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Um exemplo, talvez o mais notável entre os que existem
nas obras que nos foram deixadas pelos vitorinos, da significação
mais profunda que as coisas significadas pelas palavras possuem
nas Sagradas Escrituras é o abordado por Ricardo de São Vitor ao
considerar a passagem do Êxodo em que o Senhor descreve a Moisés
como deveria ser construída a Arca da Aliança. Nos capítulos 25 a
31 do Êxodo lemos como, após terem os judeus abandonado a terra
do Egito e acampado aos pés do Monte Sinai, o Senhor expõe a
Moisés como deveria ser construído o Tabernáculo, uma espécie de
templo transportável que deveria ser conduzido pelo povo judeu
através do deserto em sua caminhada rumo à terra prometida. No
centro deste templo deveria ser colocada a Arca da Aliança em que
deveriam ser guardadas as tábuas da Lei escritas e entregues a
Moisés no alto do Monte Sinai.
Na longa descrição do tabernáculo e de seus
utensílios, encontramos esta pequena passagem em que o Senhor
explica a Moisés como deveria ser construída a Arca da Aliança:
"Fazei uma arca de pau de cetim,
cujo comprimento tenha dois côvados e meio,
a largura de um côvado e meio,
a altura igualmente de um côvado e meio.
Revesti-la-ás de ouro puríssimo
por dentro e por fora;
e farás sobre ela uma coroa de ouro em roda;
e farás quatro argolas de ouro,
que porás nos quatro cantos da arca:
duas argolas de um lado e duas do outro.
Farás também varais de pau de cetim,
e os cobrirás de ouro,
e os farás passar por dentro das argolas
que estão ao lado da arca,
a fim de que sirvam para a transportar.
Estarão sempre metidos nas argolas,
e nunca se tirarão delas.
E porás na arca o testemunho
que eu hei de te dar.
Farás também o propiciatório
de ouro puríssimo;
o seu comprimento terá dois côvados e meio,
e a largura um côvado e meio.
Farás também dois querubins de ouro batido
nas duas extremidades do oráculo.
Um querubim esteja de um lado,
o outro do outro.
E cubram ambos os lados do propiciatório,
estendendo as asas e cobrindo o oráculo,
e estejam olhando um para outro
com os rostos voltados para o propiciatório,
com o qual deve estar coberta a arca,
na qual porás o testemunho
que eu hei de te dar.
De lá te darei as minhas ordens,
em cima do propiciatório,
e do meio dos dois querubins,
que estarão sobre a arca do testemunho,
e te direi todas as coisas que por meio de ti
intimarei aos filhos de Israel". |
O sentido literal desta passagem é evidente: trata-se de um plano
de construção, com especificações de medidas e materiais, para
uma arca a ser colocada no centro de um templo.
Mas é bastante sabido que as coisas do Velho
Testamento significam as do Novo, e, portanto, Ricardo de S.
Vitor com razão se pergunta o que poderia significar esta arca
com as minuciosas especificações que a acompanham. Em
aproximadamente uma centena de páginas da Patrologia Latina de
Migne (44), em um livro que até hoje é um dos clássicos da
Teologia, Ricardo explica que a arca cujo modo de ser construído
havia sido explicado a Moisés pelo próprio Deus significa a graça
da contemplação:
"Que poderia significar este sacrário",
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diz Ricardo,
"senão aquela melhor parte que Maria,
a irmã de Marta,
escolheu para si (Lc. 10) ?
Este sacrário, portanto,
significa a graça da contemplação que,
pela sua dignidade,
ocupa no tabernáculo divino
um lugar de preferência
entre todas as coisas" (45).
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Através dos detalhes da construção da Arca da Aliança
Ricardo de S. Vitor passa em seguida a expor o caminho pelo qual
o homem se forma na contemplação e, através dela, se eleva até
Deus. Aquilo que parecia, à primeira vista, apenas um projeto de
marcenaria e ouriversaria era, na realidade, uma das mais
profundas lições de Teologia que a humanidade já tinha recebido
do alto.
Estes exemplos mostram como para os santos padres, e
de modo especialíssimo, para os vitorinos em particular, aquilo
que se convencionou denominar de sentido alegórico e tropológico
das Sagradas Escrituras não são fantasias inventadas por autores
piedosos sobre o texto sagrado, mas são sentidos realmente
intencionados pelo Espírito Santo ao ter inspirado as Escrituras
e são também, freqüentemente, o seu sentido mais real e
verdadeiro.
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