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Portanto, a primeira proposição, que nega ser popular o regime da
igreja, pode ser confirmada por esses argumentos. O primeiro parte de
quatro coisas que devem inerir em todo governo popular.
Primeiro: onde há o regime popular, os magistrados são
constituídos pela própria plebe e da mesma tomam autoridade; não
podendo a plebe se estabelecer para declarar, por si, o justo, deve
pelo menos constituir outros que em seu nome o façam. A respeito
disso Marco Túlio, que era sumo magistrado na republica Romana, no
início 2 Agr. Consulatum, chama beneficio do povo; e no mesmo
lugar diz que era costume dos cônsules serem criados pelo sufrágio do
povo.
Segundo: onde há o regime popular, o magistrado é chamado pela
sentença às coisas mais graves para julgamento do povo. Isto era o
costume da República Romana, como está atestado nos livros 2 e 4
de Livius. O mesmo ensina Plutarco sobre a república ateniense no
capítulo sobre Sólon.
Terceiro: as leis pelas quais a República é governada são
propostas, de fato, por um magistrado, mas são ordenadas pelo povo,
como consta no livro 3 de Lívio. E o mesmo pode ser conhecido pela
oração de Marco Tulio sobre a lei Manil. e sobre a lei Agr. para
o povo romano.
Quarto: os magistrados costumam ser acusados junto ao povo, bem como
ser privados da dignidade e ser reportados ao exílio, ou também ser
relegados à morte, se assim parece bem ao povo; disto há muitos
exemplos. Os romanos, de fato, fizeram isso com os dois primeiros
cônsules que eles criaram. Tarquínio Colatino, somente por causa
do nome odioso dos tarquínios, foi privado do magistrado antes do
tempo, como menciona Lívio no livro 2. O mesmo afirma Lívio no
livro 2: tendo (os romanos) criado os decênviros, depois os
depuseram contra sua vontade.
Ora, que nada destas coisas convenha ao povo cristão é facílimo
demonstrar. E como o primeiro entre os primeiros consta
suficientemente manifesto que, em toda a Escritura, não há uma
única palavra pela qual se dá autoridade ao povo para criar bispos ou
presbíteros.
Há, porem, passagens pelas quais se dá ao bispo uma autoridade
desse tipo, como na Epístola a Tito, capítulo 1: "Razão pela
qual te deixei em Creta para que constituas pelas cidades
presbíteros, como também eu dispus para ti". Em seguida, os
apóstolos, que foram os primeiros ministros da Igreja, foram
escolhidos e constituídos por Cristo e não pela Igreja, conforme se
lê no capítulo 6 de Marcos. Igualmente os primeiros bispos depois
dos apóstolos, no tempo em que a Igreja era puríssima, foram feitos
não pelo povo, mas pelos apóstolos. Como pode ser entendido pela
própria historia dos Magdeburgences. Pois na primeira das
Centúrias, livro 2, cap. 2 coluna 15,
atestam os centuriadores que foram dados pastores em Icônio e
Antioquia por Paulo. E no cap.10, coluna 624, ensinam a
partir de Nauclero e outros historiadores, que Apolinário de
Ravena, Materno de Tréveris e Hermagoro de Aquiléia foram
constituídos bispos pelo bem-aventurado Pedro.
Para isto o bem-aventurado Irineu no livro3, cap. 3, assevera
que Lino foi feito bispo pelos apóstolos Pedro e Paulo de Roma.
Tertuliano, no livro das três questões, escreve que Clemente foi
feito bispo de Roma por Pedro, e Policarpo, de Esmirna, por
João. Eusébio, no livro 3, capítulo 4 da história da
Igreja, afirma que Timóteo e Tito foram dados como bispos aos
efésios e aos cretenses por Paulo. Nicéfor, no livro 3, cap.
4,1 escreve que Platão foi feito bispo pelo apóstolo Mateus em
certa cidade dos antropófagos por nome de Mirmena. S. Marcos foi
criado bispo pelo bem-aventurado Pedro e mandado a Alexandria,
conforme escreve Leão na Epístola 81 para Dóscoro, e Beda, no
livro das seis idades para Claudio. Dionísio, o Areopagita, foi
constituído bispo de Atenas por Paulo, conforme se depreende por
Eusébio no livro 3, cap. 4 da história. E o mesmo
clarissimamente assevera Beda no martiriológio. E de muitos outros,
se quiséssemos nos dar esse trabalho, facilmente poderíamos mostrar.
