Notas de FHE

III

PITÁGORAS



01.

Parmênides foi o mais importante dos filósofos pré- socráticos. É muito difícil, senão impossível, entender os rumos da Filosofia Grega e da Educação Grega sem compreender o papel que este homem desempenhou na Filosofia e as conseqüências de sua obra na Pedagogia.

02.

Conforme vimos na Introdução sobre a Situação Histórica do Mundo Antigo, a história da cidade de Atenas confunde-se em muito com a história da Grécia. A cidade começou a desempenhar um papel de importância dentro da história grega em torno do ano 600 AC, por ocasião da reforma de Sólon, através da qual nela instaurou-se a democracia. Esta data coincide com o surgimento dos primeiros filósofos gregos, o que se deu, porém, não em Atenas. Tales de Mileto e Anaximandro de Mileto, contemporâneos e concidadãos, são os primeiros filósofos gregos que a história registra. Duzentos anos depois, com a morte de Sócrates, este já um ateniense, Atenas passou também a se tornar o centro da Filosofia Grega. Mas entre Tales e Sócrates, neste período de duzentos anos, muita coisa teve que acontecer para que pudesse ter-se produzido esta mudança.

03.

Cem anos depois de Tales de Mileto a Pérsia tentou invadir a Grécia por três vezes, daí resultando as famosas guerras médicas narradas por Heródoto. Os atenienses saíram vencedores, e com a imensa esquadra que haviam construído para derrotar os persas construíram um império comercial marítimo de cidades colônias em várias partes do Mar Mediterrâneo. Foi a época da máxima prosperidade ateniense, conhecida pelo nome de quem foi o seu mais famoso governante, a época de Péricles. Foi nesta época que Anaxágoras introduziu pela primeira vez a filosofia em Atenas.

Mas ainda não tinham se passado cem anos desde o fim das guerras médicas quando outra guerra, desta vez entre gregos, destruíu o poderio ateniense e fêz da Grécia o caos político. Foi a Guerra do Peloponeso, travada entre espartanos e atenienses, período durante o qual Sócrates desenvolveu a sua obra como filósofo. Foi justamente em pleno caos do pós guerra que Sócrates foi condenado à morte no ano de 399 AC.

04.

Parmênides havia nascido em Eléia, cidade colônia grega na Itália, próximo de onde hoje fica a cidade de Nápoles. Nasceu pouco antes das guerras médicas, mas quando tinha aproximadamente 60 ou 70 anos, na época de Péricles, viajou para Atenas a fim de expor ali sua doutrina filosófica. Ao que parece, Sócrates, ainda mocinho, teria ouvido as suas conferências e as de seus discípulos, que com Parmênides também tinham viajado para Atenas.

Mas Parmênides havia sido discípulo, por sua vez, de um aluno de uma das escolas fundadas por Pitágoras e, segundo dizem alguns historiadores antigos, havia, sob a influência deste, conduzido uma vida conforme os preceitos de Pitágoras, uma vida, conforme diziam, "pitagórica".

Vamos, pois, expor algo sobre a pessoa de Pitágoras para então podermos passar a falar de Parmênides.

05.

Pitágoras nasceu na ilha de Samos, antes das guerras médicas, uma ilha que fica entre a Grécia e a atual Turquia.

Ao que parece, foi discípulo de Anaximandro, filósofo de quem já comentamos anteriormente. Anaximandro era natural de Mileto e contemporâneo de Tales de Mileto. Considerando a índole de Pitágoras pelo que ele realizou posteriormente, se for verdadeira a informação de seu relacionamento com Anaximandro, é praticamente impossível que ele não tenha sido pelo menos conhecedor próximo do pensamento e da pessoa de Tales de Mileto, sobre o qual também já nos detivemos mais amplamente. Pitágoras, pois, conheceu a filosofia grega desde os seus princípios.

É possível que não tenha se contentado com a sabedoria que tais mestres puderam passar-lhe. De fato, tudo indica que depois de ter sido discípulo de Anaximandro e de Tales de Mileto, mudou-se para o Egito a fim de estudar com os sábios daquela terra. Era o Egito a civilização mais adiantada daquela época, e que já tinha mais de dois milênios de história. Pitágoras ficou estudando entre os Egípcios, segundo algumas fontes históricas antigas, mais de vinte anos.

06.

