9.

Terceira viagem de S. Domingos a Roma. Confirmação da ordem dos Pregadores por Honório III. S. Domingos ensina no palácio do Papa.

Enquanto se procedia com rapidez à construção do convento de Saint-Romain, sob a direcção de Domingos, uma notícia inesperada veio contristar o coração do Santo Patriarca. Inocêncio III falecia em Perugia a 16 de Julho e, dois dias depois, o cardeal Conti, da antiga família dos Sabelli, após uma eleição precipitada, subia ao trono pontifício, tomando o nome de Honório III. Esta morte roubava aos interesses dominicanos um protector certo e expunha-os a todas as eventualidades de um novo reinado. Inocêncio III pertencia a essa raça de homens que a Providência concedera a Domingos para o apreciar e amparar; era do mesmo sangue dos Azevedo, dos Toulouse e dos Montfort, nobre constelação cujos astros se iam extinguindo, uns após outros. Azevedo fora o primeiro a desaparecer, levando consigo o entrecho interrompido dos seus heróicos projetos; e agora, depois de Domingos laboriosamente reunir os seus fios sob os auspícios de Inocêncio III, desaparecia por sua vez esse grande papa, sem consumar a obra sobre a qual prometera pôr o derradeiro selo. Esta prova porém, foi de curta duração. Domingos, atravessando os Alpes pela terceira vez, conseguiu rapidamente do novo pontífice, apesar das dificuldades de uma nova administração, o prêmio devido aos seus longos trabalhos. A 22 de Dezembro de 1816, foi a sua ordem confirmada por duas bulas cujo texto glorioso é o seguinte :

“Honório, bispo, servo dos servos de Deus,
aos seus amados filhos Domingos,
prior de Saint-Romain de Toulouse,
e aos religiosos presentes e futuros
fazendo profissão da vida regular,
saúde e benção apostólica.
Convém colocar sob a protecção apostólica
os que abraçarem a vida religiosa,
com receio de que temerários atentados
os desviem do seu intento ou,
o que Deus não permita,
destruam o poder sagrado da religião”.