Sendo tais coisas assim, evidentemente é manifesto que na primeira e
puríssima Igreja não havia lugar nenhum para a democracia, já que
os magistrados eclesiásticos eram constituídos não pela plebe, mas
pelos apóstolos.
Em segundo lugar, convém apelar ao povo da plebe cristã. Nunca,
de fato, se ouviu na Igreja que se apelasse dos bispos para o povo,
nem para que o povo absolvesse aqueles que os bispos ligaram, nem que
ligasse aquilo que os bispos dissolveram; nem também nunca aconteceu
que o povo julgasse das controvérsias da fé. E nós, de fato,
proferimos muitos julgamentos dos bispos e principalmente dos sumos
pontífices que estão nos tomos dos Concílios. E os adversários
não podem trazer nesse ponto um único julgamento da plebe.
Acrescente-se que são inúmeros os testemunhos das Escrituras, dos
Concílios e dos padres pelos quais se prova que de nenhum modo convém
à plebe cristã exercer juízos eclesiásticos. O que nós em parte
tratamos na questão sobre o julgamento eclesiástico em parte
trataremos na questão sobre os Concílios. E, certamente, se na
Igreja vigorasse o estado popular ou a democracia, seria muito de se
admirar que em todos esses 1300 anos nunca nada tivesse sido julgado
pelo povo dentro da Igreja.
Continuando, o terceiro ponto sobre a legislação muito menos convém
à plebe. Todas as leis eclesiásticas, com efeito, são encontradas
como tendo sido dadas pelos pontífices ou pelos Concílios, e nunca
se esperou para elas o sufrágio do povo, como se desse sufrágio se
pensasse que (o povo) tivesse autoridade. É daqui que, nos Atos
dos Apóstolos, cap. 15, o bem-aventurado Paulo, passando para
a Síria e a Silícia, ordenou ao povo que guardassem os preceitos
dos apóstolos e dos anciãos. Nenhuma lei havia que se possa dizer
ter sido um plebiscito na Igreja. Tais leis, no entanto, existiam
em grande quantidade na República dos romanos.
Finalmente, aquela última proposição sobre o julgamento dos
magistrados também não convém a todos. Ninguém poderá mostrar um
bispo que foi deposto pelo povo,ou excomungado, embora muitos sejam
encontrados depostos pelos sumos pontífices e pelos concílios gerais.
Certamente Nestório, deposto pelo Concílio de Constantinopla,
pelo Concílio de Éfeso por mandato do Papa Celestino, como atesta
Evágrio no Livro I, Cap. 4, e Dióscoro, privado do
episcopado de Alexandria pelo Concílio de Calcedônia por mandato de
S. Leão: é o que se evidencia a partir do mesmo Concílio, Ato
3, e esta certamente é a primeira razão.
A outra razão é tomada da sabedoria divina. De fato, não se pode
acreditar que Cristo, um rei sapientíssimo, tivesse instituído na
Sua Igreja aquele regime que é o pior de todos. Com efeito, o pior
de todos os regimes é o democrático, conforme ensina Platão em
Axiocbo: "Quem", diz ele, "pode se dizer feliz vivendo ao
arbítrio do povo? Mesmo que seja favorecido por ele e seja aplaudido
etc." E Aristóteles no 8º livro da Ética, capítulo 3, das
três formas de reger a multidão declara que a Monarquia é a melhor e
que a democracia é a pior. E Plutarco, no capítulo que fala sobre
Sólon, refere que, considerando (os povos) da Sita Anarquisida,
que na Grécia diziam ser sábios, julgou-os estultos: porque se
diziam seguramente oradores e o povo julgava. Também nos
Apofitegamos diz que Licurgo, ao ser interrogado sobre por que
Esparta não instituía a Democracia, ele tenha respondido ao que
perguntava que primeiro ele deveria instituir a Democracia na sua
própria casa.
