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A outra proposição que nega pertencer aos príncipes seculares o
regime da Igreja combate os dois erros de Brento. O primeiro erro de
Brento é que os melhores da Igreja são os príncipes seculares.
Deprecia, porém, de tal maneira os bispos que ele quer que eles
sejam escravos dos príncipes. O segundo erro é que a estes melhores
pertencem principalmente o cuidado e o governo da Igreja. Estes erros
também os teve Henrique VIII, rei da Inglaterra. Ele, de
fato, se constituiu cabeça da Igreja Anglicana. E do mesmo modo
considerou nos seus ditos deverem ser os demais príncipes cabeças
supremas da Igreja.
E o primeiro desses erros facilmente é refutado. Em primeiro lugar,
a partir daquelas palavras proféticas do salmo 44: "Em favor dos
teus pais nasceram para ti filhos, faze-os príncipes sobre toda
terra".
Assim, de fato, o bem-aventurado Agostinho interpreta esta
passagem: "em favor dos pais, isto é, dos apóstolos, nasceram
filhos, isto é, muitos fiéis, que Deus fez bispos e, deste modo,
príncipes sobre toda terra." E Santo Hierão, quanto à mesma
passagem, diz: "Foram, ó Igreja, teus pais os apóstolos,
porque eles te geraram; agora, porém, porque aqueles deixaram o
mundo, tens a favor deles filhos, que são os bispos". E logo a
seguir: "Os príncipes da Igreja, isto é, os bispos, foram
constituídos". Nem muito diversamente expõem os padres gregos,
Crisóstomo e Teodoreto: que os príncipes entendem por pais os
patriarcas; por filhos os apóstolos. A mesma coisa diz o Apóstolo
na I Epístola aos Coríntios, cap. 2 e na epístola aos
Efésios, cap. 4: "Deus colocou em primeiro lugar, na Igreja,
os apóstolos; em segundo, os profetas; e em terceiro, os
doutores".
Se os primeiros são os apóstolos, que foram bispos e aos quais os
bispos sucedem, certamente os primeiros não são reis e príncipes
seculares. Ao contrário, como corretamente observou S. João
Damasceno no segundo Sermão a favor das imagens, o Apóstolos não
somente não colocou os reis em primeiro lugar, mas em nenhum outro
lugar, para indicar que os reis não são magistrados da Igreja, mas
são apenas magistrados do mundo.
O segundo erro é refutado pelos Santos Padres. Inácio, no
capítulo 7 da Epístola aos Esmirnenses, dia que nada é mais
honorável do que o bispo na Igreja.
E acrescenta: "A primeira honra deve ser dada a Deus; a segunda,
ao bispo; a terceira, ao rei". E Gregório Nazianzeno, no
Sermão para os cidadãos abatidos pelo temor; João Crisóstomo,
no livro 3 sobre o sacerdócio e na homilia 4 sobore o capítulo 6 de
Isaías, e Ambrósio no livro sobre a dignidade do sacerdócio,
cap. 2, antepõem clarissimamente o bispo ao rei.
E também João Crisóstomo, na homilia 83 sobre o evangelho de
Mateus: não somente submete os reis aos bispos, mas também aos
diáconos. Assim, de fato, fala ao seu diácono: "Se o
governante, qualquer que ele seja, cônsul ou qualquer que esteja
ornamentado com o diadema, indignamente se aproximar, coíbe-o o
ordena-lhe. Tu, efeito, tens maior poder do que ele." E
Agostinho, na homilia sobre o salmo 98, prova que Moisés foi
sacerdote pelo fato de ser o maior, e nada é maior do que o
sacerdote. E Gelásio, na Epístola a Atanásio, diz: "Fica
sabendo, filho clementíssimo, que ainda que te seja lícito presidir
o gênero humano pela dignidade das coisas terrenas, todavia aos que
administram as coisas divinas submete o teu pescoço devotamente."
E, mais adiante: "Fica sabendo que tu mais deves submeter-te à
ordem da religião do que presidi-la. Fica sabendo também que deles
depende o julgamento sobre ti, que eles não podem ser conduzidos pela
tua vontade."
Gregório, no 13º livro das Moralia, cap. 19, sustenta que os
primeiros membros no corpo do Senhor são os sacerdotes. E, no livro
4 da Epístola 31 a Maurício, ensina que os sacerdotes são como
deuses entre os homens, e por causa disto devem ser honrados por
todos, inclusive pelos reis; o que também ensina e prova Nicolau
I, na Epístola a Miguel.
