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Terceira viagem de S. Domingos a Roma. Confirmação da ordem dos Pregadores por Honório III. S. Domingos ensina no palácio do Papa.Enquanto se procedia com rapidez à construção do convento de Saint-Romain, sob a direcção de Domingos, uma notícia inesperada veio contristar o coração do Santo Patriarca. Inocêncio III falecia em Perugia a 16 de Julho e, dois dias depois, o cardeal Conti, da antiga família dos Sabelli, após uma eleição precipitada, subia ao trono pontifício, tomando o nome de Honório III. Esta morte roubava aos interesses dominicanos um protector certo e expunha-os a todas as eventualidades de um novo reinado. Inocêncio III pertencia a essa raça de homens que a Providência concedera a Domingos para o apreciar e amparar; era do mesmo sangue dos Azevedo, dos Toulouse e dos Montfort, nobre constelação cujos astros se iam extinguindo, uns após outros. Azevedo fora o primeiro a desaparecer, levando consigo o entrecho interrompido dos seus heróicos projetos; e agora, depois de Domingos laboriosamente reunir os seus fios sob os auspícios de Inocêncio III, desaparecia por sua vez esse grande papa, sem consumar a obra sobre a qual prometera pôr o derradeiro selo. Esta prova porém, foi de curta duração. Domingos, atravessando os Alpes pela terceira vez, conseguiu rapidamente do novo pontífice, apesar das dificuldades de uma nova administração, o prêmio devido aos seus longos trabalhos. A 22 de Dezembro de 1816, foi a sua ordem confirmada por duas bulas cujo texto glorioso é o seguinte :
A segunda bula, documento tão curto quanto profético, é concebida nos seguintes termos:
Estas duas bulas foram concedidas no mesmo dia em Santa Sabina. A primeira, além da assinatura de Honório, tem mais as de dezoito cardeais. Por mais favorável que fosse a sua redação, contudo os desejos de Domingos ainda não estavam todos satisfeitos; porque ele queria que o nome da sua ordem só por si fosse um testemunho perpétuo do fim que se propusera instituindo-a. Desde o princípio do seu apostolado sentira prazer na denominação de Pregador. Vê-se por um ato de homenagem a que assistira a 21 de junho de 1211, que se servia de um selo onde estavam gravadas estas palavras: `Selo de Frei Domingos, Pregador’. Quando veio a Roma, no tempo do concílio de Latrão, propunha-se, diz o bem aventurado Jordão de Saxe, obter do Papa uma Ordem de homens que tivessem o `exercício e nome de Pregadores’. Deu-se mesmo nessa época um fato notável. Inocêncio III, que havia pouco animara Domingos por uma aprovação verbal, precisou escrever-lhe. Chamou um secretário e disse-lhe:
Refletindo porém, um momento, disse:
Depois, refletindo novamente, disse:
Todavia Honório nas suas bulas abstivera-se de dar qualquer denominação à nova ordem. Foi sem dúvida para reparar este silêncio que ele, um mês depois, a 26 de janeiro de 1219, ditou as seguintes cartas:
Foi assim que o exercício e o nome de Pregadores foram atribuídos pontificalmente aos religiosos dominicanos. A graduação dos três documentos que acabamos de citar é muito notável. Na bula maior, resolvida em consistório e assinada pelos cardeais, não se trata de forma alguma do fim da ordem. Simplesmente a designam como uma
A segunda bula na sua brevidade é mais clara. Chama aos filhos de Domingos
Finalmente o terceiro diploma qualifica-os abertamente de
louva-os pelos seus passados trabalhos apostólicos e anima-os a continuá-los no futuro. O mistério destes documentos tem exercitado a perspicácia dos historiadores. Procuravam, sobretudo, saber as razões porque o Soberano Pontífice dera duas bulas sobre o mesmo assunto no mesmo dia; conjecturaram que a primeira era destinada a ficar nos arquivos da ordem, a segunda a servir-lhe como uma espécie de passaporte diário. Mas terá, porventura, uma ordem solenemente aprovada pela Santa Sé necessidade de apresentar uma bula a quantos se apresentarem? Não traz ela consigo mesma a sua autenticidade? E no caso de a contestarem, não será evidente que o documento necessário é aquele que contém as suas liberdades e privilégios, um documento de poucas linhas que não determina a sua situação canônica? Há, de resto, no progressivo reconhecimento dos Pregadores. uma singularidade que nos leva a urna outra explicação. Parece-nos provável que na corte pontifical existisse qualquer oposição ao estabelecimento de uma ordem apostólica e que fosse essa a causa do silêncio absoluto da bula principal sobre o fim da nova religião autorizada por ela. Porém, instado por Domingos, e inspirado por Deus, o Soberano Pontífice no mesmo dia assinou uma declaração da razão particular que o dirigira e, um mês mais tarde, julgou conveniente não guardar mais reserva na expressão do seu pensar e da sua vontade. A 7 de fevereiro seguinte, Honório III confirmou por um breve formal uma disposição da sua primeira bula. Era aquela que