OS FILHOS DA CARNE E OS FILHOS DO ESPÍRITO

16.

Mas por acaso tendes vontade de ver os filhos dos vossos filhos? E com que direito, se ainda não haveis chegado a ser seus verdadeiros pais? Porque certamente não é o gerar que faz o verdadeiro pai, e assim o reconhecem os próprios progenitores que, quando vêm seus filhos jogados na maldade extrema, os rejeitam e desconhecem como se não fossem seus filhos, sem que natureza, nem geração, nem título semelhante possa conte-los. Que não pretendam, pois, considerar-se pais aqueles que ficam tão abaixo de seus filhos na filosofia; se na virtude os tivessem gerado, então poderiam buscar a nova descendência, pois só então, ademais, seriam capazes de vê-la. Porque, sim, vossos filhos têm filhos,

"não nascidos do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade de varão, mas do próprio Deus".
Jo 1,13

Estes filhos não obrigam seus pais a se matarem para ganhar dinheiro nem que andem preocupados com seu casamento ou assuntos semelhantes, mas, deixando-os livres de toda preocupação, proporcionam-lhes prazer superior ao que gozam os pais naturais. É que os filhos do espírito não são gerados nem criados para os mesmos fins que os da carne, mas para fins mais altos e gloriosos. Por isto proporcionam também maior alegria a seus progenitores.

Além disto, eu te diria também que não há nada de surpreendente que os que não têm fé na ressurreição se lamentem de não ver os filhos de seus filhos, pois afinal este é o único consolo que lhes resta; mas se consideramos a morte como um sono e se aprendemos a desprezar tudo o que é terreno, que perdão mereceríamos se chorássemos por isto? Que sentido tem buscar ver os filhos e deixá-los numa terra da qual temos pressa em sair e onde vivemos gemendo e chorando? Seja dada razão aos mais espirituais; aos que amam tanto seu corpo e se sentem fortemente apegados à vida presente, poderíamos dizer em primeiro lugar que de qualquer forma é incerto que resultem filhos do matrimônio; e logo que, se nascem, dão mais tristeza do que alegria. O gozo que efetivamente nos proporcionam não admite comparação com o peso da preocupação diária, as angustias e os temores que originam em nós.