O terceiro responde-se pelos gestos dos bispos e dos reis. Pois o
papa Fabiano excluiu o primeiro imperador cristão, Felipe, da
comunhão do Sacramento do altar no dia de Páscoa, por causa de
certos pecados públicos de sua parte. E nem o admitiu antes que ele
tivesse se purgado dos pecados pela confissão e pela penitência.
Escreve isto Eusébio no livro 6, capítulo 25 da história da
Igreja. Também Constantino abertamente professou que não
poderiam julgar os bispos como se fossem verdadeiramente deuses; mas,
ao contrário, que ele de prefrência se submeteria ao julgamento
deles. Escreve Rufino no livro 1, cap. 2 da História da
Igreja.
O bem-aventurado Ambrósio expulsou Teodósio, o Velho, do limite
da Igreja, e o obrigou a submeter-se a uma penitência pública;
depois, querendo o imperador subir na Igreja até o lugar dos
sacerdotes e sentar-se junto com eles, ordenou-lhe Ambrósio que
descesse, e permanecesse com o povo; o que ele fez de boa vontade.
Escreve isto Teodoreto no 5º livro da História da Igreja,
capítulo 17.
Finalmente, sentando-se o imperador Máximo num banquete no qual se
sentava também o bem aventurado Martinho, e o copeiro querendo
oferecer o primeiro cálice ao imperador como ao mais nobre entre todos
os demais, ele o enviou ao bispo, que não recusou, mas bebeu
primeiro, e depois não entregou o cálice ao imperador, mas ao seu
presbítero, não considerando que houvesse alguém mais digno que este
presbítero, a saber, que pudesse beber depois dele próprio; e nem
teria sido íntegro se ele tivesse dado precedência ao rei ou àqueles
que eram próximos ao rei, como escreve Sulpício na vida de S.
Martinho.
Finalmente, refuta-se o mesmo erro por uma dupla razão. Em
primeiro lugar, o bispo unge o rei, ensina-o, liga-o, absolve-o e
o abençoa, diz o apóstolo na Epístola aos Hebreus, cap. 7.
Sem contradição, é o menor que é abençoado pelo melhor.
Ademais, o principado secular é instituído pelos homens e é do
direito dos gentios, mas o principado eclesiástico é instituído
somente por Deus e é de direito divino. Aquele rege os homens na
medida em que são homens, e mais em razão dos corpos do que em razão
das almas. Este, porém, rege os homens na medida em que são
cristãos, e mais em razão das almas do que em razão dos corpos.
Aquele tem por finalidade a paz temporal e o bem-estar do povo. Este
tem por objetivo a felicidade eterna. Aquele usa das leis naturais e
das instituições humanas. Este usa das leis divinas e dos
sacramentos devidamente instituídos. Aquele administra as guerras com
poucos inimigos e visíveis. Este administra as guerras com inimigos
invisíveis e infinitos.
Contrariamente, porém, objeta Brento. Os bispos são servos da
Igreja, conforme diz II Coríntios, cap. 4: "Nós não
pregamos a nós mesmos, mas a Jesus Cristo. Nós, porém, somos
vossos servos por Jesus". Portanto, quanto mais os bispos serão
servos dos reis, principalmente se dos reis diz o bem-aventurado
Pedro na I Epístola, cap. 2: "Estais sujeitos a toda criatura
humana por causa de Deus, ou ao rei, na medida em que ele tem maior
excelência, ou aos governadores, na medida em que são enviados por
ele".
Respondo: há um duplo gênero de servidão. Todos, de fato, que
trabalham para a comodidade de outro são ditos que servem a este
outro. Mas alguns trabalham e servem ao outro governando-o e
presidindo sobre ele. Alguns, porém, trabalham e servem obedecendo
e se sujeitando. Esses tais são propriamente escravos.
Os bispos, porém, são servos da Igreja,
mas do primeiro modo. Assim como também o magistrado serve à
República e o rei serve ao povo, se ele for rei e não
um tirano. E o pai serve aos filhos, e o mestre serve aos
discípulos.
Pelo que o bem-aventurado Paulo, em I Coríntios, cap. 4, dos
que se dissera servo, diz que deles é pai: "Pelo Evangelho eu vos
gerei." E acrescenta: "Que quereis? Que eu venha com um chicote
ou que eu venha na caridade e no espírito de mansidão?" E, em
Hebreus 13: "Obedecei aos vossos prelados e submetei-vos a
eles." E no cap. 20 dos Atos dos Apóstolos: "O Espírito
Santo colocou os bispos para reger a Igreja de Deus." Por essa
razão, o bem-aventurado Gregório se chamava a si mesmo de servo dos
servos de Deus. E o bem-aventurado Agostinho, no livro 9 das
Confissões, no último capítulo, diz: "Inspira, Senhor, aos
teus servos, meus irmãos, aos teus filhos, meus senhores, aos quais
pela voz., pelo coração e pelos escritos eu sirvo." E o bem
aventurado Bernardo, no segundo livro das Considerações diz que
tendo sido Eugenio elevado ao pontificado, foi elevado acima dos povos
e dos reinos, mas para servir e não para dominar.
