A HONRA E A GLÓRIA DO MONGE, SUPERIOR À DO MUNDO

Mas te lamentas talvez pela glória, por aquela abundante e grande glória do mundo, que aqui não aparece em nenhuma parte? Comparando os régios palácios com o deserto, e as esperanças que ali se abrigam com as daqui, não crês que teu filho caiu de menor altura do que a que vai do céu à terra. Pois bem, primeiramente o que devemos afirmar é que o deserto não desonra a ninguém, e nem os palácios dão glória nem honra; e antes de vir a argumentos, quero tirar teu pré julgamento por meio de exemplos, que não vou tomar de nossos homens, mas dos vossos. Talvez já ouvistes falar de Dionísio, tirano de Siracusa e também já ouviste falar de Platão, filho de Ariston. Quem foi, pois, mais ilustre? Quem é agora celebrado e anda na boca de todo o mundo? O filosofo não deixou para trás o tirano? E, não obstante, um era o senhor de toda a Sicília e vivia entre as delícias e nadava em riquezas e andava sempre rodeado de sua guarda e do mais pomposo aparato. O outro, ao contrário, passava o tempo no jardim da Academia, regando e plantando e comendo um punhado de azeitonas, contentando-se com uma mesa frugal e alheio a toda aquela fantasia do tirano. E não é isto ainda o que é o mais maravilhoso, mas que quando se encontrou na condição de escravo e tendo sido vendido por ordem do tirano, estava tão distante de parecer menos glorioso do que ele por este percalço que, antes, ganhou honra e respeito aos olhos do próprio tirano. Tal é a natureza da virtude que não consente que aqueles que a praticam fiquem ocultos e desconhecidos, não só pelo que fazem, como pelas próprias desgraças que sofrem.

E o que dizer de Sócrates, mestre de Platão? Quanto mais ilustre foi Sócrates do que Arquelao? E, contudo, Arquelao era rei e vivia na opulência; Sócrates, ao contrário, passava o seu tempo no Liceu, não tinha mais do que uma vestimenta que usava tanto no inverno como no verão e em todas as outras estações do ano, andava sempre descalço e passava o dia sem comer e, quando o fazia, era só pão, e este lhe servia de comida e condimento. E era tão extrema a sua pobreza, que nem sequer o pão tinha em sua dispensa, mas o tomava da generosidade alheia. E com tudo isso, era tão mais ilustre que o rei que, tendo-lhe convidado este muitas vezes para ir a sua corte, não quis nunca abandonar o seu Liceu para ir ver a riqueza de Arquelao. E pela fama que ainda agora domina, aparece claro o passado: os nomes de muitos filósofos são muito conhecidos; já não se pode dizer o mesmo dos tiranos.

E aquele outro Filosofo, Diógenes de Sínope, apesar de viver entre farrapos, sentia-se em maior opulência que este e outros infinitos reis, tanto é que aquele grande macedônio, filho de Filipe, na ocasião de conduzir o seu exército contra os persas, uma vez veio até ele pessoalmente e lhe perguntou se necessitava de algo e se queria algo dele; e Diógenes lhe respondeu que não queria nada.

Tens já exemplos suficientes ou queres que te recorde de outros? Os homens que te citei não só foram mais ilustres que os que brilham nos palácios, mas mais ilustres que os próprios reis, apesar de terem levado uma vida de recolhimento e alheia aos negócios e não terem se aproximado nem da política. E ainda na própria política não verás que brilham os que vivem na opulência, entre delícias e fausto, mas os que levam a vida sóbria e simples. Entre os Atenienses, Aristides, que ao morrer teve que ser enterrado por conta do estado, foi tão mais ilustre que Alcebíades com toda a sua riqueza, linhagem, prazeres e eloqüência e força corporal e nobreza de família e demais qualidades em que se destacava, quanto pudesse ser um maravilhoso filósofo ao lado de um pobre menino. E entre os tebanos, Epaminondas foi chamado para assistir a 'ecclesia' ou a reunião do povo e não pode, por estar lavando a única roupa que tinha, e nem por isso deixou de ser mais glorioso que os generais ali reunidos.

Não me venhas, pois, com o deserto nem com os palácios; porque a glória e a honra não vêm dos lugares nem das roupas nem da dignidade nem do poder, mas unicamente da virtude de alma e da filosofia.