22.

Condições necessárias para a oração.

É promessa infalível das Sagradas Escrituras que a oração dirigida a Deus pedindo-lhe a fé e a graça para crer e alcançar a justiça jamais deixa de ser atendida, se forem preenchidos certos requisitos muito simples.

Segundo as Escrituras, esta é a forma de oração a que a Revelação nos exorta com mais insistência e ao mesmo tempo a única impossível de não ser atendida, como qualquer um poderá verificar pessoalmente bastando para isto que faça a experiência.

Nenhuma outra oração possui uma garantia tão grande e absoluta de ser atendida e, mesmo assim, quaisquer que sejam as garantias que as demais possam ter, ordinariamente estarão condicionadas primeiro à obtenção da graça do Espírito Santo. "Procurai em primeiro lugar o Reino de Deus", diz Jesus, e só depois ele acrescenta: "e tudo o mais vos será acrescentado".

Para ser atendida, a oração que pede a fé e o Espírito Santo exige alguns requisitos, poucos em número e muito simples, apesar de indispensáveis. A constância e a perseverança na oração não é propriamente um destes requisitos; a constância e a perseverança na oração são mais uma exigência da vida espiritual em seu conjunto do que uma exigência da eficácia da oração propriamente dita. A vida espiritual exige a constância da oração, aquele "importa orar incessantemente sem jamais desanimar" que São Lucas reporta como sendo um dos ensinamentos fundamentais de Jesus, porque através da oração a graça não é concedida por inteiro e de uma só vez, mas aos poucos e em partes, de modo que é necessário orar sempre e freqüentemente para poder crescer continuamente na graça. Mas sempre que se ora, se se preenchem os poucos requisitos necessários para tanto, ainda que se o faça uma única vez, ela é necessariamente atendida.

Os requisitos necessários para a oração são essencialmente apenas dois, e estes dois são a sinceridade e a fé.

O primeiro deles, a sinceridade, significa que ao orarmos nosso pedido deve ser verdadeiro. Devemos ter certeza de que queremos de fato receber aquilo que pedimos.

Pode parecer redundante que se ponha uma condição como esta para a oração, pois seria de se supor que, uma vez que ninguém poderia ter qualquer interesse em mentir na oração, se alguém ao orar estivesse pedindo alguma coisa, isto por si só já seria indício de que deseja de fato aquilo que se pede. Exigir a sinceridade como requisito da oração, parece, portanto, uma pretensão inútil.

Argumentos como este, porém, revelam apenas o desconhecimento da natureza humana por parte de quem os coloca. A coisa mais comum na vida humana é a formulação de desejos que não são sinceros, e é muito comum que peçamos coisas sem que de fato as queiramos. Na maioria das vezes isto não envolve uma mentira intencional nem o propósito deliberado de enganar; ao contrário, o que este fenômeno, à primeira vista absurdo, revela é a própria incoerência a que o ser humano se submeteu ao ter decaído da graça divina e o quanto ele está o tempo todo se enganando a si próprio, sonhando que deseja coisas que de fato ele não quer. No ser humano a perfeita coerência é um atributo somente encontrado nos santos. Temos um exemplo clássico deste fenômeno no diálogo travado entre Jesus e Pilatos quando o primeiro foi apresentado ao segundo para ser julgado. Pilatos interrogou Jesus e lhe perguntou:

"A tua nação te entregou
nas minhas mãos.
Que fizeste tu?"

Jo. 18, 35

Jesus, após dar algumas explicações, respondeu que havia nascido e vindo ao mundo para dar testemunho da verdade. Esta resposta espantou Pilatos, que tornou a perguntar-lhe:

"O que é a verdade?"