E dizes: os reis são reis também na Igreja e a eles os cristãos
devem estar submetidos como a pessoas mais excelentes. Isto é
verdade, de fato, mas nas coisas somente que pertencem ao estado
político. Os reis cristão estão acima dos homens cristãos, porém
não como cristãos, mas na medida em que são homens; assim como,
também, estão acima dos judeus e dos turcos enquanto presidem, mas
como a homens políticos, porque como cristãos são ovelhas submetidas
aos bispos pastores. Como S. Gregório Nazianzeno ensina no livro
aos cidadãos percutidos pelo temor. E como diz S. Ambrósio na
oração das coisas a serem entregues a Basílio, nada mais honorável
pode ser dito do que dizer que o imperador seja filho da Igreja. O
imperador bom de fato está dentro da Igreja, e não acima da
Igreja.
Depois disso, o erro de Brento, a partir das coisas que foram
ditas, é facilmente refutado. Se, com efeito, os príncipes não
são os melhores da Igreja, a eles não pertence a Aristocracia da
Igreja. Mas podem acrescentar-se, ademais, os seguintes
argumentos: primeiramente, o regime da Igreja é sobrenatural. A
ninguém, de fato convém, a não ser àquele a quem Deus confiou.
Lemos, porém, nas Escrituras que é confiado aos apóstolos e aos
bispos, seus sucessores . Pois a Pedro apóstolo foi dito:
"apascenta as minhas ovelhas". Isto está no último capítulo de
João. E dos bispos está escrito, no 20º cap. dos Atos:
"Àqueles que Deus colocou bispos compete reger a Igreja de Deus."
Dos reis, entretanto, nada desse tipo nunca se lê.
Finalmente, até os anos 300, não houve na Igreja nenhum
príncipe secular, exceto apenas o imperador Felipe, que sobreviveu
por um brevíssimo tempo, e talvez algum outro nas Províncias não
submetidas ao império Romano. E, todavia, foi a mesma Igreja que
agora é, e que tinha a mesma forma de regime. Portanto, não pode
ser que os príncipes do século rejam a Igreja de Cristo.
Ademais, aqueles que têm o sumo poder na república podem tudo o que
os magistrados inferiores podem. Quem, de fato, poderia proibir o
rei se quisesse reconhecer e julgar aquelas causas que são atribuídas
aos vice-reis, e aos pretores, e aos juízes menores? E, no
entanto, não podem os reis usurpar para si o ofício dos bispos, dos
presbíteros e dos diáconos, qual seja: pregar a palavra de Deus,
batizar, consagrar etc.. Portanto, não são os reis os supremos
magistrados da Igreja.
Assim provamos que os reis não podem invadir os ofícios dos
sacerdotes. Em primeiro lugar os reis não apenas são homens. Mas
também podem ser mulheres. E às mulheres o apóstolo proíbe ensinar
publicamente, em I Coríntios, cap.14 e I Timóteo, cap. 2.
Pepucita de Epifânio, cap. 49 e Agostinho no cap. 27 de
Contra os Hereges enumeram entre os heréticos aqueles que confiam o
sacerdócio entre as mulheres.
Finalmente, em no Segundo Livro dos Paralipômenos, verso 19,
Josafá, o melhor rei, diz: "Amarias, sacerdote e pontífice,
presidriá sobre as coisas que pertencem a Deus: mas Zabadias
presidirá sobre os negócios que pertencem ao ofício do rei." E no
segundo livro dos Paralipômenos, cap. 26, quando o rei Osias
queria ofertar incenso, o pontífice o proibiu, dizendo: "Não é
teu ofício, Osias, que ofereças incenso ao Senhor, mas dos
sacerdotes". Como ele insistisse, em seguida ele foi atacado
divinamente por uma gravíssima lepra. Ora, se no Velho Testamento
não poda o rei exercer o ofício de sacerdotes, muito menos no Novo,
onde os ofícios sacerdotais são muito mais augustos.
