INCERTEZA DE ÊXITO NAS LETRAS

13.

Mas, já que muitos pais insistem desejando ver os seus filhos vivendo nas letras, como se soubessem com certeza que hão de chegar à cúspide da eloquência, não vamos discutir obstinadamente este ponto nem lhes diremos que fracassarão em seus intentos. Admitamos que dominarão absolutamente o estudo e chegarão à meta proposta. Mas se nos apresentam uma dupla opção: freqüentar as escolas e lutar pela instrução ou marchar para o deserto e lutar pela alma, onde é que vale mais vencer? Porque se é possível vencer nas duas partes, também eu o quero; mas se há que se decidir por uma das duas, deve-se escolher a melhor.

- Muito bem - me dizes -; mas como saberemos isto, quero dizer, que se manterá firme, perseverará e não cairá? Porque são muitos os que caíram.

- E como saberemos que não se manterá firme nem perseverará? Porque muitos são os que se mantiveram firmes, e mais numerosos do que os que caíram, de maneira que mais confiança hão de nos infundir aqueles do que estes o temor. E por que não temes o mesmo no estudo das letras, onde terias todos os motivos para temer? Porque, entre os muitos monges, poucos fracassaram; mas nos estudos das letras, de muitos, poucos triunfaram. E não é este o único motivo, mas há muitos outros a temer com mais razão no estudo das letras do que na profissão monacal. A incapacidade da criança, a ignorância dos mestres, a negligência dos aios, as ocupações do pai, a falta de dinheiro para gastos e salários, a diferença de caracteres, a maldade, a inveja e a ojeriza dos companheiros de estudo e tantas coisas mais são outros obstáculos para alcançar a meta ambicionada. E nem sequer são só estes, mas, passada esta meta, ainda se apresentam outros muitos. Quando o jovem tiver superado tudo e tiver chegado ao término de sua instrução, aqui o espera outra emboscada. Muitas vezes a malevolência do governante, a inveja dos companheiros de profissão, a dificuldade das circunstâncias, a falta de amigos, a própria pobreza, enfim, são coisas para que não se consiga o êxito.

Nada disto se dá entre os monges. Ali só se requer uma coisa: uma generosa e boa vontade. Se esta ocorre, não há nada que impeça chegar ao cume da virtude. Pois bem, não é injusto se desesperar e tremer onde as boas esperanças são mais claras e próximas, e confiar onde são mais distantes, havendo tantos obstáculos que se cruzam no caminho, e as dificuldades mais patentes e numerosas? Nas letras não se considera os fracassos que muitas vezes acontecem, mas os êxitos que escassamente se dão; na virtude monástica se faz o contrário. E assim, onde as esperanças do bem são muitas, só se considera o mal possível; onde o provável é o mal, só se conta com o bem. Na verdade, na profissão das letras, ainda quando se tem todas as circunstâncias favoráveis ao êxito, muitas vezes, quando se chega à meta, uma morte prematura arrebata o atleta sem ser coroado, depois de suores infinitos; mas na profissão monacal, se a morte surpreende o monge no meio dos seus combates, então mais do que nunca sai deste mundo glorioso e coroado.

Em conclusão, se temes pelo futuro, é nas letras onde particularmente deverias temer, pois nelas são muitos os obstáculos para se chegar ao término. Mas de um lado, não achas inconveniente esperar largo tempo, olhando só para o término e não para o intermédio, os gastos, quero dizer, a miséria e a incerteza do resultado; de outro lado, porém, quando teu filho ainda não pisou nos umbrais nem pôs a mão nesta bela filosofia, imediatamente te lanças a temer e a tremer e não és homem para ter um só pensamento razoável.

- Contudo, tu mesmo disseste antes: Pois então? Por acaso, o que habita uma cidade e sustenta uma família não pode se salvar?

- Logo se com mulher e casa e morando na cidade é possível salvar-se, muito mais fácil será, sem mulher e demais impedimentos. Porque não pode um mesmo sujeito ter confiança, mesmo quando se sente amarrado às coisas terrenas, por crer que ainda assim é possível a salvação, e temer e tremer por outra parte quando se vê livre de tudo, como se não fosse possível viver santamente sem essas coisas. Se, como dizias, é possível salvar-se o que habita uma cidade, muito mais aquele que se retira para o deserto. Como temes, pois, aqui o impossível e não temes onde deverias temer?