A CONDUTA DOS MONGES COM OS SEUS PAIS

Pois examinemos agora, se tu não te importas, a conduta de teu filho para contigo, se tu não tiveres este ponto por coisa supérflua; porque quem se mostra tão manso e brando para os outros e que a ninguém dá motivo de desgosto, irá honrar muito mais e com toda a reverência a seu próprio pai e terá muito mais cuidado com ele do que se tivesse alcançado uma alta dignidade mundana. Pois se assumisse uma alta magistratura, não seria inteiramente seguro que não desconhecesse seu próprio pai; mas agora, escolheu um gênero de vida que, mesmo que fosse mais imperador que o imperador, seria para ti o mais humilde do mundo. Tal é, com efeito, a nossa filosofia, que sabe unir em uma alma qualidades que parecem contrarias, tais como a moderação e a exaltação. Ademais, na primeira hipótese, como pudesse ser ambicioso pelo dinheiro, estaria talvez desejando a tua morte; agora, ao contrário, está rogando a Deus que prolongue indefinidamente a tua vida, para alcançar também nisto a mais brilhante coroa de glória. Porque, na verdade, não é pequena a glória que nos é prometida, se honrarmos aqueles que nos geraram, como também temos o mandamento de olhá-los como nossos mestres e servi-los com palavra e obra, sempre que não resulte em detrimento da religião.

"O que lhes devolverás",

diz a Escritura

"que se eqüivalha ao que eles te deram?"
Ecle. 7,30

Considera, portanto, que quem em tudo alcançou o cume da virtude, é natural que guarde também com extrema perfeição este preceito. E, na verdade, se fosse necessário morrer por tí, ele não recusaria, pois quer te servir e honrar, não só pela lei que impõe a natureza, mas, antes de tudo, por amor a Deus, por quem também desprezou todo o resto, de uma só vez.

Em conclusão, estejas certo que teu filho é agora mais glorioso, mais opulento, mais poderoso e mais livre do que nunca e, com toda esta grandeza de alma, também mais submisso a ti.

Dize, que motivo te resta a lamentar? Será que te lamentas por não estar tremendo diariamente de medo que ele caia morto num campo de batalha, de que não ofenda por acaso o imperador, de que não seja vitima da inveja e da antipatia de seus companheiros de armas? Ou não é por isto, e por outros percalços possíveis, que temem os pais de filhos nobres e famosos? Porque os que elevaram seus filhos a uma grande magistratura, são como os que colocaram uma criança em lugar alto, e que forçosamente temem que a criança caia.

Então me dizes: - Mas também tem seu prazer cingir-se a faixa, vestir a clâmide e ouvir a voz do arauto.

- E quantos dias - dize - durará tudo isto? Trinta, cem, duzentos? E depois? Quando tudo aquilo se dissipar como um sonho, como um conto, como uma sombra? A honra de teu filho, ao contrário, dura até o fim, ou melhor dizendo, até depois da morte, e então é até maior, e ninguém lhe poderá arrebatar esta dignidade, posto que esta não lhe foi conferida por mãos humanas, mas pela própria virtude. Mas tu gostarias de ver teu filho arrastando um luxuoso manto, montado a cavalo, entre uma multidão de criados e um enxame de parasitas e aduladores. E para que tu desejas tudo isto? Sem duvida com a melhor intenção de proporcionar-lhe prazer. Pois bem, que dirias se ouvisses de teu filho (pois talvez em mim não creias) que ele considera sua vida tão mais doce do que a de quem vive entre delícias, fornicações, música, parasitas e aduladores e nas demais dissoluções, que preferiria morrer mil vezes se lhe mandassem deixar o prazer de sua vida e passar aos mundanos? Tu não sabes o prazer que leva consigo uma vida sem preocupações; nem tu nem talvez homem algum, pois ainda não a saboreastes em sua pureza. Pois que vida pode ser melhor do que esta em que o homem é mais ilustre e se juntam apenas coisas que podem ser colocadas juntas, tais como segurança e glória?