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Segue-se a terceira proposição, que é a seguinte: desconsideradas
outras circunstâncias, a Monarquia está acima de todas as outras
formas de governo de modo absoluto e simples. Pois, se antepomos o
regime misto entre os homens à simples monarquia por esta causa segundo
a qual não pode um único homem estar presente a todos os lugares e
necessariamente seja forçado a buscar os negócios da republica pela
administração dos seus vigários ou pelos príncipes, certamente
excluídas esta circunstâncias e outras do mesmo gênero, não haverá
nenhuma razão porque a simples Monarquia não seja preferida às
outras formas de governo.
Mas temos, ademais, um outro argumento mais eficaz, posto que a
Monarquia simples tem o seu lugar no império de Deus e de
Cristo. Devem, de fato, a Deus e a
Cristo serem atribuídas as coisas ótimas; portanto, o melhor regime
necessariamente deve ser a simples Monarquia. Se alguém quiser negar
isto, não vejo como não cairá no erro de Marcião e dos
Maniqueus, e também dos Étnicos. Porque, já que o mundo é
otimamente governado pelo seu criador, e isto é sem controvérsia, se
a Aristocracia for a melhor forma de regime, muitos serão os
moderadores deste mundo, e daí se seguira que muitos serão os
criadores deste mundo, e muitos primeiros princípios e muitos deuses
haverá.
A respeito do que os antigos padres, como S Cipriano, no Tratado
da Vaidade dos Ídolos, e S Justino, na oração exortatória,
e aos quais também o judeu Filão pode ser
acrescentado, no livro da Confusão das Línguas, provam haver um
só Deus que rege todas as coisas criadas e moderam, por esse
poderosíssimo argumento, porque a Monarquia é o melhor regime. E,
também pela mesma causa, Justino e Filão deixaram à posteridade os
livros que eles escreveram sobre a Monarquia divina.
Sendo tais coisas assim, não se pode desculpar João Calvino do
erro, pois ele, cegado pelo ódio à hierarquia eclesiástica,
preferiu a Aristocracia a todas as demais formas de governar, mesmo se
por si, e afastadas todas as demais circunstâncias, seja
considerada. Estas são, de fato, as suas próprias palavras, no
Livro 4 das Institutas, capitulo 20, par. 6: "E se esses
próprios estados, afastadas as circunstâncias, tu comparas ente si,
não será fácil discernir qual preponderara pela utilidade e,
portanto, elas lutam em igualdades de condições". E, pouco
depois: "Da mesma forma, se em si forem consideradas aquelas três
formas, que colocam os filósofos, de regime, não negaria que o
estado aristocrático ou o estado aristocrático moderado juntamente com
o estado político democrático é mais excelente do que todos os
demais". Isto é o que ele diz.
E tu me dirás: leia o que se segue e encontrarás a solução da tua
objeção. Assim, de fato, Calvino acrescenta: "Certamente,
isto não ocorre por si pois, na verdade, rarissimamente acontece que
os reis de tal maneira se moderem que nunca sua vontade se afasta do
justo e do reto. Que decorra daí com quanta agudeza e prudência
devem ser instruídos, cada um veja o quanto seja necessário".
Faz, portanto, o defeito ou o vício dos homens que seja mais seguro
e mais tolerável possuir diversos governantes.
Eu ouço, mas o que dizer da edição do ano de 1554 onde estas
palavras não se encontram mais? Mas, me dirás, Calvino
devidamente aconselhado, posteriormente emendou seu erro. Eu omito
que a tão grande mestre em Israel não fosse levado quem nunca tão
gravemente caísse. Vejo, na verdade, que Calvino não poderia ter
corrigido seu erro a não ser que ele litigasse consigo mesmo. Pois
se, como ele diz, não é fácil discernir qual estado prepondera
mesmo se, afastadas as circunstâncias, entre si são comparados; e
se, quando são consideradas em si mesmas aquelas três formas de
governo que colocam os filósofos, ele indica que a aristocracia é a
mais excelente, como é verdadeiro quando, imediatamente em seguida,
acrescenta, dizendo "Isto não, de fato, per se etc.". E: "O
vicio ou o defeito dos homens faz com que seja mais seguro e mais
tolerável ter vários governantes?" Brigam entre si estas coisas a
não ser que eu me engane: "Se em si são consideradas aquelas três
formas, a Aristocracia é mais excelente". E: "Não é
certamente por si mesmo, mas raríssimamente ocorre que os reis não
discrepam do reto".
E nem menos lutam essas frases: "Não é possível discernir qual
estado prepondera se, afastadas as circunstâncias, fossem
considerados." E: "O vício dos homens faz com que a aristocracia
seja julgada a mais útil". Pois, afastado o vício dos homens e
afastadas todas as demais circunstâncias, ou a Monarquia é mais
excelente ou não é mais excelente. Se ela é mais excelente, por
que razão será verdadeira aquela frase pela qual "não se pode
discernir qual estado prepondera", mesmo se, afastadas as
circunstâncias, entre si são comparados? E se a Monarquia não é
mais excelente, baseados no quê defenderemos a Monarquia divina
contra os Maniqueus e os Étnicos? Mas com isto já nos aproximamos
de outra questão.
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