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Várias passagens do Comentário à Política levam à
conclusão de que somente é possível implantar uma sociedade
perfeita se a sociedade já contar com homens que tenham
alcançado a excelência nas virtudes morais e intelectuais.
Isto implica por sua vez em um desafio incomumente árduo para
o surgimento da sociedade perfeita; pois a natureza do homem
é tal que, conforme vimos, necessita da sociedade para
alcançar a excelência na virtude e na inteligência; mas, por
outro lado, para cumprir convenientemente esta função, a
sociedade necessita de homens com estas mesmas qualidades.
Por isso é tão difícil surgirem tais sociedades; a formação
dos que são necessários para constituí-la é um trabalho em
que é preciso como que vencer a própria natureza.
Para que surja a sociedade ótima, diz o Comentário
à Política,
"é preciso que na sociedade
haja muitos homens virtuosos
que excedam aos demais na virtude;
suposto isto,
a sociedade poderá ser governada
pelo regime ótimo.
Não sendo este o caso,
a melhor forma de governo
para esta sociedade
será um regime ótimo apenas por suposição,
um regime que não é o ótimo absolutamente considerado",
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mas apenas sob um certo aspecto (53).
É evidente, continua o Comentário,
"que a natureza do governo
deve ser tomada de seu fim.
O fim, porém,
da política correta
é a felicidade da vida;
por isso serão necessárias
tantas pessoas virtuosas na sociedade
quantas forem necessárias
para dirigir e legislar a cidade
para que esta possa viver feliz,
e tantos homens virtuosos deverão governar
quantos sejam necessários
para que pela sua prudência
estabeleçam ou constituam a cidade" (54).
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Quando se verificam estas condições, diz ainda o Comentário,
o governo ótimo se segue com uma certa naturalidade; não é
uma disposição arbitrária do homem, mas uma instituição que
pertence ás próprias coisas da natureza; de fato, somente se
pode constituir a monarquia perfeita quando
"algum homem difere dos demais
segundo a virtude de tal modo
que sua virtude exceda
a virtude de todos os demais.
Neste caso é justo
que esta sociedade seja governada
por uma Monarquia,
sendo isto algo que pertence à natureza,
pois é segundo a natureza que aquele
que excede a todos os demais em virtude
governe aos demais.
Portanto, se a virtude de algum homem
excede a de todos os demais,
é natural que este homem seja rei.
Este homem não deverá governar em parte,
mas em tudo,
nem por algum tempo,
mas para sempre.
De fato,
a parte não pode exceder o todo,
mas este homem excede em virtude
a todos os outros;
portanto, os demais são parte
em relação a ele,
de onde que acontecerá que todos
passarão a obedecê-lo
como que por uma inclinação natural" (55).
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Para muitos leitores tais afirmações poderão parecer, à
primeira vista, um exagero inteiramente fora dos domínios da
realidade. Trata-se novamente, porém, de outro problema de
falta de perspectiva. As pessoas normalmente não fazem idéia
de quão longe podem ir as possibilidades da virtude e ao que,
por conseqüência, o Comentário à Política estava se referindo
quando afirmava que o verdadeiro monarca deve exceder na
virtude a todos os demais súditos. O próprio Comentário levou
em consideração esta possível dificuldade do leitor e, em
algumas passagens, tentou se fazer explicar o quanto pôde:
diz o Comentário,
"que alguém pode alcançar
a virtude perfeita e a sua operação
de duas maneiras:
de um modo,
segundo o comum estudo dos homens;
de outro modo,
além do modo e do comum estudo dos homens,
o que se denomina de virtude heróica.
A virtude heróica é aquela segundo a qual
alguém, pela virtude moral e intelectual,
alcança a operação de qualquer virtude
acima do modo comum dos homens;
trata-se de um modo divino de ser,
que se realiza através de algo divino
existente no homem,
que é a inteligência.
É assim que se expressa Aristóteles:
este homem, de fato,
que excede de tal maneira a todos os demais,
é dito ser entre eles como um deus" (56).
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"Os que excedem
de tal maneira aos demais na virtude
não são verdadeiros cidadãos",
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continua o Comentário (57).
"Não devem, entretanto,
por este motivo, serem expulsos da cidade
e transferidos para outros lugares;
isto seria contra a razão,
porque trata-se de alguém que alcançou o ótimo.
Não devem, porém, por outro lado,
ser levados ao governo como aos demais,
de tal maneira que às vezes governem
e outras vezes sejam súditos.
Sendo tal homem ótimo,
será digno e justo
que todos alegremente lhe obedeçam,
e que ele seja o governante,
seja um só ou mesmo vários" (58).
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O Comentário afirma em várias passagens que a multidão deve
governar quando ninguém se sobressai manifestamente na
virtude; neste caso, se apenas um só governasse,
"os demais seriam desonrados,
o que seria inconveniente"
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e fonte de rebelião (59).
Mas o caso de que estávamos tratando era completamente
diverso. Tratava-se, de fato, de
"alguém que excede
a todos os demais na virtude;
neste caso apenas ele deve governar.
A razão disto é que mais convém governar
aquele que mais se aproxima do governo natural
e ao próprio modo como é governado o Universo;
mas alguém que excede dessa maneira
aos demais na virtude
realiza tal aproximação,
conforme vemos no Universo,
no qual há um só governante.
Ora, o governo do Universo
é um só e é ótimo,
pelo que na cidade
aquilo que é mais uno e melhor
é o que mais se aproxima
à semelhança do governo do Universo
e do governo natural" (60).
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