O MONGE, DONO DA TERRA, TEM POR PÁTRIA O CÉU

5.

Queres que te mostre por um outro capítulo a tua pobreza e a riqueza de teu filho? Pois anda, e tira-lhe a única roupa que tem e expulsa-o de sua cabana e tira-o de seu refúgio e nem desta maneira verás que ele se enfadonha ou se põe triste; ainda te agradecerá por isto, pois não fazes senão dar-lhe maiores impulsos à filosofia. Ao contrário, se te roubarem dez dracmas, terás pranto e lamentações para toda a vida. Quem será, pois, o mais rico: o que sofre por coisas mínimas ou o que despreza tudo o que existe?

Mas não te contentes com isto. Desterra-o de todo o país e verás que ele rirá do desterro, como se fosse brincadeira de criança. A ti ao contrário, se só te desterrassem de tua cidade, sofrerias terrivelmente e não terias nem forças para suportar tamanha desgraça. Já o monge, como dono que se sente de toda a terra e de todo o mar, se transferirá com a mesma facilidade e sem lástima de um lugar para o outro, como tu caminhas por teus próprios campos, ou melhor dizendo, com mais facilidade que tu por teus caminhos. Pois se é certo que tu podes andar por teus campos, também é certo que tu terás que atravessar pelos campos alheios; mas o monge anda por toda a terra como se fosse sua. Os lagos, os rios e as fontes lhe oferecem por toda parte abundante bebida; comida, os legumes e as ervas e um pedaço de pão lhe vêm de muitas partes.

Não quero dizer-te todavia que desdenhe do mundo inteiro, como quem tem sua pátria no céu. E se chegar a hora de morrer, o monge terá por mais doce a morte que todas as vossas delícias e pedirá a Deus que morra antes desta maneira e não como vós em vossa pátria e leito. De modo que bem se poderia chamar de errante, desterrado e de peregrino, quem tem uma cidade e habita em uma casa, e não quem de tudo isto carece. Porque ninguém poderá tira-lo de sua pátria, a não ser que o tirem da terra inteira (falemos assim por enquanto; pois, segundo a verdadeira razão, se o tiras deste mundo, então é quando melhor o pões em sua pátria; mas não toquemos ainda neste ponto, pois tu não entendes mais do que o que entra pelos olhos) nem o poderás despi-lo, enquanto estiver vestido com o traje da virtude, nem o matarás de fome, enquanto souber qual é o verdadeiro alimento. Os ricos, ao contrário, a todos estes percalços estão expostos; de sorte que, segundo este raciocínio, não estaria errado quem aos ricos qualificasse de pobres - e manifestamente pobres -, e de realmente ricos os monges. Porque quem em toda parte pode achar farta comida, bebida, casa e descanso e não só não sofre por tudo isto, mas passa melhor do que vós em toda a vossa opulência, é evidentemente mais opulento que vós, os ricos, que só em vossas casas podeis ter abundância de todas estas coisas.

Por isso jamais se queixará o monge de sua pobreza. Porque esta linhagem de riqueza não só é melhor do que a vossa pela sua abundância e prazer, como também porque é inesgotável, não pode jamais transformar-se em pobreza, não está sujeita às incertezas do porvir, nem cria preocupações, nem está exposta à inveja, mas anda acompanhada da admiração, louvor e aplauso de todo o mundo. Tudo isso é realmente o oposto, do que acontece a vós. A vós, além de não vos louvarem as pessoas, por vossa riqueza, se aborrecem e fogem de vós e vos invejam e vos armam ciladas . O monge, por ser rico com a verdadeira riqueza, é objeto de admiração e ninguém o inveja e nem arma ciladas.