Jo. 18, 38

Pilatos fêz esta pergunta e talvez outro réu, no lugar de Jesus, teria até tentado explicar. Mas Pilatos, não obstante a transcendente importância desta pergunta e a oportunidade raramente concedida a algum mortal de estar diante de alguém que era efetivamente capaz de respondê-la, antes mesmo que Jesus tivesse tido tempo de fazê-lo, virou-se para o outro lado e foi conversar com os Judeus a respeito de outros assuntos. A mesma coisa pode ocorrer, e de fato ocorre freqüentemente, quando oramos a Deus. Corremos o risco de fazer o papel de Pôncio Pilatos e pedirmos algo que não estamos absolutamente interessados em obter. Uma coisa é pedir a Deus a fé com a boca ou mesmo com a mente, outra completamente diferente é saber se estamos verdadeiramente interessados em alcançar da graça divina a vivência daquela virtude que estivemos descrevendo neste livro. É comum que as pessoas, ao saírem da oração, se analisarem os desejos que efetivamente movem as suas vidas, verificarem que o projeto de alcançarem a vivência plena da fé não passa de uma incoerência, mesmo considerado apenas do ponto de vista da sinceridade. Este é um dos motivos por que é tão importante, além da oração, o estudo das Escrituras e da ciência sagrada que deriva delas; este estudo nos mostra, dentre outras coisas, o que são a fé e a graça do Espírito Santo, o que significa viver da fé e tudo aquilo que surge em conseqüência desta vivência. Através dele podemos ver-nos como em um espelho, saber se estamos verdadeiramente interessados em receber a graça que nos ajude a viver daquele modo que as Escrituras nos ensinam e verificarmos, com isto, se somos sinceros na oração. Pois, se nos enganamos a nós mesmos, a oração não produzirá o seu fruto.

O segundo e último requisito essencial para que a oração seja atendida é a própria fé, aquela firme certeza que exclui qualquer dúvida ou hesitação de que a oração que pede a graça do Espírito Santo, o maior tesouro que pode ser concedido a um mortal, será infalivelmente atendida por Deus porque Ele assim nos ensina tê-lo prometido:

"Se alguém necessita
de sabedoria",

diz a Epístola de São Tiago,

"peça-a a Deus,
que a todos a dá liberalmente
e não lança em rosto,
e ser-lhe-á concedida.
Mas peça-a com fé,
sem nada hesitar,
porque aquele que hesita
é semelhante à onda do mar
que é agitada e levada
de uma parte para a outra pelo vento.
Não pense, pois,
tal homem,
que receberá do Senhor coisa alguma".

Tg. 1, 5-7

Subentende-se que esta fé ou esta ausência de hesitação de que fala São Tiago seja uma certeza fundada em Deus e não no homem, isto é, que a fé inclua uma certa inclinação e percepção, movidas pela graça, da verdadeira origem da própria graça, ou seja, não o esforço do homem, mas o próprio Deus, do qual nos aproximamos pela fé, pelo que se exige a fé como requisito da oração para obter a graça do Espírito Santo:

"Não queirais, pois,
enganar-vos,
irmãos meus muito amados";

diz ainda São Tiago,

"toda a dádiva excelente
e todo o dom perfeito vem do alto
e descende do Pai das luzes,
no qual não há mudança,
nem sombra de vicissitude.
Foi por sua vontade
que nos gerou pela palavra da verdade,
a fim de que sejamos
como que as primícias de suas criaturas".

Tg. 1, 16-18

Este mesmo ensinamento se encontra no livro de Provérbios, onde se diz:

"Tem confiança no Senhor
de todo o teu coração,
e não te estribes na tua prudência.
Pensa nele em todos os teus caminhos,
e ele mesmo dirigirá os teus passos".

Pr. 3, 5-6

Ele se encontra também no Evangelho de São João, quando Jesus se compara a uma videira e os homens que cressem nele aos ramos. Nesta passagem, Jesus nos diz que, sem Ele, nada poderíamos fazer:

"Eu sou a verdadeira videira",

diz Jesus,

"e meu Pai é o agricultor.
Como o ramo não pode
por si mesmo dar fruto,
se não permanecer na videira,
assim também vós,
se não permanecerdes em mim.
Eu sou a videira,
vós sois os ramos.
O que permanece em mim e eu nele,
esse dá muito fruto,
porque sem mim nada podeis fazer".

