1. Introdução.
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2. A lei da natureza.
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3. A lei da concupiscência.
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4. A lei da Escritura, ou do temor.
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5. A lei Evangélica, ou do amor.
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6. A lei do amor torna livre.
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7. A lei do amor introduz nos bens celestes.
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8. A lei do amor é leve.
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9. Conclusão: simplicidade e retidão da lei de Cristo.
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10. Os efeitos da lei do amor: o amor causa
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Deve-se saber, também, que esta lei, a do amor divino, produz quatro coisas no homem imensamente desejáveis, a primeira das quais é causar no mesmo a vida espiritual.É, de fato, manifesto que o amado está naturalmente no amante e por isto, quem a Deus ama, possui Deus em si:
A natureza do amor é também tal que transforma o amante no amado; de onde que se amamos o que é vil e caduco, vis e instáveis nos tornamos:
Se, porém, a Deus amarmos, divinos nos tornaremos, porque, como está escrito:
Neste sentido é que Santo Agostinho diz que assim como a alma é a vida do corpo, assim Deus é a vida da alma, e isto é manifesto. Porquanto dizemos o corpo viver pela alma, quando tem as operações próprias da vida, e quando opera e se move. Apartando- se, porém, a alma, nem o corpo opera, nem se move. Assim também a alma opera virtuosa e perfeitamente quando opera pela caridade, pela qual Deus habita nela. Sem a caridade, porém, não opera:
Deve-se considerar, também, que se alguém tiver todos os dons do Espírito Santo sem a caridade, não tem a vida. Seja, de fato, a graça de falar em línguas, seja o dom da fé, ou seja qualquer outro, sem a caridade não concedem a vida. Com efeito, se o corpo dos mortos é vestido de ouro e de pedras preciosas, não obstante isto, morto permanece. Causar a vida espiritual é, portanto, o primeiro dos efeitos da caridade. |
11. O amor causa a observância dos mandamentos.
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12. O amor é refúgio contra as adversidades.
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13. O amor conduz à eterna bem aventurança.
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14. Outros efeitos do amor: o amor produz
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Além destas, porém, a caridade faz outras coisas que não se devem deixar passar.Primeiro, causa o perdão dos pecados, algo que já vemos manifestamente acontecer entre nós. Porquanto, se alguém ofender algum homem e posteriormente vier a amá-lo entranhadamente, o ofendido, por causa do amor com que é amado, perdoará a ofensa. Assim também Deus perdoa os pecados dos que o amam:
E diz bem o apóstolo que os encobre, porque para Deus não parece que devam ser punidos. Mas, posto que São Pedro diga que encobre uma multidão, todavia Salomão diz no décimo de Provérbios que
o que o exemplo da Madalena maximamente manifesta:
e a causa é mostrada:
Mas talvez alguém dirá: "Então a caridade basta para apagar os pecados, e não é necessário o arrependimento?" Deve-se considerar, porém, que ninguém verdadeiramente ama, que não se arrependa verdadeiramente. De fato, é manifesto que quanto mais amamos a alguém, tanto mais nos afligimos se a ele ofendemos, e isto é um efeito da caridade. |
15. O amor produz a iluminação do coração.
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16. O amor realiza a perfeita alegria.
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17. O amor produz a perfeita paz.
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18. O amor dignifica o homem.
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19. O amor de caridade só pode ser alcançado
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Do que já foi dito fica patente a utilidade da caridade. Pois que, portanto, seja tão útil, deve-se trabalhar diligentemente para adquirí-la e retê-la.Deve-se saber, porém, que ninguém pode por si mesmo possuir a caridade. Antes, ao contrário, é dom inteiramente de Deus. De onde que diz João:
porque certamente não por causa de nós o amarmos primeiro que Ele nos ama, mas o próprio fato de o amarmos é causado em nós pelo seu amor. Deve-se considerar também, que ainda que todos os dons sejam do pai das luzes, todavia este dom, a saber, o da caridade, supera todos os demais dons. De fato, todos os outros podem ser possuídos sem a caridade e o Espírito Santo; com a caridade, porém, possui-se necessariamente o Espírito Santo:
Seja o dom das línguas, portanto, seja o dom da ciência ou o da profecia, todos estes podem ser possuídos sem a graça e o Espírito Santo. |
20. Quatro disposições para alcançar de Deus
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Mas ainda que a caridade seja dom divino, para possuí- la, todavia, requer-se a disposição de nossa parte. Por isso deve-se saber que duas coisas são necessárias para adquirir a caridade, e duas para aumentar a caridade já adquirida. |
21. Primeira disposição: a escuta da palavra
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Para adquirir, pois, a caridade, a primeira coisa é a escuta diligente da palavra de Deus, o que é suficientemente manifesto pelo que ocorre entre nós. Ouvindo, de fato, coisas boas de alguém, somos acesos em seu amor. Assim também, ouvindo as palavras de Deus, somos acesos em seu amor:
E também:
Por esta causa aqueles dois discípulos, ardendo do amor divino, diziam:
De onde que também no décimo de Atos se lê que
E o mesmo freqüentemente acontece nas pregações, isto é, que os que se aproximam com o coração duro, por causa da palavra da pregação, são acesos ao amor divino. |
22. Segunda disposição: a meditação.
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23. Terceira disposição: afastar o coração
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Há também duas coisas que aumentam a caridade possuída, e a primeira é afastar o coração do que é terreno.O coração, de fato, não pode ser trazido perfeitamente a coisas diversas, de onde que ninguém é capaz de amar a Deus e ao mundo. E por isso, quanto mais nos afastarmos do amor do que é terreno, tanto mais nos firmaremos no amor divino. De onde que Santo Agostinho diz no Livro das 83 Questões:
O seu alimento é a diminuição da cobiça; sua perfeição, a nenhuma cobiça, porque a raiz de todos os males é a cobiça. Quem quer que, portanto, queira alimentar a caridade, insista em diminuir a cobiça. A cobiça é o amor de conseguir ou obter o que é temporal, e o início de sua diminuição é o temor de Deus, o qual não pode somente ser temido, sem amor. É por esta causa que se ordenaram as religiões, nas quais e pelas quais a alma é trazida do que é mundano e corruptível ao que é divino, conforme se encontra escrito no Segundo de Macabeus, onde se lê:
O Sol, isto é, o intelecto humano, está entre nuvens quando entregue às coisas terrenas. Refulgirá, porém, quando for afastado e removido do amor do que é terreno. Resplandescerá, então, e nele crescerá o amor divino. |
24. Quarta disposição: a firme paciência
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A segunda coisa que aumenta a caridade é a firme paciência na adversidade.É manifesto, de fato, que quando sustentamos dificuldades por aquele a quem amamos, o próprio amor não é destruído; antes, ao contrário, ele cresce:
isto é, as tribulações,
É assim que os homens santos que sustentam adversidades por Deus mais se firmam em seu amor, assim como o artífice mais amará aquela sua obra na qual mais trabalhou. Daí também vem que os fiéis quanto maiores aflições por Deus sustentam, tanto mais se elevam no seu amor:
isto é, as tribulações,
isto é, a Igreja, ou a alma do homem justo. |