“Eis porque, amados Filhos no Senhor,
Nós acedemos sem dificuldade
aos vossos rogos e,
pelo presente privilégio,
tomamos sob a proteção
do bem-aventurado Apóstolo Pedro,
e sob a Nossa,
a igreja de Saint-Romain de Toulouse,
na qual vos consagrastes ao divino serviço.
Nós decretamos em primeiro lugar,
que a ordem canônica estabelecida nessa igreja
segundo Deus e a regra de Santo Agostinho,
seja nela perpétua e inviolavelmente observada;
e além disso, que os bens legitimamente adquiridos
por essa igreja,
ou que lhe possam sobrevir
por concessão dos pontífices,
munificência dos reis e dos príncipes,
ofertas dos fiéis,
ou por qualquer outra forma legítima,
permaneçam seguros e intactos
nas vossas mãos e nas dos vossos sucessores.
Nós julgámos mesmo útil designar por nome
os seguintes bens, a saber:
o próprio terreno onde está situada
a igreja de Saint-Romain
com todas as suas dependências,
a igreja de Prouille
com todas as suas dependências,
a terra de Cassanel,
a igreja de Notre-Dame-de-Lescure
com todas as suas dependências,
o hospício de Toulouse, denominado Arnaud-Bérard,
com todas as suas dependências,
a igreja da Santíssima Trindade de Lobens
com todas as suas dependências,
e os dízimos que o nosso venerável irmão Foulques,
bispo de Toulouse,
com piedosa e previdente liberdade,
vos cedeu com consentimento do seu cabido,
como se verá pelas actas.
Que ninguém pense em vos exigir dízimos,
quer sobre os campos que cultivais
com as vossas próprias mãos,
ou à vossa custa,
quer sobre o produto do vosso gado.
Nós vos concedemos que recebais
e conserveis convosco,
sem receio de contradição,
os clérigos e seculares,
desejosos de abandonar o século,
contanto que não estejam ligados
por outros compromissos.
Nós proibimos que os nossos religiosos,
depois da sua profissão,
passem para outra regra,
sem licença do seu superior,
a não ser para abraçar uma forma
de religião mais austera,
e que ninguém aceite esses trânsfugos
sem o vosso consentimento.
Tereis de providenciar
ao serviço das igrejas paroquiais
que vos pertencerem,
escolhendo e apresentando ao bispo diocesano,
padres dignos de obterem dele o governo das almas,
e que perante ele fiquem responsáveis
pelas causas espirituais,
e perante vós pelas temporais.
Nós proibimos que se imponha
à vossa igreja novos e desusados encargos,
nem que lancem contra vós
sentenças de excomunhão ou de interdito,
a não ser por causa manifesta e racional.
Se lançassem um interdito geral,
podeis celebrar o ofício divino em voz baixa,
sem toques de sino, a porta fechada,
depois de haverdes posto fora
os excomungados e os interditos.
Em quanto ao crisma,
aos santos óleos,
à consagração dos altares ou das basílicas,
à ordenação do vosso clero,
tudo recebereis do vosso bispo diocesano,
se todavia for católico,
estiver na graça e comunhão da Santa Sé,
e consinta em vo-las conceder
sem injustas condições; no caso contrário,
dirigir-vos-eis a qualquer bispo católico
que vos aprouver escolher,
contanto que esteja na graça
e comunhão da Santa Sé,
e ele satisfará os vossos pedidos,
pela virtude da nossa autoridade.
Nós vos concedemos a liberdade
de sepultura na vossa igreja,
ordenando que ninguém se oponha
à devoção e última vontade
daqueles que desejarem ser nela enterrados,
contanto que não estejam excomungados nem interditos;
isto sem prejuízo do direito das igrejas
a quem pertençam os emolumentos dos enterros.
Por vossa morte ou dos vossos sucessores
no cargo de superior desta mesma casa,
que ninguém pretenda ao governo
por fraude ou violência,
mas tão somente aquele que houver sido escolhido
por consentimento de todos ou da maior
e melhor parte dos religiosos,
segundo Deus e a ordem de Santo Agostinho.
Nós ratificamos igualmente as liberdades,
imunidades e usos racionais,
de há muito introduzidas na vossa igreja
e conservadas até hoje,
querendo para sempre que sejam invioláveis.
Que nenhum homem ouse pois,
incomodar esta igreja,
tirar ou reter os seus bens,
diminuí-los ou fazer deles assunto de vexames;
mas que se conservem intactos
para uso e amparo
daqueles a quem foram concedidos,
com a reserva da autoridade apostólica,
e a justiça canônica do bispo diocesano.
Se qualquer pessoa,
eclesiástica ou secular,
conhecedora desta constituição
que acabamos de escrever,
não receie infringi-la,
e sendo admoestada uma segunda e terceira vez,
se recuse a dar satisfação,
que essa seja destituída
de todo o poder e honras,
e saiba que se tornou ré
perante o juízo divino de uma iniquidade;
que fique apartada da comunhão
do corpo e sangue de nosso Deus,
Senhor e Redentor Jesus Cristo,
e que no juízo final sofra uma pena severa.
Aqueles, ao contrário,
que conservarem a esta casa os seus direitos,
que a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo seja com eles,
que recebam na terra o fruto de uma boa ação,
e do Juiz supremo uma recompensa eterna.

Assim seja.”

Bulário da Ordem
dos Pregadores, p. 2.

A segunda bula, documento tão curto quanto profético, é concebida nos seguintes termos:

“Honório, bispo,
servo dos servos de Deus,
ao seu amado filho Domingos,
superior de Saint-Romain de Toulouse,
e aos nossos religiosos que fizeram
ou farão profissão da vida regular,
saúde e benção apostólica.
Nós, considerando que os religiosos
da nossa ordem serão os campeões da fé
e as verdadeiras 1uzes do mundo,
confirmamos a vossa ordem
com todas as suas terras
e bens presentes e futuros,
e tomamos sob o nosso governo e proteção
essa mesma ordem com todos os seus bens e direitos”.

Idem, P. 4.