Entre os nossos, S. Ambrósio, no Livro 5 Hexam. Cap. 21,
diz sobre a multidão do vulgo: "Não se caracteriza pelo mérito das
virtudes nem combina com o proveito da utilidade pública, mas muda
pela incerteza da mobilidade." S. Jerônimo, no cap. 21 de S
Mateus, diz que a turba é sempre volúvel e não persiste nos
propósitos da vontade; e é conduzida nos seus costumes pelo flutuar
de diversos ventos, daqui para ali.
S. João Crisóstomo, na segunda homilia em S João, define o
povo como um certo tumulto cheio de perturbação, constituído em
parte de uma grande estultícia e composto temerariamente à semelhança
das ondas do mar, frequentemente adotando sentenças em grande
número, variadas e conflitantes entre si. E, depois de dizer tudo
isso, acrescenta: "Quem, portanto, é obrigado a servir a este
senhor, este homem certamente não é o mais miserável de todos
eles?" A razão também segue o mesmo partido: pois não pode ser
senão o pior de todos os regimes aquele onde os sábios são regidos
pelos estultos, os entendidos pelos ignorantes e os bons pelos maus.
Ora, este é o regime democrático. Porque, onde vigora a
democracia, todas as coisas são estabelecidas pelo sufrágio de
todos. Consta, de fato, que sempre a maioria é mais dos estultos do
que dos sábios, dos maus do que dos bons, e dos ignorantes do que dos
experientes.
Confirmando isto, como ensina Aristóteles no livro da I da
Política, cap. 1 e 3, aqueles que se sobressaem pelo engenho,
esses naturalmente são senhores dos demais, que são mais retardados;
e, como diz também S Agostinho, no livro sobre a utilidade de
crer, cap, 12, "é melhor que os homens estultos vivam de tal maneira que possam ser
servos dos mais sábios". Quem não vê quanta perturbação da ordem
haverá se se permitir que os governos da República sejam dados à
multidão do povo?
Finalmente, se o povo tivesse alguma autoridade para governar a
Igreja, ou a teriam por si ou por outro. Não, porém, por si
porque não é de direito natural ou das gentes esse poder, mas de
direito divino e sobrenatural. De fato, não é semelhante ao poder
civil, que está no povo, a não ser que do povo seja transferida ao
príncipe. Nem a possui o povo a partir de outro: deveria tê-lo,
de fato, a partir de Deus, se o tivesse de outro, mas de Deus não
o tem, posto que no Livro de Deus, isto é, nas Sagradas Letras,
nunca se entrega ao povo o poder de ensinar, de apascentar, de reger,
de ligar, de desligar, mas sempre o povo é chamado de grei, que deve
ser pastoreada. A Pedro, porém, se diz: "Apascenta as minhas
ovelhas", como está escrito no último cap. de S João. E nos Atos, 20,
o Espírito Santo colocou os bispos para reger a Igreja de Deus.
Temos, portanto, que não é popular o governo da Igreja.
Mas contra essa proposição há três argumentos. O primeiro é
tomado daquelas palavras constantes em Mateus, 18: "Diga à
Igreja"; onde parece que o sumo tribunal da Igreja está
constituído junto à multidão dos fiéis.
Respondemos: aquele "diga-o à Igreja" significa "leve ao
julgamento público da Igreja", isto é, àqueles que administram a
pessoa pública na Igreja. Assim, de fato, expõe Crisóstomo:
"diga-o à Igreja", isto é, aos prelados. O que também
sadiamente confirma o costume da Igreja. De fato, nunca vimos nem
ouvimos que algum criminoso tivesse exposto a sua causa junto à
multidão do povo. Mas quem junto aos bispos trouxe a causa,
frequentemente vimos e frequentemente ouvimos.
Um outro argumento é trazido do capítulo 1 e 6 dos Atos dos
Apóstolos. Pois no capítulo I, toda a Igreja escolheu Matias;
e no capítulo 6, a mesma Igreja elegeu 7 diáconos; e os Padres
ensinam tranquilamente que a eleição dos bispos pertence ao povo.
