CAPÍTULO SÉTIMO

1.

De acordo com esta ordem das sagradas hierarquias, dizemos que os nomes dados às inteligências celestes significam os modos distintos de receber a propriedade deiforme. Os que sabem hebraico reconhecem que o santo nome "serafim" significa inflamado ou incandescente, isto é, enfervorizante (Is. 6, 2-6).

O nome querubim significa plenitude de conhecimento ou transbordante de sabedoria (Gen. 3, 24; Ex. 25, 18-22; 37, 6-9; Num. 7, 89; I Sam. 4, 4; I Re. 6, 23-28; 8, 6-7; Sl. 18, 10; 80, 1; 99, 1; Is. 37, 16; Ez. 10, 3-22; Ex. 1, 4-28). Com razão, portanto, os seres mais elevados constituem a primeira hierarquia, a de mais alto grau, os mais eficientes por estarem mais próximos de Deus. Situados imediatamente ao seu redor, recebem as mais primorosas manifestações e perfeições de Deus. Por isso chamam-se "enfervorizantes" e tronos. Pelo mesmo motivo são também chamados transbordantes de sabedoria. Nomes que indicam seu constante configurar-se com Deus.

O nome serafim significa incessante movimento em torno às realidades divinas, calor permanente, ardor transbordante, em movimento contínuo, firme e estável, capacidade de gravar sua marca nos subordinados fixando e levantando neles chama e amor parecidos; poder de purificar por meio de chama e raio luminoso; aptidão para manter evidente e sem esmorecimento a própria luz e sua iluminação, poder de afugentar as trevas e qualquer sombra obscurecedora.

O nome querubim, poder para conhecer e ver a Deus; receber os melhores dons de sua luz; contemplar a divina Beleza em sua pura fonte; acolher em si a plenitude dos dons portadores de sabedoria e compartilhá-los generosamente com os inferiores, conforme ao plano benfeitor da sabedoria transbordante.

O nome dos sublimes e mais excelsos tronos indica que estão muito acima de toda a deficiência terrena, como se manifesta pela sua ascensão até os cumes; que estão sempre afastados de qualquer baixeza; que passaram a viver completa e eternamente na presença daquele que é realmente o Altíssimo; que livres de toda a paixão e cuidados materiais estão sempre prontos para receber a visita da Deidade; que são portadores de Deus e estão prontos como os servos para acolher a Ele e aos seus dons (Sl. 80, 1; 99, 1; Col. 1, 16).

2.

Esta é a explicação, na medida em que podemos humanamente entendê-lo, do motivo pelo qual são e se chamam assim. Falta-me dizer o que entendo pela sua hierarquia. Creio já ter dito suficientemente que toda hierarquia tem como fim imitar sempre a Deus até configurar-se com Ele, e cumpre o ofício de receber e transmitir a purificação imaculada, a luz divina e o saber que leva à perfeição. Devo expor aqui em palavras, oxalá dignas destas inteligências superiores, o que as Sagradas Escrituras revelam de suas hierarquias.

Os primeiros seres têm seu lugar junto à Deidade, a quem devem o que são. Estão e estiveram no seu vestíbulo. Superam todo poder, visível ou invisível, que esteja submetido a mudança. Constituem uma só hierarquia completamente igual.

Temos que pensar que são totalmente puros, não porque estejam livres de qualquer mancha ou feiúra profana, nem porque imagens terrenas os sujem. São puros porque transcendem completamente toda debilidade e graus inferiores dos santos. Sua pureza suprema os coloca acima de outros poderes deiformes; faz com que adiram inquebrantavelmente a sua própria ordem movendo-se eternamente em constante amor de Deus. Não conhecem a experiência de terem-se rebaixado a coisas inferiores, pois têm como propriedade serem semelhantes a Deus, cimentos eternamente indeficientes, inamovíveis e totalmente incontaminados.

São também "contemplativos", não porque contemplem imagens sensíveis ou do entendimento, nem porque se elevem a Deus em variada contemplação das Sagradas Escrituras. São-no porque estão cheios de uma luz superior que excede todo conhecimento, e porque são invadidos por uma tríplice luz transcendente daquele que é princípio e fonte de toda a beleza. São contemplativos também porque conseguiram entrar em comunhão com Jesus, não por meio de símbolos sagrados que representem a bondade de Deus atuando desde fora, mas porque realmente têm intimidade com Ele e participam no conhecimento profundo das luzes divinas que imediatamente operam externamente. Privilégio especial de ser como Deus, na medida em que lhes é possível. Com seu poder, antes de tudo participam em Sua atuação e em suas amáveis virtudes.

São perfeitos, não pela iluminação que os capacita para entender profundamente os mistérios sagrados, mas pela plenitude de sua deificação primordial, seu transcendente e angélico conhecimento da atuação de Deus. Deus mesmo os instrui hierarquicamente por meio de outros santos seres. Puderam conseguí-lo graças à capacidade que têm de levantar-se até Ele. Poder que é a marca de superioridade sobre as demais ordens. Estão fixos junto à perfeita e indeficiente pureza e, na medida em que lhes é possível, são atraídos à contemplação da beleza imaterial e intelectual. Por ser os primeiros ao redor de Deus são hierarquicamente os mais altos. O verdadeiro Princípio de perfeição os instrui sobre as razões inteligíveis das obras de Deus.

