QUE OS PAIS TENHAM PACIÊNCIA EM ESPERAR A VOLTA DE SEUS FILHOS

- Quem será tão miserável - me contestais - que não deseje para seus filhos a glória do primeiro posto? Mas nós buscamos a convivência e desejamos que nossos filhos fiquem conosco. Eu também quero isto e não peço a Deus com menos fervor que vós que os gerastes, a volta de vossos filhos à casa paterna, e que vos paguem a dívida de sua criação, que é a maior que o homem tem. Mas não a exijamos por enquanto. Quando os mandais ao estudo das letras, os desterrais por um logo tempo da própria pátria e quando devem aprender uma arte mecânica e ainda mais vil que a mecânica vós fazeis a casa inacessível, obrigando-os a comer e dormir na casa do mestre; não será, então, um absurdo, que quando devem aprender não uma disciplina humana, mas a filosofia do céu, vós os dissuadis imediatamente antes de haverem saído como desejamos? O saltimbanco que aprende a correr pela corda esticada se afasta por um longo tempo dos seus; e vamos fechar com os papais os que têm que aprender a voar da terra ao céu ? Existe insensatez mais funesta? Não vedes como os lavradores, por mais pressa que tenham em gozar do fruto de seu trabalho, jamais consentiriam que se fizesse a colheita antes do tempo? Pois não afastemos antes do tempo, tampouco, nossos filhos de sua vida solitária, deixemos que se assentem bem os ensinamentos e que as plantas lancem raízes. Que passem dez, vinte anos no mosteiro, não nos perturbemos, não nos aflijamos por isso, pois quanto mais tempo passarem no ginásio, mais forças adquirirão. Ou melhor, não determinemos tempo algum; que o limite seja o tempo necessário para levar a plena estação os frutos de sua da virtude. Então, que voltem do deserto na hora certa; não antes. De semelhante precipitação não havemos de tirar outro proveito, senão que sua virtude jamais chegue a amadurecer. Porque o fruto que se retira antes do tempo da seiva da raiz, nem mesmo chegada sua estação será de bom proveito. Para que não aconteça isto com vossos filhos, suportemos pacientemente a separação e não só não tenhamos pressa em que voltem, mas que, se eles a tiverem, que os impeçamos. Porque se voltar perfeito, o proveito será universal: para o pai, para a mãe, para a família, a cidade, e a nação; se ele se apresentar, ao contrário, imperfeito, será o escárnio e o opróbrio de todo o mundo e fará danos a si mesmo e aos outros. Não lhe causemos tamanho prejuízo. Quando enviamos nossos filhos para uma viagem, é certo que desejamos voltar a vê-los, uma vez não obtido o objetivo da viagem; porém se apresentam-se antes, a pena da frustração da viagem nos dilui o prazer da volta. Pois como não qualificar de suma estupidez não colocar no espiritual o mesmo empenho que mostramos no temporal? Aqui levamos tão resignadamente a separação dos filhos que até fazemos votos que ela se prolongue, quando disto há de resultar algum proveito; no espiritual, ao contrário, somos tão brandos e se nos rompe o coração em tantos pedaços diante da perspectiva de uma viagem, que por esta pusilanimidade se desbaratam e frustam os maiores bens. E isso sendo que os consolos são maiores aqui, não só porque marcham para combates mais gloriosos e a vitória é em todos os pontos segura e nada há que possa frustrar nossas esperanças, a não ser a própria separação. Numa viagem longa, não é fácil ver os filhos, sobretudo se os pais já são idosos; no mosteiro, ao contrário, pode-se ir vê-los freqüentemente. E isto é por certo o que devemos fazer, enquanto eles não puderem vir até nós. Vamos nós até eles e convivamos e conversemos com eles. Disto há de nos resultar grande proveito e prazer. Porque não só nos alegraremos em ver nossos filhos amados, mas voltaremos para casa ricos de frutos de virtude e até pode acontecer que, presos no amor pela filosofia, fiquemos com eles.

Em conclusão: só os chamemos quando se tiverem feito fortes, quando forem capazes de aproveitar aos demais; só então lhes poderemos fazer violência, a fim de que a luz seja comum e a lâmpada brilhe sobre o candeeiro. Então vereis de que filhos vós sois pais, esses que considerais agora ditosos. Então sabereis o que vale a filosofia, quando os virdes curando os homens que sofrem de enfermidades incuráveis, quando forem proclamados como benfeitores, protetores e salvadores universais, quando andarem como anjos entre os homens da terra, quando todos fixarem neles os seus olhos. Enfim, por mais que digamos, nada há de se igualar ao que se pode ver pela experiência e pelos próprios feitos.