5.

Sem a fé não é possível a graça do Espírito Santo.

O Evangelho narra que, depois de ter feito muitos milagres em várias partes de Israel, Jesus retornou à cidade de Nazaré onde havia sido criado. Seus amigos e conhecidos, longe de o receberem com amor e respeito, em vez disso se escandalizaram, percebendo que Jesus havia convivido longos anos com eles aparentemente sem ter realizado nenhum prodígio. Eles queriam ver Jesus fazer tudo aquilo que tinham ouvido ele ter feito em outros lugares:

"De onde lhe vem esta sabedoria
e estes milagres?",

perguntavam eles.

"Porventura não é este
o filho do carpinteiro?
De onde vem pois a este
todas estas coisas?"

Mas, apesar disto, Jesus não fêz ali muitos milagres, e o Evangelho de Mateus assim se expressa a este respeito:

"Não fêz ali muitos milagres,
por causa da incredulidade deles".

Mt. 13, 58

No Evangelho de Marcos, o ocorrido é narrado de uma forma ainda mais contundente:

"Jesus não podia fazer ali milagre nenhum;
apenas curou alguns poucos enfermos,
impondo-lhes as mãos,
admirando-se da incredulidade deles".

Mc. 6, 4-5

À primeira vista estas passagens podem parecer significar que, sem a fé dos doentes, Cristo seria incapaz de realizar qualquer milagre, mesmo que o quisesse, e que, portanto, a verdadeira causa destes prodígios não seria o próprio Cristo, mas a fé dos que os recebiam.

Esta interpretação, porém, se torna manifestamente inaceitável quando passamos a examinar a história da Igreja, na qual encontramos os exemplos dos homens que se decidiram a seguir os passos do Mestre. Encontramos, assim, na história de São Bernardo, um contemporâneo de Hugo de São Vítor, o seguinte relato:

"Quando Bernardo pregava
contra a heresia na região de Tolouse,
um dia,
acabado o sermão,
aquela boa gente lhe trouxe
uma grande quantidade de pães
para que os abençoasse.
Ao fazê-lo, Bernardo lhes disse:

`Vereis agora, meus filhos,
se é verdade o que eu vos ensino
e falso o que vos ensinam
e vos querem persuadir os vossos contrários;
dou-vos este sinal,
o de que todos os enfermos
que comerem este pão
recobrarão sua saúde'.

Ora, estava ali presente o bispo de Chartres e,
parecendo-lhe que aquela afirmação de São Bernardo
era muito genérica e perigosa,
quis modificá-la.

Tomando a palavra, acrescentou:

`Vós deveis entender
que estas palavras do abade Bernardo
significam que recobrarão saúde
aqueles que comerem este pão com fé'.

Mas a isto replicou Bernardo:

`Não, senhor bispo.
Não foi isto que eu disse.
Disse apenas
o que as minhas palavras soaram,
isto é, que todos aqueles
que provarem deste pão
recobrarão a saúde,
(com fé ou sem fé),
para que se possa entender com isto
que estamos aqui como legítimos e verdadeiros
embaixadores de Deus'.

Como Bernardo o disse,
assim o foi.
Todos aqueles que comeram daquele pão
recobraram a saúde,
sem exceção nenhuma.
A fama daquele milagre voou imediatamente
por toda aquela província
e foi muito útil para extinguir a heresia
e despertar e acender os corações
daqueles povos à devoção,
que concorriam de todas as partes
para ver a Bernardo,
em tão grande número
que lhe foi necessário para fugir a esta honra
mudar o caminho de Satat,
onde se tinha dado o milagre,
para a cidade de Tolouse".

Pedro de Ribadaneira,
Vida de S.Bernardo, C. 9

Vita Prima S. Bernardi
L. 3, C. 6, n. 18

Vemos, assim, nesta passagem da vida de São Bernardo, que Deus havia lhe concedido a cura de todos os enfermos que comessem o pão que ele havia abençoado, quer eles cressem, quer não cressem. Jesus, porém, não era menos do que S. Bernardo. Se isto, portanto, foi possível de ser concedido a S. Bernardo, poderia ter sido também realizado pelo Cristo. Daqui se conclui que ao dizer que Jesus passou por Nazaré e não pôde realizar milagres porque os homens não criam, o texto sagrado não pôde ter entendido que Cristo não os fêz porque teria sido incapaz de fazê-lo ainda que o quisesse, mas porque, no plano da providência divina, os milagres de Jesus eram um símbolo da regeneração espiritual que a graça do Espírito Santo produz na alma dos homens que vivem da fé. Os milagres que Jesus fazia eram sinais externos de algo muito maior que Deus prepara para aqueles que crêem; e era para não destruir o significado destes sinais que Jesus não podia realizar estes milagres onde as pessoas não crêssem.