CAPÍTULO OITAVO

1.

Vou passar agora à categoria das inteligências celestes de ordem intermediária. Com os olhos do espírito contemplarei o melhor que puder as dominações e a maravilhosa visão das divinas virtudes e potestades (Ef. 1, 21; 3, 10; Col. 1. 16; 2, 10; I Pe. 3, 22; Rom. 8, 38). Cada denominação dos seres tão superiores a nós apresenta maneiras distintas de imitar a Deus e configurar-se com Ele.

O nome revelador de "dominações" significa, creio eu, um elevar-se livre e desagrilhoado de tendências terrenas, sem inclinar-se a nenhuma das tirânicas dessemelhanças que caracterizam aos duros domínios. Como não toleram nenhum defeito, estão acima de qualquer servidão. Limpas de toda dessemelhança, esforçam-se constantemente em alcançar o verdadeiro domínio e fonte de todo o senhorio. Benignamente, e segundo sua capacidade, recebem elas e seus inferiores a semelhança do Senhor. Desdenham as aparências vazias, e se encaminham totalmente ao verdadeiro Senhor. Participam o mais que podem na fonte eterna e divina de todo domínio.

A denominação de santas "virtudes" alude à fortaleza viril, inquebrantável em toda obra, ao modo de Deus. Firmeza que exclui toda preguiça e moleza, enquanto permanece sob a iluminação divina que lhes é dada, e ergue firmemente até Deus. Longe de desprezar por preguiça o impulso divino, dirige-se diretamente à potência supraessencial, fonte de toda a fortaleza. De fato, esta firmeza chega a ser, dentro do possível, verdadeira imagem da Potência de que toma forma, e à qual está firmemente orientada por ser ela a fonte de toda a fortaleza. Ao mesmo tempo transmite aos seus inferiores o poder dinâmico e divinizante.

As santas "potestades", como seu nome indica, tem o mesmo grau que as dominações e as virtudes. Estão harmoniosamente dispostas, sem confusão, para receber os dons de Deus. Indicam, ademais, a natureza ordenada do poder celestial e intelectual. Longe de abusar tiranicamente de seus poderes, causando dano aos inferiores, erguem-se até Deus harmoniosa e indefectivelmente; em sua bondade elevam consigo às ordens inferiores. Parecem-se, dentro do possível, ao poder que é fonte e autor de todo poder.

Deste modo, a hierarquia das inteligências celestes mostra sua configuração com Deus. Como fica dito, assim alcança a purificação, iluminação e perfeição, recebendo de Deus as iluminações que chegam já através da primeira ordem hierárquica.

2.

Esta transmissão de uns anjos a outros simboliza a perfeição a qual, como vem de longe, vai diminuindo a sua luz ao passar da primeira à segunda ordem. Os santos mestres que nos iniciaram nos mistérios de Deus ensinam que a perfeição das realidades divinas, quando elas se revelam diretamente, é superior à participação por visões que chegam de outros modos. De igual modo, creio eu, participam mais perfeitamente de Deus os anjos que lhe são mais imediatos que os outros aos quais a participação chega por mediadores. Assim, pois, utilizando-nos dos termos tradicionais, as primeiras inteligências aperfeiçoam, iluminam e purificam às de grau inferior de tal maneira que estas, por terem sido elevadas através das primeiras até à fonte universal e supraessencial, participam, segundo sua capacidade, da purificação, iluminação e perfeição do Único que é fonte de toda a perfeição.

O princípio divino de toda ordem estabeleceu a lei universal de que os seres do segundo grupo recebam a iluminação da Deidade por meio dos seres do primeiro. Como podes comprová-lo, isto é freqüentemente afirmado pelos autores sagrados.

Deus, por amor à humanidade, corrigiu Israel para que voltasse santamente ao caminho da salvação. Entregou-o à vingança das nações bárbaras, para que se convertesse de coração. Deste modo Deus reafirmava sua vontade de levar até à perfeição aos homens colocados sob a sua especial providência. Em seguida, libertou misericordiosamente a Israel da catividade (Is. 61, 1; Lc. 4, 18), restabelecendo-o em seu primeiro estado. Zacarias, teólogo, teve uma visão a este respeito. Era um anjo da primeira ordem, um dos mais próximos de Deus, que recebia diretamente dEle o que a Escritura chama "palavras de consolo" (Zac. 1, 13). Já disse que o nome anjo é comum a todos os seres celestes. Outro anjo de grau inferior foi ao encontro do primeiro e dele recebia iluminação. Deste modo, instruído por ele como por um hierarca nos planos de Deus, o anjo por sua vez confiou ao teólogo que

"multidões voltarão outra vez a povoar plenamente Jerusalém".

Zac. 2, 4

Ezequiel, outro teólogo, declara que tudo isto foi santamente disposto pela mesma Deidade que em sua glória, superior a toda a glória, tem à sua disposição os querubins (Ez. 10, 18). Deus, levado por amor paternal aos homens, queria a correção para o proveito de Israel, e com um ato de eqüidade digna dEle determinou separar os inocentes dos culpados. O primeiro a ser nisso instruído, depois do querubim, foi aquele que estava cingido com cinturão seráfico e vestia um manto até os pés em sinal de sua missão hierárquica (Ez. 9, 2; 10, 6-8). Ele, por sua vez, comunicava a decisão divina aos outros anjos, os que levavam machados (Ez. 9, 1-3). Assim cumpria as ordens da Deidade, fonte da ordem que mandava atravessar toda Jerusalém e pôr um sinal sobre a fronte dos inocentes. Disse aos outros:

"Passai pelo meio da cidade e feri. Não sejam compassivos vossos olhos, nem tenhais compaixão alguma. Porém não vos aproximeis de nenhum dos que trazem o sinal".

Ez. 9, 5-6

Que dizer do que anunciou a Daniel que "a ordem está dada" (Dan. 9, 23)? Ou do primeiro que apanhou o fogo do meio dos querubins (Ez. 10, 2)? Ou do querubim que colocou fogo nas mãos do que vestia a "estola sagrada" (Ez. 10, 6-8), coisa que mostra claramente a boa ordem que existe entre os anjos? Que diremos daquele que chamou ao diviníssimo Gabriel e lhe disse:

"Explica a este a visão"?

Dan. 8, 16

E todos aqueles exemplos que mencionam os sagrados teólogos em relação à variadíssima ordem das hierarquias celestes. Nossa hierarquia tenta imitar, dentro do possível, aquela ordem e beleza angélica, configurar-se à sua imagem e elevar-se até à fonte supraessencial de toda ordem e de toda hierarquia.