenas no que Ele é em si mesmo,
mas também na medida em que Ele
é o princípio e o fim de todas as coisas,
e de modo especial da criatura racional.

Por este motivo tencionamos expor
esta ciência em três partes.

Trataremos em primeiro lugar de Deus,
considerado em sua essência,
na distinção de suas Pessoas
e na origem das criaturas a partir dEle.

Consideraremos, em segundo lugar,
a criatura racional,
segundo a inclinação que esta possui para Deus.
Tendo já tratado do Exemplar, que é Deus,
e das coisas que procedem de Deus segundo a sua vontade,
trataremos então do homem, sua imagem,
na medida em que esta imagem implica
um ser inteligente,
dotado de livre arbítrio
e princípio de suas ações.

Finalmente, para completar nosso trabalho,
depois de termos considerado o fim último do homem,
as virtudes, e a vida ativa e contemplativa,
trataremos de Cristo,
na medida em que,
em sua humanidade,
constituiu-se para nós no caminho para Deus,
Ele que, conforme anunciado pelo anjo,

`para salvar seu povo do pecado',

mostrou-nos em sua própria Pessoa
o caminho da verdade
por onde poderemos alcançar
a felicidade da vida eterna
ressurgindo por meio dEle".

Da Terceira Parte da Summa Theologiae:

"Ensinar é o mesmo que tornar perfeito,
o que pode realizar-se de muitos modos.

Temos, primeiramente,
o ensino que consiste em conduzir à fé.
Além dele há também o ensino
pelo qual são transmitidos os rudimentos da fé
e o modo de receber os sacramentos.
De um terceiro modo,
o ensino é uma instrução sobre a conduta da vida cristã.

Mas, em seu sentido mais pleno,
a instrução mais perfeita
é aquela que abarca
a profundidade dos mistérios da fé
e a perfeição da vida cristã".

São Paulo, junho de 1997