Esta grande estabilidade do Império Egípcio contrastava com o que vinha acontecendo na Mesopotâmia, o outro berço da civilização, junto com o Egito. Enquanto o Egito atravessava os séculos, na Mesopotâmia haviam se estabelecido os Sumérios, que depois foram conquistados pelos Babilônios, que foram por sua vez conquistados pelos Assírios, que foram depois reconquistados pelos Babilônios, os quais foram finalmente conquistados pelos Persas. Estes por sua vez vieram posteriormente a serem conquistados pelos Macedônios, depois conquistados pelos Romanos. Mas até a época de Pitágoras a história somente havia chegado até os Persas.

Antes da conquista persa, no ano de 587 AC os Babilônios haviam deportado para a miscelânea cultural que era a Mesopotâmia os judeus que até então viviam na Palestina no Reino de Judá. Ali, no meio desta mistura de culturas, durante os 70 anos que durou a deportação e o cativeiro, os primeiros rabinos iniciaram as que vieram a ser posteriormente as academias de teologia judaicas. Ali também, no exílio, floresceram profetas importantes para o povo judeu, como os profetas Ezequiel e Daniel, este último, apesar de judeu, tendo chegado a ser alto funcionário da corte do rei da Babilônia.

07.

Ora, aconteceu que quando Pitágoras estudava no Egito, excetuando-se os gregos, todas as demais civilizações importantes da história ou os seus legados estavam reunidas na Mesopotâmia. Setenta anos após a deportação dos judeus para a Babilônia os persas conquistaram-na e permitiram aos judeus voltarem para a sua pátria. Nem todos voltaram. Muitos estudiosos das Sagradas Escrituras e o próprio profeta Daniel continuaram ali, este último agora como alto funcionário da corte do rei persa.

Os persas, porém, conseguiram a façanha que até então nenhum outro povo tinha conseguido. Entraram no Egito, derrotaram as suas forças e levaram as cortes e os sábios egípcios, amarrados uns aos outros pelo pescoço, também para a Mesopotâmia. Para os egípcios foi um golpe mortal. Embora não todos os egípcios tivessem sido deportados, toda a sua nata foi exilada à força. Foi o fim da civilização egípcia. Junto com estes egípcios estava também, ao que parece, a caminho da Pérsia, o grego Pitágoras.

08.

Mais de uma década ficou Pitágoras estudando na Mesopotâmia, aproveitando-se dos caprichos do destino, possivelmente em contato com os representantes de todas as demais civilizações importantes que haviam surgido ao longo da história reunidos naquele lugar. Passados mais de dez anos, resolveu então voltar para a sua terra, a Grécia. Não se dirigiu, porém, para Samos sua pátria, nem para Atenas, mas para uma cidade colônia grega do sul da Itália chamada Crotona. Ali fundou uma escola.

09.

É fundamental entender a importância deste fato. Este homem, ao que parece, teve íntimo contato com os primeiros filósofos gregos pré-socráticos, foi discípulo dos maiores sábios da época, que eram os egípcios, aproveitando a última chance para tanto imediatamente antes deste civilização ter perecido nas mãos dos persas, e foi levado para o lugar onde a história fêz confluir todas as demais civilizações importantes que até então havia havido, inclusive a judaica. Por uma série de circunstâncias fortuitas, este homem pode travar contato com tudo aquilo que tinha havido até então de importante no mundo em termos de conhecimento.

10.

Além disso, deve-se notar que quando falamos dos pre- socráticos até agora nunca falamos de uma escola. Não sabemos como eles se ensinavam uns aos outros. A primeira vez na história que entre os gregos aparece uma escola organizada para a transmissão do conhecimento foi com Pitágoras. Dificilmente poderia ter aparecido por obra de outra pessoa mais qualificada.

11.

Não que não existisse ensino na Grécia naquela época. Certamente havia quem ensinasse a ler e a escrever, e ainda teremos a oportunidade de analisar como era o ensino em Atenas e entre os gregos desta época. Mas tratavam-se, pelos registros históricos, de iniciativas excessivamente rudimentares e de muito pouca ambição intelectual. Quanto ao ensino que os filósofos administravam até então, este não consta que tenha sido através de escolas.

12.

Pouquíssima coisa sabe-se sobre a doutrina e os métodos pedagógicos de Pitágoras. Mas estas pouquíssimas coisas são importantíssimas que sejam mencionadas, entre outros motivos porque parecem terem sido todas seguidas, muitas vezes à risca, outras vezes pelo menos em suas linhas essenciais, por Platão, do qual temos abundantes informações e foi um dos maiores educadores e filósofos de todos os tempos. Platão foi discípulo de Sócrates, mas depois da morte do mestre consta que ele tenha passado algum tempo estudando nas escolas de Pitágoras que ainda subsistiam, apesar de já haver-se passado um espaço de tempo da ordem de uma centenas de anos.

