O MUNDO, CASA QUE ARDE E CIDADE REVOLTOSA

7.

Então? - alguém me dirá - Os que ficam em suas casas não podem praticar essas virtudes, cuja falta acarreta tão graves castigos? Também quisera eu não menos, mas muito mais que vós, e muitas vezes desejei que desaparecesse a necessidade dos mosteiros. Oxalá fosse tanta a disciplina das cidades que ninguém jamais tivesse necessidade de buscar o refúgio do deserto! Mas como tudo anda de cabeça para baixo, e as cidades em que se estabelecem os tribunais e as leis estão cheias de iniquidade e injustiça, e o deserto produz copiosos frutos de filosofia, não é justo que culpeis a quem trata de retirar de dentro desta tormenta e confusão os que desejam se salvar, e os conduzem a um porto de calma, em lugar dos que converteram as cidades em lugares tão intransitáveis e tão nada propícios à filosofia, que forçam aquele que quer se salvar a fugir para o deserto. Se não, dizei-me: Se alguém tomasse a meia noite um tocha e pusesse fogo em uma grande casa habitada por muita gente com intenção de queimar as pessoas que dormem no interior dela, quem diríamos que é malvado? O que despertou os que dormiam e lhes fez sair daquela casa ou o que empreendeu atear fogo e pôs em semelhante transe os da casa e o que os tirou dela? E se, vendo alguém uma cidade sob a tirania ou atacada pela peste ou em plena revolta, persuadisse a quem pudesse entre seus habitantes a escapar para o topo dos montes e, depois de persuadi-los, os ajudasse também em sua retirada, a quem haveriamos de culpar? Ao que retira os homens desta furiosa tormenta em que andam revoltos ou ao que foi a causa destes naufrágios?