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Eusébio de Cesaréia, o primeiro historiador da Igreja,
narra que, estando São Pedro e São Marcos em Roma, os romanos,
"não satisfeitos com o ensinamento
não escrito da pregação divina
(que lhes ministrava S. Pedro),
importunaram a Marcos,
companheiro de Pedro,
com todo gênero de exortações,
para que lhes deixasse um memorial escrito
da doutrina que de viva voz lhes havia
sido transmitida.
Converteram-se, desta maneira,
em causa do texto
chamado Evangelho de São Marcos.
O Apóstolo,
quando soube sobre o que havia sido feito,
alegrou-se pela boa vontade daquelas pessoas
e aprovou o escrito
para ser lido nas Igrejas".
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Na sua História Eclesiástica, Eusébio narra também que foi este
mesmo São Marcos o primeiro a ser enviado ao Egito para pregar o
Evangelho, vindo ali a morrer mártir na qualidade de primeiro
patriarca de Alexandria:
diz ainda Eusébio de Cesaréia,
"dizem que foi o primeiro
a ter sido enviado ao Egito
e que ali pregou o Evangelho que ele mesmo
havia escrito e fundou igrejas,
começando pela própria Igreja de Alexandria.
Surgiu ali, logo de início,
uma multidão de crentes,
homens e mulheres,
com um ascetismo ardente
e conforme à sabedoria". |
"Correndo o ano oitavo do império de Nero,
o primeiro que,
depois de Marcos o Evangelista,
recebeu em sucessão o governo
da Igreja de Alexandria
foi Aniano", |
segundo outras fontes, um sapateiro que havia sido o primeiro
convertido de São Marcos quando de sua chegada ao Egito.
Os egípcios eram um povo profundamente religioso em
que a semente do Evangelho encontrou um terreno fértil. No final
do século segundo o Cristianismo já estava bem estabelecido no
Egito. Ali o próprio São Marcos teria sido o fundador daquela que
viria a ser conhecida posteriormente como a escola catequética de
Alexandria.
Criada inicialmente para a instrução dos recém
convertidos, no final do século segundo a direção da escola foi
confiada a um filósofo convertido ao Cristianismo chamado
Panteno, o qual, retirando-se posteriormente para pregar o
Evangelho na Índia, confiou-a a outro filósofo convertido chamado
Clemente. Clemente de Alexandria, sucessor de Panteno, foi por
sua vez sucedido por Orígenes, jovem cristão filho de mártires,
profundo conhecedor das Sagradas Escrituras e também estudioso da
Filosofia Grega, o qual levou a escola, que sobreviveu até por
volta dos anos 400, ao seu maior brilho.
Sob a direção de Panteno, Clemente e Orígenes, a
escola catequética de Alexandria tornou-se um notável centro de
ensino, de estudo e de espiritualidade cristã, na mesma época em
que, nas areias escaldantes do sul do Egito iniciava-se, por obra
de Santo Antão, a vida monástica na Igreja.
Com Orígenes a escola de Alexandria alcançou o auge de
sua atividade. Sua coragem em ensinar o Evangelho num dos
períodos mais intensos das perseguições romanas não teve limites;
muitos de seus alunos deram a vida pelo Evangelho e alguns são
hoje venerados pela Igreja como santos. A profundidade e o amor
que tinha pelas Escrituras atraíram-lhe alunos de várias partes
do Império Romano. Cita-se haver escrito ou ditado cerca de 6000
obras, todas em grego, a maior parte delas comentários às
Escrituras, das quais se perderam a maioria. Das muitas que mesmo
assim se conservaram, uma parte considerável deve-se à obra,
aparentemente fortuita, de tradução para o latim que dois monges
ocidentais, então residindo na Palestina, Rufino no Monte das
Oliveiras e São Jerônimo, o tradutor da Vulgata, residente em
Belém, empreenderam de alguns dos textos de Orígenes.
É muito evidente que os Padres Alexandrinos, homens
que haviam chegado ao Cristianismo provenientes da Filosofia
Grega, habituados ao estudo de obras de profundo conteúdo,
ficaram particularmente impressionados pela profundidade ainda
maior que puderam encontrar nas Sagradas Escrituras. Era claro
para eles que Deus não havia revelado as Escrituras apenas como
um documento ou uma fonte de informações históricas, mas
principalmente como um alimento espiritual destinado a preparar
não só os homens que buscam a Deus, como também os já cristãos,
para mais profundamente acolherem o mistério de Cristo. Para os
Padres Alexandrinos, de fato, as Sagradas Escrituras eram um
mistério de Deus num sentido que lembra em muito o próprio
mistério da Encarnação. Para eles, se Deus se tivesse feito livro
em vez de se fazer carne, este livro teriam sido as Escrituras, e
são aqueles que aprendem a acolher deste modo a Palavra Escrita
de Deus que se tornam capazes de acolher mais plenamente a sua
Palavra Viva.
Orígenes foi, na História da Igreja, o primeiro grande
comentador das Escrituras. A partir dele praticamente todos os
demais santos padres, de um modo ou de outro, seguiram os
caminhos por ele apontados neste assunto.
No seu livro sobre o Evangelho de São Mateus,
comentando a parábola de Jesus segundo a qual o Reino de Deus é
semelhante ao homem que encontrou um tesouro escondido num campo,
Orígenes diz que este campo são as Sagradas Escrituras, que o
tesouro escondido são seus sentidos mais profundos e, mais
principalmente, o próprio mistério de Cristo.
No mesmo livro, comentando a parábola segundo a qual o
Reino de Deus é semelhante a uma rede lançada ao mar em que são
apanhados peixes bons e peixes maus, Orígenes também diz que esta
rede nada mais é do que a própria Escritura, que aguardou o
advento de Cristo para poder terminar de ser construída em todas
as suas partes.
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