23.

A importância do estudo.

De tudo quanto falamos e das palavras de Hugo de São Vitor podemos deduzir mais precisamente qual seja a importância do estudo para a vida da fé. "É necessário levantar-se à oração e pedir a sua graça", diz Hugo de São Vitor no Didascalicon, "sem a qual nenhum bem pode ser alcançado e de cuja única boa vontade depende que sejas conduzido ao efeito da boa obra". Entretanto, logo em seguida ele acrescenta:

"Não serás obrigado por ela,
serás ajudado.
Se apenas tu operares,
nada realizarás;
se apenas Deus operar,
nada merecerás".

Ao dizer que é preciso levantar-se à oração para pedir a sua graça, e que não seríamos obrigados por ela, mas ajudados, Hugo quis dizer que a graça não dispensa a operação voluntária das faculdades humanas. O papel da graça é, em primeiro lugar, o de elevar sobrenaturalmente as faculdades da alma para torná-las capazes dos atos da fé e da esperança. Com o advento da caridade, ela se torna também, no dizer de Tomás de Aquino, uma qualidade da própria alma, infundida em sua essência, que nos torna participantes da natureza divina e conatural o exercício das virtudes. Mas, ainda que conte com todo este auxílio, se o homem resolver "nada operar", diz Hugo, "nada realizará". E se o homem for conduzido por uma doutrina ou uma orientação errônea, poderá inclusive atrapalhar, procurando não operar aquilo para o que a graça, sem obrigar, tende ou inspira para o seu próprio desenvolvimento. É importante, por este motivo, um conhecimento preciso não só da natureza e do desenvolvimento da graça como também dos mistérios de Deus, a cuja semelhança a graça existe para nos conduzir. Este é o papel do estudo das Sagradas Escrituras e da ciência que dela deriva, da qual dizia Santo Tomás de Aquino que seus principais assuntos são justamente

"os mistérios da fé
e a perfeição da vida cristã".

É o papel também de uma direção espiritual consciente, isto é, uma orientação pessoal por parte de alguém que conheça esta ciência, tanto quanto possível, pelo estudo e pela experiência.

No caso da fé, que é a primeira manifestação da graça divina no homem, é evidente que é muito mais fácil que o homem siga mais docilmente a inclinação e a inspiração da graça se ele ou quem o orienta, ou ambos, tiverem uma idéia precisa do que é a fé e das suas possibilidades de desenvolvimento do que se eles tiverem uma idéia vaga ou mesmo distorcida destas mesmas coisas. Será mais fácil que eles descubram se na oração são sinceros ao pedirem a fé e o Espírito Santo , sinceridade que é uma das condições indispensáveis para a eficácia da oração, se tiverem este conhecimento do que se a fé for para ambos pouco mais do que apenas um nome ou um contentar-se em não negar o que Deus ensina.

O estudo das Sagradas Escrituras é, portanto, importante para a santificação do homem, assim como o é também o estudo da ciência sagrada. Se não o fossem, as Escrituras não teriam sido inspiradas por Deus e os homens santos que houve na Igreja não teriam perdido seu tempo ocupando-se com a ciência sagrada, tendo tantas coisas importantes para fazer.