Jo. 15, 1; 15, 4-5

São Paulo ensina a mesma coisa sempre que repete sem impossível ao homem cumprir a lei de Deus sem a graça que não surge do esforço do homem, mas provém de Deus através da fé na morte e ressurreição de Cristo, o qual, segundo a Epístola aos Romanos,

"morreu pelos nossos pecados
e ressuscitou para a nossa justificação".

Rom. 4, 25

E, comentando as Epístolas de São Paulo, Ricardo de São Vítor se coloca a seguinte pergunta:

"Qual o motivo
e que utilidade poderia ter tido para os judeus
haverem recebido uma lei
que de nenhum modo poderiam cumprir?"

Ele mesmo, porém, responde à pergunta que acaba de nos fazer:

"Foi, entretanto, excelente
que os judeus a tivessem recebido,
pois eles eram um povo que confiava
nas suas próprias forças,
e não no auxílio divino.
Tanto que,
ao terem recebido a lei de Moisés,
diziam com toda a confiança:

`Faremos tudo
o que o Senhor falou'.

No entanto, o tempo mostrou
com quanta negligência cumpriram
a promessa tantas e tantas vezes repetida.
Compreendiam eles o que diziam
quando prometeram:

`Faremos tudo
o que o Senhor falou'?

Estas palavras pareciam fruto
de uma grande devoção;
eram, no entanto,
palavras de grande presunção.
Entre eles, porém, houve alguns que,
embora tivessem inicialmente confiado
em suas próprias forças,
acabaram por reconhecer,
através de suas faltas,
a extensão de sua enfermidade
e de sua incapacidade.
Estes passaram a colocar
toda a sua esperança no auxílio divino;
pediram-lhe através da oração a sua graça
e mereceram por isto a justificação.
Foi por este motivo que Deus
lhes havia dado uma lei que deveria
mas não poderia ser cumprida,
isto é, para que os homens,
que tanto confiavam em si,
não o conseguissem,
e compreendessem quão inutilmente
confiavam em suas próprias forças,
não conseguindo cumprir a lei de Deus
sem o auxílio de sua graça".

Concluímos, portanto, que qualquer pessoa que tenha a humildade de se dirigir a Deus e pedir-lhe o Espírito Santo com sinceridade e fé o receberá infalivelmente.

Chegamos, assim, a um ponto de nossa exposição onde não há mais possibilidade nem necessidade de controvérsia. A afirmação que acabamos de fazer, por sua própria natureza, não necessita de discussão, mas pode ser verificada por cada um através da experiência. Isto é, qualquer pessoa que tenha a humildade de se dirigir a Deus e pedir-lhe a graça do Espírito Santo com sinceridade e fé, como se o pede a um Pai, deverá recebê-la infalivelmente. Se as condições forem preenchidas e nada ocorrer, o que ensinamos nestas aulas é falso e a verificação depende apenas de fazer a experiência.

A história duas vezes milenar do cristianismo tem confirmado abundantemente em seus santos a veracidade desta promessa divina que pode tornar a verificar-se em qualquer um de nós. A alguns, porém, poderá parecer uma coisa tão banal fazer esta experiência que justamente por isto não serão capazes de faze-la; suporão que seja tão fácil imaginar uma situação tão simples que apenas o imaginá-la já será suficiente para poder avaliá-la, e por isto julgarão não necessitar fazer a experiência. Apesar de ser tão trivial, entretanto, é precisamente este o início da ponta de uma longa meada que se iniciará com o dom do temor de Deus e prosseguirá até a plenitude do dom da sabedoria. Para prosseguir, porém, o caminho que aqui se inicia, além da perseverança na oração, requer-se também a prática das virtudes, o estudo das Sagradas Escrituras e da ciência sagrada que delas deriva, e uma direção espiritual consciente.