Estas duas bulas foram concedidas no mesmo dia em Santa Sabina. A primeira, além da assinatura de Honório, tem mais as de dezoito cardeais. Por mais favorável que fosse a sua redação, contudo os desejos de Domingos ainda não estavam todos satisfeitos; porque ele queria que o nome da sua ordem só por si fosse um testemunho perpétuo do fim que se propusera instituindo-a. Desde o princípio do seu apostolado sentira prazer na denominação de Pregador. Vê-se por um ato de homenagem a que assistira a 21 de junho de 1211, que se servia de um selo onde estavam gravadas estas palavras: `Selo de Frei Domingos, Pregador’. Quando veio a Roma, no tempo do concílio de Latrão, propunha-se, diz o bem aventurado Jordão de Saxe, obter do Papa uma Ordem de homens que tivessem o `exercício e nome de Pregadores’. Deu-se mesmo nessa época um fato notável. Inocêncio III, que havia pouco animara Domingos por uma aprovação verbal, precisou escrever-lhe. Chamou um secretário e disse-lhe:

“Escrevei sobre tal e tal assunto
a Frei Domingos e seus companheiros”.

Refletindo porém, um momento, disse:

“Escrevei antes da seguinte forma:
A Frei Domingos e aos que com ele
estão pregando no distrito de Toulouse”.

Depois, refletindo novamente, disse:

“Escrevei assim:
A Mestre Domingos
e aos Frades Pregadores”.

Estêvão de Salanhac,
As quatro coisas em que
Deus honrou a Ordem dos
Frades Pregadores.

Todavia Honório nas suas bulas abstivera-se de dar qualquer denominação à nova ordem.

Foi sem dúvida para reparar este silêncio que ele, um mês depois, a 26 de janeiro de 1219, ditou as seguintes cartas:

“Honório, bispo,
servo dos servos de Deus,
aos seus amados filhos,
o Superior e os Religiosos de Saint-Romain,
Pregadores em Toulouse,
saúde e benção apostólica.
Nós rendemos devidas ações de graças
ao dispensador de todos os dons
por aquele que vos concedeu
e no qual esperamos ver-vos perseverar até ao fim.
Devorados interiormente pelo fogo da caridade,
espalhais exteriormente um perfume admirável
que deleita os corações sãos
e dá saúde aos que estão enfermos.
Ofereceis-lhes, como médicos hábeis que sois,
as mandrágoras espirituais
que os livram da esterilidade, isto é,
a semente da palavra de Deus
inflamada por uma eloquência salutar.
Servos fiéis, o talento que vos foi confiado
frutifica nas vossas mãos
e com usura o restituireis ao Senhor.
Atletas invencíveis de Cristo,
vestis o escudo da fé e o elmo da salvação
sem temer os que podem matar o corpo,
empregando magnanimamente
contra os inimigos da fé
essa palavra de Deus
que penetra mais que a lamina mais aguda,
e desprezando as vossas almas neste mundo
para as encontrar na vida eterna.
Mas, como é o fim e não o combate
que dá a coroa
e como só com a perseverança
é que se recolhe o fruto de todas as virtudes,
nós vos rogamos e ardentemente vos exortamos
a caridade por meio destas cartas apostólicas,
assim como que, para remissão dos vossos pecados,
vos fortaleçais cada vez mais no Senhor,
que espalheis o Evangelho em todo o tempo
e que finalmente desempenheis plenamente
o dever de evangelistas.
Se por esse motivo sofrerdes tribulações,
suportai-as não somente com igualdade de alma,
mas regozijai-vos e triunfai como o Apóstolo
de haverdes sido julgados dignos
de sofrer opróbrios pelo nome de Jesus Cristo.
Porque essas ligeiras e curtas aflições
hão de produzir um peso imenso de gloria,
com o qual não têm comparação os males do tempo.
Rogamo-vos igualmente, Nós,
que vos guardamos no coração
como filhos muito especialmente amados,
que intercedais por Nós junto de Deus
com o sacrifício das vossas orações,
a fim de que Ele, porventura,
conceda aos vossos sufrágios
o que Nós não obtemos
por nossos próprios merecimentos”.

Bulário Ordem dos Pregadores, p. 4

Foi assim que o exercício e o nome de Pregadores foram atribuídos pontificalmente aos religiosos dominicanos. A graduação dos três documentos que acabamos de citar é muito notável. Na bula maior, resolvida em consistório e assinada pelos cardeais, não se trata de forma alguma do fim da ordem. Simplesmente a designam como uma

“ordem canônica
sob a regra de Santo Agostinho”.