13.

Nas escolas de Pitágoras entrava-se para ser filósofo e estudar em busca da sabedoria pelo resto da vida. As escolas eram rigorosíssimas, selecionavam os candidatos a serem admitidos e, admitidos, durante os primeiros anos os alunos eram obrigados ao silêncio completo apenas ouvindo e meditando a doutrina exposta pelos professores. Havia a obrigação de observar o celibato e depois de alguns anos todos os participantes da escola colocavam seus bens em comum.

14.

Pitágoras era exigente quanto à formação ética dos alunos e dava uma altíssima importância ao estudo da matemática para a formação filosófica dos discípulos. Ao contrário dos primeiros pré-socráticos, que diziam que a substância em que consistia a natureza era a água, o infinito, o ar, o fogo, os átomos, as sementes indivisíveis ou outro qualquer elemento, os pitagóricos afirmavam que os números eram os princípios de todas as coisas.

15.

Para entender esta afirmação, devemos voltar às concepções filosóficas dos primeiros pre-socráticos. Eram pessoas que faziam da contemplação intelectual da natureza o objeto da vida de suas inteligências.

Há que se lembrar da definição de filósofo de Pitágoras, a do indivíduo que, nos Jogos Olímpicos, não tem nenhum outro interesse senão contemplar o que está acontecendo.

Ora, esta contemplação leva facilmente à percepção que a natureza em nossa volta, apesar de não ser inteligente, parece participar da mesma espécie de racionalidade do espírito humano. Nada ela faz por acaso, tudo parece ter uma finalidade. Basta observar o corpo humano, as plantas, os diversos animais, a interdependência entre eles e deles para com o resto do mundo e dos corpos celestes. Se esta ordem e estes fins foram ou não escolhidos inteligentemente, isto não importa para o que estamos examinando. O que importa é que tudo se passa como se o tivesse sido, pois se o tivesse sido, provavelmente não teria sido possível que se o tivesse feito de um modo melhor. A natureza parece se comportar tal qual uma obra de arte feita por uma inteligência que soube combinar milhares e milhares de elementos na medida mais engenhosa possível. Os desenvolvimentos modernos da Física, da Química e da Biologia, longe de desmentir este fato, não fazem mais do que confirmá-lo mais profundamente. A Bioquímica mostra que não só os órgãos, mas qualquer substância química que se encontre no corpo humano ou no corpo de qualquer ser vivo, ainda que seja nos seus mínimos traços, nunca está ali sem sentido. Podemos perguntar por que está ali, qual a sua finalidade. E quando descobrimos o motivo, verificamos o quanto a natureza conhecia o corpo daquele animal e como solucionou um problema intrincadíssimo de química com uma solução que nenhum químico não só não encontraria outra melhor, como também provavelmente não seria capaz sequer de elaborar outra igual. Vamos abstrair de nossa discussão, pelo menos neste momento, se foi uma inteligência, o acaso ou a evolução que fêz tudo isto. O fato é que, independentemente de como isto aconteceu, à observação do filósofo, a natureza se comporta evidentemente com a racionalidade e a estética do tipo que se encontram nas obras de arte da inteligência humana, mas num grau de complexidade e de beleza muito acima da capacidade de criação e de coordenação do homem.

Ora, quando analisamos uma obra de arte humana, uma música, por exemplo, embora esta música seja feita de vibrações sonoras, não é correto dizer que o tipo de material de que são feitas as cordas dos violinos ou as vibrações sonoras que são emitidas por elas é que são a verdadeira essência da música. A essência da música está em uma mensagem que não é materialmente identificável. Sua beleza está na harmonia e nas proporções que ela apresenta, não no ar em que o som vibra ou no material de que é feito o instrumento.

Ora, o filósofo contempla e aprende a contemplar a natureza de um modo que se parece muito mais com alguém que ouve maravilhado uma sinfonia do que com os nossos cientistas quando analisam os dados produzidos pelas experiências de seus laboratórios. Eles faziam da natureza a música da inteligência, porque de fato ela se comporta desta maneira. Parece que alguém quis tocar com ela uma música que só um verdadeiro homem poderia ouvir.

