JOÃO VAI ESCREVER SUA OBRA PARA O BEM DOS PERSEGUIDORES, NÃO DOS PERSEGUIDOS

Despedindo-se deste modo meu amigo, eu me entreguei a estes raciocínios. E, na verdade, se o mal consistisse só em que aqueles santos de Deus e varões admiráveis são arrastados e despedaçados quando os conduzem aos tribunais, em que os espancam e fazem sofrer tudo o que acabamos de contar, e nenhum dano resultasse incidentalmente contra a cabeça de quem tais transgressões cometem; eu estaria tão distante de doer-me por estes acontecimentos, que bem me riria com gosto e por longo tempo deles. Quando as crianças pequenas, sem correr nenhum risco, batem em suas mães, não fazem senão excitar-lhes o riso com seus golpes e quando com maior zanga lhes batem, tanto mais aumenta o gosto das mães, que caem e se arrebentam de rir. Mas se a criança persistindo em seus golpes e zanga vem a ferir-se na mão, ora na agulha com que a mãe prende o cinto da túnica, ora em algum raio da estrela que enfeita o peito materno, então sim, então a mãe corta imediatamente o riso e sente mais viva dor do que o próprio filho ferido. E, prontamente lhe cura a ferida; mas logo o proíbe com forte ameaça para que não volte a fazer aquilo, para que não lhe venha a suceder o mesmo. O mesmo, pois, haveríamos de fazer nós, se víssemos que esta raiva de crianças e estes golpes de pequeninos não acarretariam a eles uma grande perdição; mas já que agora, arrebatados de furor, não se dão conta de nada, terão que chorar e gemer e lamentar-se e não com pranto de crianças pequenas, mas com o das trevas exteriores e o do fogo inextinguível; vamos também nós fazer o mesmo que as mães, e só nos diferenciaremos destas porque não falaremos com estas crianças através de ameaças e injúrias, mas com muita mansidão e suavidade.