proibia aos Pregadores abandonarem a sua regra por outra, a não ser que fosse mais austera. Tendo Domingos, deste modo, obtido de Roma tudo quanto esperava, sentia desejos de voltar para junto dos seus. Mas a quaresma que estava quase a começar deteve-o. Aproveitou a ocasião para exercer na capital do mundo cristão o ministério apostólico que acabava de lhe ser confiado. O resultado que obteve foi enorme. Explicou as Epístolas de S. Paulo no próprio palácio do Papa, na presença de um numeroso auditório. Este fato nos mostra que ele, além da sua controvérsia com os hereges, seguia nas suas prédicas o método dos Doutores da Igreja, explicando ao povo as Sagradas Escrituras não em frases soltas apanhadas aqui e ali, mas com ordem, de forma que a historia, o dogma e a moral se amparassem mutuamente, e que a instrução fosse a base da eloqüência. O púlpito é, com efeito, uma escola de teologia popular. E' dele que, pelos lábios do sacerdote iniciado em todos os mistérios da ciência divina, desliza sobre o mundo a abundância da eterna doutrina com a tradição do passado e as esperanças do futuro. Conforme essa corrente aumenta ou diminui, assim cresce ou diminui a fé sobre a terra. Domingos, escolhido por Deus para reanimar o apostolado na Igreja, pesara sem dúvida as condições da palavra evangélica e, a julgar pela primeira experiência que fez em Roma em plena forca da vida, podemos ajuizar que ele ligava grande valor à explicação seguida das Sagradas Escrituras. Uma instituição memorável veio confirmar o fruto do seu ensino. O Papa, desejoso que esse ensino não fosse vantagem passageira para o povo romano e sobretudo para as pessoas da sua corte a quem era principalmente destinado, erigiu-o em um cargo perpétuo, cujo titular se ficou chamando Mestre do Sagrado Palácio. Domingos foi o primeiro revestido desse cargo que os seus descendentes têm até hoje desempenhado com honra. O tempo têm-lhe aumentado muito os deveres e os direitos. De pregador e doutor abrindo no Vaticano uma escola espiritual, o Mestre do Sagrado Palácio tornou-se o teólogo do Papa, o censor universal dos livros impressos ou introduzidos em Roma, o único com poder de conferir o grau de doutor na universidade romana, o incumbido de escolher aqueles que têm de pregar na presença do Santo Padre nas solenidades, funções estas realçadas ainda por grande número de privilégios honrosos, cuja herança se tem invariavelmente transmitido de uns filhos de Domingos para os outros. Ao mesmo tempo que o Santo Patriarca se tornava conhecido em Roma pelas suas pregações, freqüentava também a casa do cardeal Ugolino, bispo de Óstia. Ugolino, da nobre família dos Conti, era um ancião venerável, ilustre por vinte anos de púrpura e setenta e três de vida. Era o amigo de S. Francisco de Assis, que lhe profetizara a tiara, e que muitas vezes lhe escrevera nestes termos:
Apesar da sua avançada idade, sentiu-se atraído para Domingos, como já se sentira para Francisco, e no seu coração ainda novo achava capacidade para os amar a ambos de um igual afeto. E' privilégio de certas almas o serem até ao último suspiro férteis em ardentes emoções, e Domingos teve o de nunca lhe suceder perder uma afeição sem conquistar logo outra. O velho cardeal Ugolino, que estava destinado a morrer quase centenário sobre o trono pontifical, fora-lhe por Deus concedido para ser o seu guia para o túmulo, e o protetor da sua memória, para celebrar as suas exéquias com a piedosa devoção do amigo, e para gravar o seu nome no livro dos Santos com a infalibilidade do pontífice. Nem foi este o único fruto destas ilustres relações. Havia em casa do cardeal um jovem italiano, chamado Guilherme de Montferrat, que viera a Roma para ali passar as festas da Páscoa. A vista e os discursos de Domingos moviam extraordinariamente este mancebo, e acabaram por lhe inspirar as resoluções que ele próprio nos narra do seguinte modo:
Deste modo conquistava Domingos o coração dos velhos e dos novos, e apenas se confirmara a sua Ordem já ele pensava em abrir-lhe em pessoa as portas do Norte e do Oriente. A sua alma, comprimida dentro da Europa civilizada, anelava pelos povos que o cristianismo ainda não iluminara; ansiava por acabar a sua carreira no meio deles e selar o seu apostolado com o selo do martírio. Uma visão que teve veio animá-lo nestes seus ardentes projetos. Um dia em que orava em S. Pedro pela conservação e extensão da sua ordem, sentiu-se arrebatado em êxtase. Apareceram-lhe os dois Apóstolos S. Pedro e S. Paulo. S. Pedro apresentou-lhe um bordão, S. Paulo um livro, e ao mesmo tempo ouviu uma, voz que lhe dizia:
Na mesma ocasião viu os seus discípulos que dois a dois percorriam o mundo inteiro evangelizando-o. Desse dia em diante trouxe sempre consigo as epístolas de S. Paulo e o Evangelho de S. Mateus, e quer estivesse de viagem, quer em qualquer cidade, andava sempre de bordão na mão. |