É assim que parece que provavelmente Pitágoras discordou das primeiras posições dos pré-socráticos. Quando ele afirmou que os números são a essência da natureza, e não a água, o fogo, os prótons, os nêutrons, os elétrons ou as radiações eletromagnéticas, queria dizer com isto que se a natureza se comporta ao modo da racionalidade da mente humana, é a sua própria ordem que é a sua essência, e não o material de que ela possa ser feita.

16.

Quando, ademais, Pitágoras comparava o Filósofo aos expectadores dos Jogos Olímpicos, o expectador que se desapega dos vários interesses da vitória, das compras e das vendas que se desenvolvem paralelamente a estes Jogos, para contemplar atenciosamente o que ocorre no mundo, esta sua colocação deve ainda ser entendida à luz de outra de suas afirmações que nos vieram sobre o que é ser um filósofo.

17.

Na verdade, foi Pitágoras quem inventou a palavra `filósofo'. Quando certa vez haviam perguntado a Pitágoras o que era um homem sábio, Pitágoras respondeu que não existe um homem sábio. A sabedoria não é coisa dos homens. A sabedoria deve ser atribuída exclusivamente a Deus, dizia Pitágoras. O homem, no máximo, pode ser um amigo da sabedoria, isto é, um filósofo, termo que em grego significa exatamente isto, `amigo da sabedoria'. O homem pode ser no máximo um amigo da sabedoria e procurar imitar o mais possível a sabedoria que se encontra plenamente possuída apenas por Deus. De fato, a sabedoria de Deus seria, neste sentido, a contemplação intelectual de si próprio e da obra de sua criação e, quando o homem faz também isto ele de fato está procurando imitar a mente divina e não está fazendo nada mais do que viver na terra uma vida semelhante à que seria a do próprio Deus. Estaria aprendendo, assim, a assemelhar-se, através de sua inteligência, ao seu Criador. É esta elevação do espírito humano que constituíu o ideal pedagógico das escolas pitagóricas.

18.

Nós podemos ver este ideal pedagógico pitagórico refletido nas obras de um filósofo cristão bastante posterior, chamado Boécio.

Boécio viveu na época da queda do Império Romano do Ocidente, quando os ostrogodos invadiram a Itália e nela instalaram o seu governo. Boécio era descendente de uma nobre família romana que o havia enviado, aos dez anos de idade, para a cidade de Atenas estudar filosofia e matemática. Lá estudou até transformar-se em uma enciclopédia viva de toda a sabedoria antiga. Embora fosse cristão convicto, seu envolvimento com a filosofia foi tão grande que, em sua obra, sua herança filosófica desempenha um papel tão ou talvez mais importante do que a sua herança cristã.

19.

No fim da sua vida Boécio foi caluniado, acusado de conspirar contra o rei dos ostrogodos. Foi lançado a um cárcere enquanto aguardava a execução da sentença de morte.

Ali no calabouço, enquanto esperava a morte, Boécio escreveu um livro que ficou na história, chamado "A Consolação da Filosofia", no qual claramente aparece em algumas de suas passagens a inspiração dos primeiros filósofos pre-socráticos e pitagóricos.

Ele imagina, no início do livro, que tem a visão de uma formosa dama, que é a Filosofia. Ela o vê aflito e chorando e com isto inicia-se um diálogo:

-"Por que choras, Boécio?

Por que os teus olhos
se convertem em fontes?

Conta-me tudo sinceramente,
não me ocultes nada.
Se desejas que o médico te dê o remédio,
deves declarar-lhe a ferida".

Boécio então responde a estas palavras dando uma resposta que nada mais é do que o ideal de vida dos pre-socráticos e mais especialmente de Pitágoras:

-"Por acaso há necessidade de explicações?

Por acaso este lugar não te diz nada?

Por acaso este é o lugar
onde todos os dias
eu estudava contigo
a respeito das coisas divinas e humanas?

Era este o rosto que eu tinha
quando eu contemplava
os segredos da natureza,
quando tu me mostravas
o curso das estrelas,
e instruindo-me nos costumes
me ensinavas a ordenar
toda a minha vida seguindo o exemplo
do concerto celeste?

Vejas em que foi dar o prêmio
de nossa inocência,
ser condenado à morte
por um falso delito.

Como se tu,
que estavas sempre junto de mim,
não me afastasses do desejo
das coisas mortais,
cada dia derramando
em meus ouvidos e em meus pensamentos
aquela sentença de Pitágoras,
que o homem há de servir a Deus
e não aos deuses,
e procurar assemelhar a sua vida à dEle!"

20.