3.

Os teólogos afirmaram claramente que entre os seres celestes tudo o que as ordens inferiores conhecem das obras de Deus recebem-no em forma conveniente das superiores. No entanto, é a própria Deidade que, na medida do possível, ensina iluminando aos de grau mais elevado. Referem-nos que alguns são santamente ensinados pelos de grau superior. Alguns aprendem que o Rei da Glória, aquele que subiu aos Céus em forma humana, é o "Senhor dos poderes celestiais" (Sl. 24, 10). Outros, em suas dúvidas sobre a natureza de Jesus, adquirem conhecimento de sua obra divina com proveito da humanidade. É Jesus mesmo quem os instrui na obra que misericordiosamente levou a efeito por amor ao homem: "Eu sou o que fala em justiça, o poderoso para salvar" (Is. 63, 1).

Porém aqui há algo surpreendente. Os primeiros dos seres celestes, os superiores a todos, mostram-se circunspectos assim como os de grau intermediário quando desejam iluminação a respeito da Deidade. Não perguntam diretamente: "Por que são vermelhos os teus vestidos?" (Is. 63, 2). Começam por perguntarem-se uns aos outros, mostrando assim seus intensos desejos de aprender e de saber como são as operações de Deus. Não se antecipam ao derrame da luz com que Deus os alimenta.

Por isso, a primeira hierarquia das inteligências celestes está hierarquicamente dirigida pela Fonte de toda a perfeição, porque pode elevar-se diretamente até Ela. Recebe, segundo sua capacidade, plena purificação, luz infinita, perfeição completa. Purifica-se, ilumina-se, e aperfeiçoa-se até se tornar isenta de qualquer debilidade, saturada de pura luz. E consegue alcançar a perfeição como participante do conhecimento e da sabedoria primordial.

Em resumo, podemos dizer com razão que a purificação, iluminação e perfeição, as três são plena participação da ciência divina. Esta purifica de toda ignorância dando a cada um, segundo sua capacidade, conhecimento dos mistérios mais elevados. Ilumina com a mesma sabedoria de Deus, a qual também purifica as manchas ainda não advertidas, porém que agora são vistas, sendo a luz mais abundante. Ademais, mediante esta mesma luz, aperfeiçoa o conhecimento com fulgores mais brilhantes.

4.

Esta é, segundo meus conhecimentos, a primeira hierarquia dos seres celestes, o círculo mais próximo de Deus (Is. 6, 2; Ap. 4, 4). Gira sem cessar com plena simplicidade em torno ao que é eterno conhecimento, estabilidade eternamente móvel. Para sempre e totalmente, tal como convém aos anjos. Com um só olhar, puro, pode experimentar múltiplas contemplações bem aventuradas e também receber diretamente os simples raios luminosos. Sacia-se com alimento divino, abundante, porque vem do banquete celestial. Único, porque os revigorantes dons de Deus conduzem ao Uno em unidade, sem diversidade.

Esta primeira hierarquia é particularmente digna de familiaridade com Deus e coopera com Ele. Imita, enquanto possível, a beleza do poder e atividade próprios de Deus, com elevado conhecimento de muitos mistérios divinos. Pelo que as Escrituras transmitiram aos que habitam na terra os hinos que cantam estes anjos da primeira hierarquia (Apoc. 4, 8; 6, 10; 11, 16; 11, 5; 15, 2; 19, 1-8). Desta maneira fica santamente manifesta a sua iluminação transcendente. Alguns destes hinos são, para dizê-lo com uma imagem sensível, o "ruído de um rio caudaloso" (Ez. 1, 24; Ap. 14, 2; 19, 6) quando proclamam: "Bendita seja em seu lugar a glória do Senhor" (Ez. 3, 12). Outros cantam com veneração aquele famoso hino de louvor a Deus: "Santo, Santo, Santo, Senhor dos exércitos! A terra está cheia de sua glória" (Is. 6, 3; Ap. 4, 8).

Em meu livro "Hinos Divinos" já expliquei o melhor que pude os sublimes louvores que aquelas santas inteligências cantam sobre os Céus. Creio que ali expus tudo o que convinha dizer. Pelo que diz respeito ao meu propósito, limito-me a repetir aqui que quando a primeira ordem recebeu, segundo a sua capacidade, a iluminação divina diretamente de Deus, transmite-a, como é próprio de uma hierarquia benfeitora, a seus inferiores imediatos. Seu ensinamento reduz-se a isto: É justo e bom que as inteligências deíficas, enquanto possível, conheçam e honrem à adorável Deidade, que merece todo o louvor, ainda que esteja muito acima de tudo. São estas inteligências, por viverem em conformidade com Deus, o lugar onde mora a Deidade, como diz a Escritura (Is. 66, 1; Num. 10, 36; I Cron. 6, 31; II Cron. 6, 41; Ex. 37, 7-9; I Sam. 4, 4; II Sam. 6, 2; II Re. 19, 15; Sl. 80, 1; 99, 1).

Este primeiro grupo transmite o ensinamento de que a Deidade é Unidade, Una em Três Pessoas, que sua esplêndida providência se estende desde os seres mais elevados no Céu até às ínfimas criaturas da terra. É a Causa e Fonte que transcende a fonte de todo ser e supraessencialmente atrai todas as coisas ao seu perene abraço.