Também no Sínodo Matisconense, no cânone 9, no Concílio
Milevitano, cânone19, e no Concílio Toledano, cap. 3,
Cen.13, são punidos gravissimamente os clérigos que levam a causa
da Igreja ao juiz secular. E Ambrósio, na Epístola 33 à
irmã, diz ter dito a Valentiniano: "Não queiras manchar-te,
imperador, considerando que algum direito imperial tenhas nas coisas
que são divinas. Foi-te confiado o direito das muralhas públicas,
não das sagradas". Da mesma maneira, o mesmo Ambrósio teria dito
ao imperador Teodósio: "A púrpura não faz os imperadores
sacerdotes". Refere Teodoreto, no livro 5, cap. 18 da sua
história da Igreja, que também escreve, no livro 4, cap, 18
que um certo Eulógio, quando Modesto, prefeito do imperador
Valente Ariano, disse: "Une-te ao imperador", teria
respondido: "Por acaso ele, ao alcançar o império, também
alcançou o pontificado?"
Atanásio também, na Epístola aos que vivem uma vida solitária,
repreendeu Constâncio por ele ter se imiscuído nas coisas
eclesiásticas. E acrescenta que Osio, bispo de Córdoba, teria
dito ao mesmo: "Não nos ordene neste tipo de coisa, mas
preferivelmente aprende-as de nós. A ti, de fato, Deus concedeu o
império, a nós entregou as coisas que são da Igreja." Coisas
semelhantes o mesmo Constâncio disse ao bispo Leôncio, conforme
atesta Esvidas na voz de Leôncio. Sulpício, no livro 2 da
história sagrada ,refere que São Martinho disse ao maior
imperador: "Que as causas da Igreja sejam julgadas pelo juiz secular
é uma coisa ímpia, nova e inédita nunca ouvida".
O bem aventurado Agostinho, nas cartas 48, 50 e 165, ensina
que a função dos reis piedosos é defender a Igreja, obrigar os
blasfemos, os sacrílegos e os heréticos condenados pela Igreja, mas
no mesmo lugar repreende os Donatistas que tinham entregado a causa
episcopal não aos demais bispos, mas ao rei terreno para ser julgada.
S. Gregório, no livro 5, Epístola 123, falando do imperador
Maurício, diz: "É sabido que os mais piedosos senhores amam a
disciplina, observam a ordem, veneram os cânones e não se misturam
às causas sacerdotais". O mesmo prolixamente ensina João
Damasceno, na I e II oração pelas imagens. E, finalmente,
Basílio, o imperador, no 8º sínodo pelo continente, assevera que
nem a si nem a nenhum leigo é lícito tratar de negócio sacerdotais.
A mesma coisa professou Valentiniano, o Velho, conforme é atestado
por Sozomeno no livro 6, cap. 7.
Os argumentos de Brento são tomados dos exemplos do Velho
Testamento, onde lemos que Moisés, Josué, Davi, Salomão,
Josias, que eram governadores ou reis, frequentemente se misturavam
nos negócios da religião. Acrescenta também Brento, na
confirmação do argumento, que aos reis é confiado por Deus a
custódia da lei divina e, por isso, pertence a eles o cuidado da
Igreja. Assim, de fato, diz o apóstolo no cap. 13 da Epístola
aos Romanos: "Não sem causa possui a espada. É, de fato,
ministro de Deus e vingador na ira para aquele que age mal."
Respondemos: Moisés não somente foi chefe, mas também foi sumo
sacerdote, como está demonstrado na questão das controvérsias do
juiz, no livro3 da palavra de Deus. Os demais, porém, às vezes
agiram por uma autoridade extraordinária, não tanto como reis, mas
como profetas. Mas não por causa disso deveria ser destruída aquela
lei do Deuteronômio segundo a qual ordinariamente, nas dúvidas de
religião, os homens se voltavam não para o rei, mas para o sacerdote
do gênero dos levitas,como está escrito no Deut. Cap.17.
Acerca do que, acima dizíamos, o rei Osias foi punido pela lepra
porque tomou para si o serviço do sacerdote.
Para a confirmação, porém, respondemos: Os reis devem ser
guardas das leis divinas, mas não intérpretes; pertence a eles, de
fato, através de editos e das penas, impedir as blasfêmias, as
heresias e os sacrilégios. Quais são porem os hereges, e contra os
quais, e qual a fé ortodoxa, isto eles devem aprender dos bispos,
o que fizeram os imperadores piedosos,
como Constantino, Valentiniano, Graciano, Teodósio, Marciano e
que pode ser conhecido pelo próprio códice no livro I para todos os
povos com o tíitulo De Sumna Trinitate et Fidei Catholica, e em
todo o titulo sobre os hereges. Veja mais coisas na questão sobre as
controvérsias do juiz e na questão sobre quem deve presidir o
Concílio Geral.
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