DISCURSO DA CELA

TRÊS CARTAS DE SANTA CATARINA

Nas duas primeiras trata-se da mesma,
na terceira sobre o modo de possuí-la.

III

CARTA PARA A MÃE JOANA DE CONRADO


Carissima mãe em Cristo, doce Jesus. Eu, Catarina, serva e escrava dos servos de Jesus Cristo, escrevo a vós em seu precioso sangue, com o desejo de vê-la fazer uma morada na cela do conhecimento de vós mesmas, para que possais chegar ao perfeito amor, considerando eu que aquele que não ama o seu Criador, não pode agradar-lhe, porque Ele mesmo é amor, e não quer outra coisa que amor.

A alma que conhece a si mesma encontra este amor, porque vendo-se não ser, mas ter o seu ser por graça, e não por dívida, e que cada graça que se fundamenta sobre o ser foi-nos dada com inestimável amor, encontra em si tanta bondade derramada por Deus, que a língua não é suficiente para dizê-lo. E como se vê tão amada por Deus, não pode fazer com que não ame. Ama em si a razão e Deus, e odeia a sensualidade, que desordenadamente quer deleitar-se com o mundo, onde se deleita a si mesmo com o estado, com a riqueza, ou com o prazer das criaturas mais do que ao Criador, com base nos seus pareceres, gostos, prazeres do mundo ou alguma vontade.

Estes são aqueles que amam os filhos, alguns a esposa, outros a mãe ou o pai, desordenadamente, com amor muito sensorial, o qual amor é um obstáculo entre Deus e a alma que não permite conhecer bem a verdade do verdadeiro e supremo amor. E é por isso que diz a primeira e doce verdade que quem não abandona o pai e a mãe, as irmãs, os irmãos e a si mesmo, não é digno de mim. Bem o entendiam e o entendem os verdadeiros servos de Deus, que logo esvaziam seus corações, o afeto e as suas almas do mundo, de suas pompas e de suas delícias, e de cada criatura fora de Deus.

Não que eles não amem a criatura, mas a amam somente por Deus, por serem criaturas desmedidamente amadas pelo Criador. E como eles odeiam a parte sensorial, que neles se rebela contra Deus, assim também a odeiam no próximo, ao verem que ofende a suma e eterna bondade.

Desejo que vós sejais assim, caríssima mãe em Cristo, doce Jesus. Que vós ameis a bondade de Deus em vós mesmas e a sua desmedida caridade, a qual encontrareis na cela do conhecimento de vós mesmas. Nesta cela encontrareis Deus, porque assim como Deus tem em si cada coisa que participa o ser, assim também em vós encontrareis a memória que possui e é capaz de reter o tesouro dos benefícios de Deus. Em seguida encontrareis o intelecto, que vos permite participar da sabedoria do Filho de Deus, compreendendo e conhecendo a sua vontade, que não quer outra coisa que a nossa santificação. Vendo isto, a alma não se pode doer nem conturbar de nenhuma coisa que aconteça, sabendo que cada coisa é feita por Deus com prudência e com grandíssimo amor.

Com este conhecimento, portanto, quero e vos rogo que, pela honra do Cordeiro imolado, modereis a Larcaro e a melancolia que sentis pela partida de Estevão. Alegrai-vos e exultai, o que não acontecerá sem o crescimento da graça na vossa alma e na nossa, pela graça de Deus.

Digo também que no conhecimento de vós mesmas encontrareis a doce clemência do Espírito Santo, que é quem não doa nada mais do que amor, e o que Ele faz e opera, opera por amor. Encontrareis este afeto na vossa alma, porque a vontade não é outra coisa que amor, e cada afeto e movimento seu não se move por outra coisa senão por amor. Ama e odeia aquilo que o olho do conhecimento fizeram e viram.

É bem verdade, caríssima mãe, que dentro da cela da alma vós encontrareis todo Deus, o qual dá tanta doçura, refrigério e consolação, que por nenhuma coisa que aconteça nos possamos perturbar, porque nos tornaremos capazes da vontade de Deus se tivermos eliminado de nós mesmas todo amor próprio e todas aquelas coisas que estão fora da vontade de Deus.

Verdadeiramente a alma se torna então um jardim de flores perfumosas, e em seu centro encontra-se plantada a árvore da santíssima Cruz, onde repousa o Cordeiro imaculado, o qual irriga sangue, banha e inunda este doce e glosioso jardim, e possui em si os frutos maduros das verdadeiras e reais virtudes.

Se quiserdes paciência, aqui está a sólida mansidão, pois nao se ouve o grito do Cordeiro em nenhuma murmuração. Que humildade profunda, ver Deus humilhado ao homem, o Verbo humilhado à ignominiosa morte de Cruz! Se quiserdes a caridade, Ele é esta caridade, ainda maior que a força do amor, e pela caridade foi vencido e pregado à Cruz. Não eram suficientes os pregos e a cruz para segurar ao Deus-homem, se a força da caridade não o tivesse segurado. Não me admira, se a alma fêz de si um jardim do conhecimento de si, que ela seja forte contra todo o mundo, porque ela é confirmada e feita uma só coisa com a suma fortaleza. Verdadeiramente ela começa a gozar do penhor da vida eterna nesta vida, e senhoreia o mundo porque o despreza. Os demônios temem aproximar-se da alma que arde na divina caridade.

Portanto, caríssima mãe, não quero mais que durmais na negligência, nem no amor sensorial, mas com um ardentíssimo e desmedido amor vos eleveis para o alto, banhando-vos no sangue do Cristo, e escondendo-vos nas chagas do Cristo crucificado.

Não digo mais, pois estou certa que permanecereis na cela como eu vos disse, onde não encontrareis outra coisa que não a Cristo crucificado. E assim dizei a Conrado que faça o mesmo, permanecendo no santo e doce amor de Deus.