Assim se expressou, pois, Boécio, citando inclusive Pitágoras pelo nome. Mas Pitágoras, além disso, queria que os seus discípulos, uma vez formados e maduros na vida filosófica, se oferecessem aos governos da época como conselheiros políticos, pois dizia que enquanto os governos não fossem guiados pela Filosofia jamais poderiam governar sabiamente. De fato, em todas as cidades em que Pitágoras ou seus discípulos abriram suas escolas, logo se formava um conselho de filósofos pitagóricos que acabava por ter participação importante na política de muitas cidades e colônias gregas. A primeira escola fundada por Pitágoras, em Crotona, no sul da Itália, teria desaparecido em um incêndio provocado em represália à tentativa feita pelo Conselho de seus alunos de impedir a aprovação de certas leis que eles percebiam serem injustas, mas sobre este aspecto do ideal pitagórico assim se expressou o filósofo Jâmblico em uma das principais biografias que a antigüidade nos deixou de Pitágoras:

"A primeira tarefa empreendida por Pitágoras,
ao chegar à Itália e à Sicília,
foi a de inspirar o amor à liberdade
às cidades que ele entendia
terem-se recentemente oprimido
uma à outra pela escravidão.

Por meio de seus auxiliares
ele libertou e restaurou a independência
em Crotona, Síbaris, Catânia,
Régio, Himera, Agrigento, Tauromênas
e em algumas outras cidades.

Através de Carôndas de Catânia
e de Zalêuco, o Locriano,
conseguiu estabelecer leis
que causaram o florescimento destas cidades
e que se tornaram modelos para outras
nas suas proximidades.

Ele desenraizou, por diversas gerações,
conforme atesta a história,
o partidarismo, a discórdia e a sedição
de terras italianas e sicilianas,
em lugares que naquela época eram perturbados
por contendas internas e externas.

Em todos o lugares ele repetia,
com a persuasão de um oráculo,
que devemos por todos os meios
amputar do corpo a doença,
da alma a ignorância,
do lar a discórdia,
e de todas as coisas, quaisquer que sejam,
a falta de moderação".

21.

Fica-se a imaginar se não existe alguma relação não só entre este ideal de Pitágoras de instaurar a justiça através da Filosofia, mas também entre todo o ideal pedagógico pitagórico e alguns ensinamentos do profeta Daniel.

Pode ser uma coincidência, mas o fato é que, enquanto Pitágoras estudava na Pérsia, entre aqueles sábios das mais diversas nacionalidades, Daniel era um dos ministros do rei Persa e compunha o seu livro que depois passou para o cânon da Bíblia. Ora, este Daniel não era apenas uma pessoa que levava uma vida santa segundo a lei de Moisés, mas era o que chamaríamos também de um sábio. Várias de suas profecias haviam sido feitas diretamente aos reis mesopotâmicos, o que lhe havia granjeado a estima deles e provavelmente uma certa fama, que não dificilmente poderia ter chegado aos ouvidos de Pitágoras, ávido de conhecimento e que por ali vivia na época. Os milagres que consta terem sido realizados por Daniel nas cortes mesopotâmicas também podem ter contribuído para esta fama.

Ora, no décimo segundo capítulo de seu livro, em uma de suas profecias, Daniel se refere aos sábios enaltecendo conjuntamente com eles o ideal do ensino de um modo que, se considerarmos que ele não está fazendo uma poesia, mas antevendo algo que segundo ele pertence verdadeiramente à ordem dos fatos reais, não poderá deixar de parecer muito impressionante. O fim dos tempos, diz ali Daniel,

"será um tempo de angústia
como jamais houve
desde que as nações existem
até aquele tempo.

Mas naquele tempo serão libertados
todos os que se acharem
inscritos no Livro.

E muitos dos que dormem
debaixo da terra despertarão,
uns para a vida eterna,
outros para o vitupério,
para a infâmia eterna".

Então, continua Daniel,

"os sábios resplandecerão
como o fulgor do firmamento,
e os que tiverem ensinado
a muitos para a justiça
serão como estrelas
para a perpétua eternidade".

22.

Depois da primeira escola de Crotona, Pitágoras fundou outras nas colônias gregas do sul da Itália e depois ainda em vários lugares do restante do mundo grego. Foi de um dos alunos destas escolas que Parmênides, também italiano, recebeu sua primeira educação filosófica, dirigindo-se, posteriormente, em sua maturidade, para Atenas a fim de expor ali as suas doutrinas.

São Paulo, maio de 1989