A segunda bula na sua brevidade é mais clara. Chama aos filhos de Domingos

“campeões da fé
e verdadeiras luzes do mundo”.

Finalmente o terceiro diploma qualifica-os abertamente de

“Pregadores”,

louva-os pelos seus passados trabalhos apostólicos e anima-os a continuá-los no futuro. O mistério destes documentos tem exercitado a perspicácia dos historiadores. Procuravam, sobretudo, saber as razões porque o Soberano Pontífice dera duas bulas sobre o mesmo assunto no mesmo dia; conjecturaram que a primeira era destinada a ficar nos arquivos da ordem, a segunda a servir-lhe como uma espécie de passaporte diário. Mas terá, porventura, uma ordem solenemente aprovada pela Santa Sé necessidade de apresentar uma bula a quantos se apresentarem? Não traz ela consigo mesma a sua autenticidade? E no caso de a contestarem, não será evidente que o documento necessário é aquele que contém as suas liberdades e privilégios, um documento de poucas linhas que não determina a sua situação canônica? Há, de resto, no progressivo reconhecimento dos Pregadores. uma singularidade que nos leva a urna outra explicação. Parece-nos provável que na corte pontifical existisse qualquer oposição ao estabelecimento de uma ordem apostólica e que fosse essa a causa do silêncio absoluto da bula principal sobre o fim da nova religião autorizada por ela. Porém, instado por Domingos, e inspirado por Deus, o Soberano Pontífice no mesmo dia assinou uma declaração da razão particular que o dirigira e, um mês mais tarde, julgou conveniente não guardar mais reserva na expressão do seu pensar e da sua vontade.

A 7 de fevereiro seguinte, Honório III confirmou por um breve formal uma disposição da sua primeira bula. Era aquela que proibia aos Pregadores abandonarem a sua regra por outra, a não ser que fosse mais austera.

Tendo Domingos, deste modo, obtido de Roma tudo quanto esperava, sentia desejos de voltar para junto dos seus. Mas a quaresma que estava quase a começar deteve-o. Aproveitou a ocasião para exercer na capital do mundo cristão o ministério apostólico que acabava de lhe ser confiado. O resultado que obteve foi enorme. Explicou as Epístolas de S. Paulo no próprio palácio do Papa, na presença de um numeroso auditório. Este fato nos mostra que ele, além da sua controvérsia com os hereges, seguia nas suas prédicas o método dos Doutores da Igreja, explicando ao povo as Sagradas Escrituras não em frases soltas apanhadas aqui e ali, mas com ordem, de forma que a historia, o dogma e a moral se amparassem mutuamente, e que a instrução fosse a base da eloqüência. O púlpito é, com efeito, uma escola de teologia popular. E' dele que, pelos lábios do sacerdote iniciado em todos os mistérios da ciência divina, desliza sobre o mundo a abundância da eterna doutrina com a tradição do passado e as esperanças do futuro. Conforme essa corrente aumenta ou diminui, assim cresce ou diminui a fé sobre a terra. Domingos, escolhido por Deus para reanimar o apostolado na Igreja, pesara sem dúvida as condições da palavra evangélica e, a julgar pela primeira experiência que fez em Roma em plena forca da vida, podemos ajuizar que ele ligava grande valor à explicação seguida das Sagradas Escrituras. Uma instituição memorável veio confirmar o fruto do seu ensino. O Papa, desejoso que esse ensino não fosse vantagem passageira para o povo romano e sobretudo para as pessoas da sua corte a quem era principalmente destinado, erigiu-o em um cargo perpétuo, cujo titular se ficou chamando Mestre do Sagrado Palácio. Domingos foi o primeiro revestido desse cargo que os seus descendentes têm até hoje desempenhado com honra. O tempo têm-lhe aumentado muito os deveres e os direitos. De pregador e doutor abrindo no Vaticano uma escola espiritual, o Mestre do Sagrado Palácio tornou-se o teólogo do Papa, o censor universal dos livros impressos ou introduzidos em Roma, o único com poder de conferir o grau de doutor na universidade romana, o incumbido de escolher aqueles que têm de pregar na presença do Santo Padre nas solenidades, funções estas realçadas ainda por grande número de privilégios honrosos, cuja herança se tem invariavelmente transmitido de uns filhos de Domingos para os outros.

