O ESTUDO DA ELOQÜÊNCIA NÃO MERECE ATENÇÃO PREFERENCIAL POR PARTE DO CRISTÃO

Mas, se concordas, consideremos como possível o impossível. Que proveito tiramos da perícia no falar, se recebemos um golpe mortal? E que dano nos traz a imperícia, se salvamos o principal? E isto não é opinião só dos que zombamos da sabedoria profana e a consideramos loucura, mas é verdade confessada pelos próprios filósofos de fora. Por isso a maior parte destes não se dedicaram com demasiado afinco ao seu estudo e outros o desprezaram completamente e passaram a vida em plena ignorância em relação à eloqüência, consagrando toda sua atividade à parte moral da filosofia , na qual brilharam e se fizeram famosos. Assim, nem Anacarsis, nem Crates, nem Diógenes fizeram estudo algum neste sentido, e não faltam os que dizem que nem o próprio Sócrates. E disto pode nos dar testemunho quem destacou-se sobre todos nesta arte e penetrou mais fundo que os outros nas intimidades de seu mestre. O fato é que Platão, ao introduzir Sócrates diante de seus juizes para pronunciar seu discurso de defesa, na Apologia, o faz falar nestes termos:

"Mas vós ireis escutar de minha boca toda a verdade, isso sim, eu vos juro por Zeus, ó atenienses: o que não ireis ouvir são discursos adornados com rodeios e palavras, como os de meus inimigos, nem retoricamente ornamentados, mas ouvireis coisas ditas com paixão e com as palavras que me ocorram. Porque estou convencido ser justo o que vos digo, e ninguém de vós espere de mim outra coisa. Na verdade, nem seria decente que nesta minha idade eu viesse a vós como um menino que pule cuidadosamente os seus discursos".
Plat. Apol. 17 bc.

Ao falar deste modo, Sócrates dava a entender que se não aprendeu e nem exercitou a eloqüência não foi por negligência, mas porque a tinha como assunto que não valia a pena. De fato, a boa lábia não é coisa que combine com filósofos , nem com homens feitos e direitos, mas insignificância e brinquedo de meninos, como é considerado pelos próprios filósofos, não por quaisquer, mas por aquele que na eloqüência foi príncipe de todos eles, pois, o não consentir que seu mestre se adornasse com suas galas, é porque tinha tal adorno como feio em um filósofo.

Isto bastaria razoavelmente para um incrédulo, ou melhor dizendo, também para um crente. Não é, efetivamente, absurdo que quem anda em busca de aura popular e não tem outro meio de brilho senão a sabedoria profana, a considere como de nenhum valor e nós a admiremos e nos encantemos a tal ponto por ela que, para alcança-la, desdenhemos o mais necessário?