O EVANGELHO, COM AS SUAS ADMOESTAÇÕES E CASTIGOS, CONFIRMA ESTA MESMA VERDADE

Mas se ainda te admiras e estás perplexo, permita-me que tome outra vez a água das mesmas fontes, para ver se consigo lavar completamente os teus ouvidos de toda a malícia de incredulidade. E basearei minha demonstração nos castigos que o Senhor nos promete para o derradeiro dia. Assim, pois, aquele rico do Evangelho não foi mais rigorosamente punido porque vivendo solitário foi cruel, mas antes, se posso dizer algo de minha autoria, porque sendo leigo e vivendo entre riquezas e vestindo-se de púrpura, não se incomodou com Lázaro, que se achava em extrema pobreza. Contudo, eu não quero afirmar nem uma coisa nem outra, mas simplesmente que foi cruel e por isso foi rigorosamente castigado no fogo do inferno. E as virgens insensatas, por se acharem escassas de humanidade, foram excluídas da sala de bodas; e se é lícito dizer algo pela minha própria conta, não só não contribuiu a virgindade para aumentar-lhes o castigo, mas talvez o tenha diminuído, pois não foi dito a elas:

"Marchai para o fogo eterno, preparado para satanás e seus anjos",

mas só:

"Não vos conheço".
Mt 25, 12

Mas se alguém disser que tanto vale isto como aquilo, eu não o contradirei, pois o que agora tratamos de demonstrar é que a profissão do monge não agrava os castigos, mas que os leigos e os monges são réus das mesmas penas se cometem os mesmos pecados. E o que entrou no banquete com roupas sujas e o que reclamou os cem dinheiros não sofreram o que sofreram por serem solitários, mas um por ter se perdido por fornicação e o outro por ressentimento. E deste modo, examinando os outros casos de castigos de que nos fala o Evangelho, se verá ser unicamente o pecado o que determina o castigo.

E o mesmo que se diz sobre os castigos cabe dizer das admoestações que o Senhor nos dirige. Assim, quando diz:

"Vinde a mim os que trabalhais e estais sobrecarregados, e eu vos aliviarei; tomai sobre vós o meu julgo e aprendei de mim, porque eu sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas",
Mt 11,28

não fala só com os solitários, mas com todo o gênero humano. Igualmente, quando nos manda caminhar pelo caminho estreito, também não dirige suas palavras exclusivamente aos monges, mas a todos os homens. E também são ordens comuns a todos as de odiar a própria alma neste mundo e todas as outras ordens do mesmo modo. Ao contrário, quando não fala com todos nem põe leis universais, nos dá a entender com toda a clareza. Assim, por exemplo, quando falou da virgindade, acrescentou:

"O que puder entender entenda",
Mt. 19,12

sem acrescentar a palavra todos, nem dar ao seu ensinamento um tom de mandamento. Pelo mesmo motivo, Paulo, que imitava em tudo o seu Mestre, tratando desta matéria, dizia:

"Sobre as virgens, não tenho mandamento da parte do Senhor".
1 Cor 7,25

Em conclusão, nem o mais obstinado e persistente poderá sustentar que não estejam obrigados monges e leigos a subir ao mesmo cume e que, se caírem, não recebam uns e outros as mesmas feridas.