O VÍCIO, DISFARÇADO COM NOME DE VIRTUDE

E não termina aqui o mal com que exortais vossos filhos a agir contra as ordenações de Cristo, mas sabeis cobrir o vício com bonitos nomes e chamais urbanidade à assistência contínua aos hipódromos e aos teatros, liberdade à riqueza, magnanimidade à ambição de glória, franqueza à arrogância, amor à devassidão e valentia à iniquidade. Logo, como se não bastasse esta engano, também batizais a virtude com nomes contrários, chamando rusticidade à temperança, covardia à modéstia, falta de hombridade à justiça; a humildade é para vós subserviência e a paciência debilidade. Não parece senão que temeis que, vossos filhos, ouvindo de outros o verdadeiro nome destes vícios, fujam de sua pestilência. E efetivamente, não é pouca coisa para apartá-los dos vícios, chamá-los pelos seu verdadeiros nomes. Isto tem tanta força para ferir aos que pecam, que muitos, muitas vezes, mesmo os que por fama pública cometem as mais vergonhosas ações, perdem a paciência se são chamados pelo que são, e se irritam e se enfurecem, como fossem submetidos aos mais duros tormentos. Assim, se a uma mulher rameira ou a um jovem que atenta contra o pudor se atribui o nome que corresponda à ação torpe que cometem, convertem-se em inimigos irreconciliáveis, como se lhes houvessem desferido a maior ofensa. E o mesmo pode se dizer dos avarentos, dos bêbados, dos fanfarrões e, em uma palavra, dos que cometem os mais graves pecados. Toda esta espécie de gente não se sente tão ferida nem mortificada pelo feio de suas ações nem pela opinião geral, mas por que se dá os verdadeiros nomes a suas ações. Eu sei de muitos que por isso se tornaram moderados e encontraram a razão pela força das injúrias e das reprovações. Porém vós eliminais até este remédio de moderação a vossos filhos.

E o mais grave é que não só pela palavra, mas também, sobretudo, por obras, dirigis esta exortação a vossos filhos, construindo casas esplêndidas, comprando campos caríssimos e rodeando-os de todo o aparato de luxo, com o que estendeis uma espessa nuvem que escurece a suas almas.

Como posso, então, convencer-me de que é possível que se salvem os vossos filhos, quando vejo que são incentivados a fazer tudo aquilo o que Cristo declarou ser impedimento absoluto para a salvação; quando vejo que menosprezais como coisa secundária a sua alma e colocais todo o vosso afã no que é realmente secundário, como se fosse o necessário e o principal? Todo o vosso empenho é que vosso filho possa ter escravos, possa montar em cavalos, vista as melhores roupas; mas não agüentais pensar nem por um minuto como se fará ele próprio melhor. Levais ao extremo vossa preocupação com madeiras e pedras, mas não tendes a alma como merecedora de uma mínima parte deste cuidado. Estais dispostos a suportar tudo para ter em casa uma estátua de arte primorosa e um artesanato de ouro, mas que a mais preciosa das estátuas, a alma de vossos filhos, não seja de ouro, nisto não quereis nem pensar.