Respondemos: sobre a eleição dos ministros, em outro lugar deverá
ser discutido por nós. Enquanto isso, porém, negamos
a partir daquele direito de que, se alguma vez o povo teve algo a ver
com a eleição dos ministros, isto de nenhum modo prova haver
democracia na Igreja. Posto que o povo não ordenou nunca, nem criou
os ministros, nem lhes atribuiu nenhum poder, mas apenas os nomeou e
designou, ou, como os antigos falam, os postulou aqueles que desejava
que, pela imposição das mãos dos bispos, fossem ordenados. Pelo
que, nos Atos dos Apóstolos, cap. 6, dizem os apóstolos:
"Considerai sete homens de bom testemunho, que constituamos sobre
esta obra". Ali apenas atribuem ao povo que busque e ofereça algumas
pessoas idôneas para esse serviço; mas, uma vez oferecidos ao
apóstolo, não foi o povo que os criou diáconos. O que também
ensina S. Cipriano, no livro 3, Epístola 9: "O Senhor
elegeu", diz, "os apóstolos; os apóstolos constituíram os
diáconos junto para si".
Ademais, quando também o povo verdadeiramente tivesse criado os
bispos, não haveria continuamente um regime eclesiástico sobretudo
democrático. Porque, para que haja algum regime democrático,
requer-se que o povo certamente constitua os magistrados, mas muitas
outras coisas se requerem, e apenas isso não é suficiente por si.
De fato, os primeiros reis são eleitos pelo povo e, todavia, o seu
regime é monárquico e não democrático.
Pela mesma razão, os imperadores romanos eram eleitos outrora pelos
militares e agora são escolhidos por alguns príncipes; e, no
entanto, o império pertence á monarquia e não à democracia. Para
que, de fato, fosse democracia, seria necessário que, feita a
eleição do príncipe, houvesse no povo ainda maior autoridade do que
no príncipe e que de uma sentença do príncipe se pudesse apelar ao
julgamento do povo. Isso não ocorre na Igreja, assim como no
reino, ou no império dos romanos. Coisa que tendo entendido o velho
Valenciano, como explica Sozomenos no livro 6, cap. 6, quando a
ele os soldados queriam dar um colega no império, respondeu:
"Escolher-me para imperador estava em vosso poder; mas uma vez que
já fui eleito por vós, não mais está no vosso poder, mas no meu
escolher o consorte do império que estais pedindo".
O terceiro argumento é pedido pela autoridade dos santos Cipriano e
Ambrósio. Cipriano, no livro 3, Epístola 14, escrevendo aos
presbíteros e aos diáconos sobre alguns irmãos turbulentos, diz:
"Enquanto isso, sejam proibidos de oferecer, de demandar, seja
junto a nós, seja junto à plebe, toda causa sua etc." Ambrósio,
na Epístola 32, falando do julgamento da fé: i, diz, "julgou".
E do mesmo modo: "Auxêncio fugiu do
vosso exame".
Respondo: que S. Cipriano se acostumou a levar todos os principais
negócios para tratar diante do clero e do povo, e nada fazer sem o seu
consenso. Essas coisas ele fazia espontaneamente por si mesmo, não
obrigado por nenhuma lei, como é evidente na Epístola 3 do livro
10, onde diz: "Quando, desde o início, estabeleci o meu
episcopado, nada sem o vosso conselho e sem o conselho do povo
administrei com uma sentença minha particular". E não por causa
disso Cipriano era submetido ao seu clero e ao seu povo. De modo que
nem o rei Assuero era submetido àqueles homens sábios, cujo conselho
seguia, como lemos no livro de Ester, cap.1, e quando também
Cipriano espontaneamente se submetia ao clero e ao povo, isto não é
de nenhum modo para crer que estivesse prescrevendo uma lei para sempre
a toda a Igreja.
No que diz respeito a S. Ambrósio, naquela passagem, ele fala de
um julgamento particular, pelo qual qualquer um estabeleceu para si o
que deve seguir, não do julgamento público, que tem autoridade de
obrigar aos outros. O que, pelas palavras do mesmo Ambrósio, pode
ser entendido; assim, de fato, ele disse no mesmo lugar: "Que os
que estão com o povo venham inteiramente para a Igreja, que ouçam,
não de tal maneira que cada um se considere juiz, mas de modo a que
cada um de seu afeto faça um exame e escolha aquilo que deve seguir."
Veja outras coisas que podem compor com esta passagem no livro 1º
sobre os Concílios, capítulos 19 e 20.
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