Ao mesmo tempo que o Santo Patriarca se tornava conhecido em Roma pelas suas pregações, freqüentava também a casa do cardeal Ugolino, bispo de Óstia. Ugolino, da nobre família dos Conti, era um ancião venerável, ilustre por vinte anos de púrpura e setenta e três de vida. Era o amigo de S. Francisco de Assis, que lhe profetizara a tiara, e que muitas vezes lhe escrevera nestes termos:

“Ao reverendíssimo Padre e Senhor Ugolino,
futuro bispo do mundo inteiro e pai das nações”.

Apesar da sua avançada idade, sentiu-se atraído para Domingos, como já se sentira para Francisco, e no seu coração ainda novo achava capacidade para os amar a ambos de um igual afeto. E' privilégio de certas almas o serem até ao último suspiro férteis em ardentes emoções, e Domingos teve o de nunca lhe suceder perder uma afeição sem conquistar logo outra. O velho cardeal Ugolino, que estava destinado a morrer quase centenário sobre o trono pontifical, fora-lhe por Deus concedido para ser o seu guia para o túmulo, e o protetor da sua memória, para celebrar as suas exéquias com a piedosa devoção do amigo, e para gravar o seu nome no livro dos Santos com a infalibilidade do pontífice. Nem foi este o único fruto destas ilustres relações.

Havia em casa do cardeal um jovem italiano, chamado Guilherme de Montferrat, que viera a Roma para ali passar as festas da Páscoa. A vista e os discursos de Domingos moviam extraordinariamente este mancebo, e acabaram por lhe inspirar as resoluções que ele próprio nos narra do seguinte modo:

“Há de haver dezesseis anos
que eu vim a Roma passar o tempo da quaresma
e o papa hoje reinante,
que nesse tempo era bispo de Óstia,
recebeu-me em sua casa.
Nesse mesmo tempo Frei Domingos,
fundador e primeiro superior
da Ordem dos Pregadores,
estava na côrte romana,
e vinha a miúdo visitar o bispo de Óstia.
Isso deu-me ocasião de conhecê-lo:
a sua conversa agradou-me,
e comecei a afeiçoar-me a ele.
Falávamos muitas vezes sobre cousas
que diziam respeito à nossa salvação
e à salvação dos outros,
e parecia-me que nunca encontrara
homem mais religioso,
embora na minha vida tivesse já falado
com muitos que o eram.
Porém, nunca vira nenhum
com tão grande zelo
pela salvação do gênero humano.
Fui no mesmo ano estudar teologia a Paris,
porque combinara com ele
que depois de estudar dois anos,
e depois dele também ter terminado
o estabelecimento da sua ordem,
iríamos juntos trabalhar
na conversão dos pagãos da Pérsia
e dos países setentrionais”.

Atas de Bolonha,
2º depoimento

Deste modo conquistava Domingos o coração dos velhos e dos novos, e apenas se confirmara a sua Ordem já ele pensava em abrir-lhe em pessoa as portas do Norte e do Oriente. A sua alma, comprimida dentro da Europa civilizada, anelava pelos povos que o cristianismo ainda não iluminara; ansiava por acabar a sua carreira no meio deles e selar o seu apostolado com o selo do martírio.

Uma visão que teve veio animá-lo nestes seus ardentes projetos. Um dia em que orava em S. Pedro pela conservação e extensão da sua ordem, sentiu-se arrebatado em êxtase. Apareceram-lhe os dois Apóstolos S. Pedro e S. Paulo. S. Pedro apresentou-lhe um bordão, S. Paulo um livro, e ao mesmo tempo ouviu uma, voz que lhe dizia:

“Vai pregar,
pois para isso foste chamado”.

O B. Humberto
Vida S. Domingos, n. 26.

Na mesma ocasião viu os seus discípulos que dois a dois percorriam o mundo inteiro evangelizando-o. Desse dia em diante trouxe sempre consigo as epístolas de S. Paulo e o Evangelho de S. Mateus, e quer estivesse de viagem, quer em qualquer cidade, andava sempre de bordão na mão.