QUÃO RÁPIDO SE VAI O PRAZER

Mas, o que eu digo, na velhice? Em um só dia se extinguem tais prazeres, ou, melhor dizendo, não em um só dia, não em uma hora, mas em um momento, em um abrir e fechar de olhos. Porque, o que entendes por prazer? Não será o banquetear-se e colocar-se em mesas sibaríticas e gozar de belas mulheres, como porcos que chafurdam na lama?

10.

Mas não toquemos ainda neste assunto. Examinemos no momento se o prazer em si não é coisa fria e vil e, se te agradar, vejamos primeiro este que parece o mais agradável: o prazer da gula. Mostra-me, pois, o tempo que dura este prazer e durante que parte do dia seríeis capazes de retê-lo. Tanto que apenas pode-se ver claramente. Porque apenas alguém se tenha saciado, terminou o prazer e, ainda mais a satisfação passa mais veloz do que uma torrente e se desvanece na garganta e não acompanha sequer os alimentos ao estômago. Apenas passa pela língua e perde toda a sua força. E me calarei sobre os outros inconvenientes e sobre a tormenta que se segue à gula. Não só é mais agradável o homem que não se entrega a ela, mas sente-se mais leve e dorme mais facilmente do que aquele que se arrebenta de pura saciedade.

"Sonho de saúde",

diz a Escritura,

"no estômago moderado".
Ecle. 31,24

E para que falar das enfermidades, moléstias, calamidades e gastos supérfluos? E que disputas, que insídias e danos não nascem dos banquetes!

- Mas é doce - dizes - o trato com as mulheres rameiras.

- Que prazer pode haver entre tanta vergonha? Mas não toquemos ainda aqui neste ponto por enquanto; não falemos das lutas entre amantes nem das guerras e das acusações entre rivais. Deixemos barato que se possa gozar com toda a tranqüilidade desta devassidão, que não surja o rival, não venha o desprezo da meretriz e mane o dinheiro como de fontes. Na verdade, não é possível que aconteçam juntas todas estas coisas. O que não quiser ter rival, não terá outro remédio senão arruinar toda a sua fazenda, afim de ganhar em esplendor todos os demais; e o que não quiser parar na miséria, terá que agüentar o desdém e o cuspe da rameira. Mas, enfim, suponhamos que não haja nada disso e tudo saia ao impudico como ele espera. Podes me dizer agora onde está o prazer que se segue destes tratos? Certamente não se acha no momento da união carnal, pois o que a consumou, por isso mesmo, extinguiu todo o prazer; e o que não o consumou, não sente prazer, mas tumulto e agitação e abrasamento.

Não é deste timbre o prazer que se dá entre nós nem tal Deus consinta. Nossos prazeres deixam sempre serena a alma e não trazem consigo ruído nem perturbação alguma; antes, trazem uma alegria pura, sincera e gloriosa, que não tem término e é mais intensa e poderosa que a vossa. Prova de que nosso prazer é mais agradável que o vosso é que o medo bastaria para vos apartar dele; e se o imperador promulgasse um edito ameaçando de morte aos impudicos, a maior parte dos homens se apartaria deste prazer; ao contrário, mil mortes não bastariam para nos obrigar a desprezar o nosso. Nós nos riríamos de quem assim nos ameaçasse. Tanto mais forte, tanto mais agradável é um prazer que outro e não admitem sequer comparação entre si.

Não invejes, pois, o teu filho que se passou de bens que fluem como água, ou melhor dizendo, de bens que não têm ser nem importância, a bens verdadeiros e firmes, nem chores por quem merece ser parabenizado. Teu choro seria melhor empregado por quem não é como ele e é levado e traído, como se estivesse em mar revolto, pela vida presente.